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Nazca pelo avesso

Peruanos ignoram o potencial turístico da área no entorno de Nazca e reservas extraordinárias permanecem desconhecidas pelos turistas.

23 de fevereiro de 2015 · 9 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Vicunhas e guanacos no Reserva Nacional de Pampa Galeras. Foto: Marc Dourojeanni
Vicunhas e guanacos no Reserva Nacional de Pampa Galeras. Foto: Marc Dourojeanni

Todos que conhecem um pouco do Peru sabem o enorme potencial turístico, cultural e especialmente ecoturístico do país. Depois de Machu Picchu, talvez seja Nazca (ou Nasca) o local mais falado e conhecido desse país, devido às suas estranhas linhas no deserto.

Fomos lá há alguns dias e o que vimos me preocupou muito. O melhor hotel da cidade, no passado caro e sempre cheio, quase inacessível aos nossos bolsos, estava vazio. Éramos os únicos hóspedes nos dois primeiros dias. Estava extraordinariamente barato pela qualidade do serviço e pelas magníficas e belas instalações. O restaurante na praça, que nos orgulhávamos de indicar, parecia um velório com comida péssima e também vazio. Os sobrevoos caros e outrora inúmeros se contavam nos dedos da mão. Vazio era a palavra certa para a outrora tão frequentada e efervescente Nazca.

Era até assustador. Parecia um cenário fantasmagórico. A outra face. Onde está a Nazca cheia de turistas do mundo todo, vibrante que todos conhecíamos? Parece que em sua última agonia. Porque, como isto é possível?

Não é só a má gestão do turismo, que é evidente. Nem tampouco a corrupção que é comum em nossos países, mesclada com interesses eleitoreiros. É muito mais.

Acontece que agora é mais fácil visitar as Linhas de Nazca de outro ponto turístico, a cada dia mais conhecida Reserva Nacional de Paracas, localizada na província de Pisco, a 250 km de Lima e que tem um bom aeroporto. Paracas dispõe na atualidade de numerosos hotéis de todo nível, incluídos pelo menos três de grande luxo. Porque se gastar mais indo até Nazca, a 450 km de Lima só para sobrevoar as linhas de Nazca? Não faz sentido.

A paisagem muda de acordo com a altitude, mas ainda dá para avistar vicunhas e guanacos. Fotografia tirada no Reserva Nacional de Pampa Galeras. Foto: Maria Tereza Pádua
A paisagem muda de acordo com a altitude, mas ainda dá para avistar vicunhas e guanacos. Fotografia tirada no Reserva Nacional de Pampa Galeras. Foto: Maria Tereza Pádua

Ai é que está o xis da questão. Os que promovem Pisco como ponto de partida para sobrevoar as Linhas de Nazca esquecem que Nazca oferece muito mais que as linhas, por mais famosas e misteriosas que sejam.

Pode-se visitar a partir de Nazca com seus 400 metros de altitude a Reserva Nacional de Pampa Galeras a mais de 4 mil metros de altitude. A estrada é asfaltada e oferece paisagens espetaculares, de ecossistemas diferentes em cada altitude. Na subida, que sai do deserto e da maior duna do mundo, se passa por todas as paisagens dos Andes ocidentais até chegar a uma extensa pampa onde se localiza a Reserva Nacional de Pampa Galeras onde se vê, ademais da maior população de vicunhas do mundo, uma rica fauna que inclui guanacos, pumas, vizcachas, zorros, cervos andinos e até condores. A vegetação é variada e fascinante pela sua adaptação à altitude e ao intenso frio noturno, incluindo cactos e até a estranha Puya raimondii, uma espécie de abacaxi de vários metros de altura. Os riachos e as florestas de árvores andinos oferecem inúmeras opções para fazer piquenique.

Isto tudo, pasmem, em algumas horas que serão inesquecíveis tamanha é a importância e a beleza do local. Mas… há alguma instalação turística? Não. Há alguma infraestrutura turística? Não. O Peru parece que se apraz em desprezar seus inúmeros encantos. Talvez por serem tão abundantes. Talvez pelo desconhecimento das autoridades. Talvez… porque?

