Uma das 39 ilhas fluviais que compõem a região insular do município de Belém, a Ilha do Combu, com dois mil hectares, é um pedaço ainda preservado de um ecossistema ameaçado em toda a Região Norte: a floresta inundável, também conhecida como floresta de várzea. Com menos de 2% de sua área total sob algum tipo de proteção ambiental direta, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), as florestas inundáveis formam um dos mais vulneráveis ecossistemas do bioma amazônico. No Brasil, a proximidade com os principais rios navegáveis e com as grandes cidades gera pressão sobre este bioma, causada pela presença humana e condições decorrentes, como poluição e desmatamento.
Essa pressão moldou Belém, que hoje tem menos de 30% de sua cobertura vegetal original. Na capital paraense ainda existem trechos de florestas de várzea preservadas em lugares como a Ilha da Trambioca, o Parque Ecológico do Gunma e a Reserva Florestal da Amafruta, mas todos estes, assim como a Ilha do Combu, vivem sob a ameaça do desmatamento e da ocupação desordenada.
Identificar e quantificar estas pressões e desenvolver estratégias de conservação para as florestas inundáveis da Amazônia passou a ser uma preocupação para pesquisadores da região. Dela nasceu o Índice de Antropização de Florestas Inundáveis (IAFI), criado pelo pesquisador, José Leonardo Magalhães, pesquisador do Instituto Mamirauá, com a colaboração do colega Helder Lima de Queiroz e de Maria Aparecida Lopes, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Trata-se de um software que analisa 15 indicadores numéricos de pressão humana sobre as florestas inundáveis. Esses indicadores variam entre zero, áreas sem impacto, e 1, áreas com muito impacto.
“O desafio de sistematizar indicadores é grande devido ao tamanho continental do bioma amazônico. Eles devem ser avaliados em um curto período de tempo e gastando poucos recursos, além de ser fáceis de entender pelos tomadores de decisão. Esperamos que o novo Índice de Antropização de Florestas Inundáveis ajude nesta tarefa”, diz Magalhães. Para ele, o objetivo final é fornecer uma ferramenta que ajude a identificar as áreas que precisam receber intervenções, sejam públicas ou privadas.
Na região metropolitana de Belém, o Índice de Antropização de Florestas Inundáveis (IAFI) foi aplicado de forma experimental em florestas de várzea, e o resultado chegou a 0,700, um valor alto. Já nas regiões um pouco mais distantes das aglomerações urbanas, o IAFI registrou um índice de 0,150 de antropização nas florestas de várzea. O valor máximo é 1,0, e o mínimo, zero. Quanto mais próximo de um, mais forte é o impacto humano.
Primeiros testes e achados
O IAFI foi concebido ao longo dos últimos quatro anos através da parceria estabelecida entre o Instituto Mamirauá, a Universidade Federal do Pará e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o desenvolvimento do projeto “Efeito de Perturbações Antrópicas Sobre a Estrutura Florística e Funcionamento das Florestas de Várzea e Seu Impacto Sobre os Ecossistemas Aquáticos da Calha Central do Solimões-Amazonas”.
A primeira versão do IAFI foi testada no Pará, em outubro de 2010, na região de Santarém/Alenquer, no chamado médio/baixo Amazonas. “Aplicamos o IAFI em vários sítios da calha dos rios Solimões-Amazonas. Ao longo dos últimos quatro anos ele já foi implementado em oito paisagens que incluem locais desde São Paulo de Olivença, na fronteira do Brasil com a Colômbia, até a foz do rio Amazonas”, conta Magalhães. Os resultados desses estudos ainda não foram divulgados, e a ideia é reuni-los em um livro: “A gente teria financiamento do governo, mas com esse arrocho geral, estamos sem previsão [para lançar o livro]. Tivemos que pisar no freio”.
Em janeiro, uma parte dos resultados do IAFI foi publicada na revista científica Ecological Indicators. Eram relativos às regiões de florestas inundáveis de Belém e Óbidos, no Pará. “Em relação a Belém, o IAFI detectou que a principal causa de perturbação ao redor da cidade são as pequenas propriedades rurais, o que justifica o índice de 0,700. Há também pressão do setor madeireiro. Já em Óbidos, que teve resultado semelhante ao obtido em Belém, a grande perturbação é a pecuária, que cresce bastante na região”, diz Magalhães. “Isso é importante, pois com essa ferramenta podemos quantificar, mas também qualificar, a perturbação que incomoda cada ecossistema”.
O IAFI está disponível para download no site do Instituto Mamirauá. Ao baixar o programa, o usuário ganha um pequeno manual de fácil utilização, que traz orientações sobre a coleta de dados em campo: “As florestas inundáveis são pouco protegidas. Nós esperamos que com a divulgação do aplicativo as pessoas interessadas contribuam para que ele possa ser constantemente aperfeiçoado e difundido”, diz Magalhães.
Indicadores
Os 15 indicadores presentes no IAFI são divididos em três grupos. O primeiro é de indicadores de pressão humana que implicam no empobrecimento do ecossistema e da biodiversidade local, como as perdas causadas pela extração de produtos florestais não madeireiros e pela caça. Os indicadores do segundo grupo incluem as perturbações que levam à destruição do ecossistema ou à sua substituição por outras formas de ocupação, como mudança do uso da terra de floresta para pasto, criação de animais, exploração madeireira e plantações. No terceiro grupo, estão indicadores que promovem tanto a perda da biodiversidade quanto a substituição do ecossistema a médio e longo prazo, através de perturbações como queimadas e mineração.
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