Após visitar a Reserva Nacional de Pampa Galeras, fomos conhecer um local de que sempre me falou meu amigo Paul Pierret, o primeiro a propor áreas protegidas na região, que foram efetivadas pelo Dr. Marc Dourojeanni. Curiosamente, estes dois personagens nunca visitaram esse outro lugar, que foi efetivamente protegido pelo Dr. Antônio Brack, recentemente falecido, convertendo-o em Reserva Nacional.

Tesouros ignorados

A deslumbrante paisagem de San Fernando. Foto: Marc Dourojeanni
A deslumbrante paisagem de San Fernando. Foto: Marc Dourojeanni

San Fernando se encontra ao oeste de Nazca, e também pode ser visitada em apenas um dia. Com seus 160 mil hectares abrange vários ecossistemas: deserto, tilansial (extensa formação de espécies de Tillandsia), dunas, lomas (vegetação formada pela deposição de umidade de nuvens costeiras), farelhões costeiros, ilhas e praias. Sua beleza é indescritível. Suas flora e fauna impactantes. A melhor visão foi de cinco condores vistos de cima, voando e pousando onde vão para comer os filhotes mortos ou as placentas dos lobos finos (Arctocephalus), ou dos “chuscos” (Otaria) e também onde milhões de aves guaneras e centenas de pinguins dão seus espetáculos. As aves guaneras pescando as anchovas são uma sinfonia da natureza com milhões de atores.

Tudo isto em um dia. Sai-se de Nazca pela Estrada Pan-americana sul por vinte e oito quilômetros e daí segue-se em linha reta até a costa. Os guias, muito bons, vão nos mostrando os rastros de guanacos em pleno deserto, onde descem de Pampa Galeras para comer umas “batatinhas” de um cacto nativo. Falam dos zorros e dos pumas, talvez para nos impressionar. Sabe quem frequenta esta Reserva única? Os bugueiros.

Ninguém que conheço no Peru conhece a Reserva. É uma ilustre desconhecida. Resta a pergunta que claro não tem resposta imediata: porque tudo isto é desperdiçado pela humanidade?

O já dito parece bastante? Pois pasmem-se: um pouco mais ao sul existe outro lugar inacreditável pelas paisagens e pela concentração de aves guaneras e lobos marinhos dentre outras centenas de espécies em especial de aves. Trata-se da Ponta San Juan, que é uma das áreas incluídas na Reserva Nacional das Ilhas e Pontas Guaneras, também estabelecida recentemente pelo Dr. Antônio Brack, cumprindo um antigo desejo dos conservacionistas peruanos. Pode-se visitar a partir de Nazca em apenas meio dia, sem problema, tudo por estradas asfaltadas…. Mas como os demais locais mencionados quase ninguém (nenhum turista estrangeiro) vai ver esses locais, porque os peruanos “não dão bola” a tanta maravilha.

O mar visto de San Fernando. Foto: Marc Dourojeanni
O mar visto de San Fernando. Foto: Marc Dourojeanni

Querem mais? Além das Linhas de Nazca há muito, mais muito mais, em termos arqueológicos bem pertinho da cidade. Está lá a famosa capital do Reino Nazca: Cahuache, que foi restaurada. Estão os formidáveis aquedutos que ainda regam os arredores da cidade, vários cemitérios dessa cultura onde ainda podem se observar múmias antiquíssimas e também há museus. Quer ainda mais? A região de Nazca é prolífica em restos paleontológicos, incluindo baleias e tubarões gigantes e assim mesmo restos de mamutes e de tigres dente de sabre… Quer esportes radicais? As múltiplas e enormes dunas oferecem quanta aventura possa ser procurada.

Nazca vai se desenvolver de todas as maneiras, pois a mineração já chegou. Chega enfeando tudo, pois San Juan também é um espetáculo perto de Nazca, mas há que se atravessar uma cidade de mineradores, muito feia, como sói acontecer.

Porque me preocupo com Nazca? Sou meio peruana também, mas o que se tem por lá são verdadeiros patrimônios da humanidade, quer sejam ou não declarados pela UNESCO, que estão se perdendo.

Não dá para a gente se conformar. Os peruanos devem despertar. As autoridades devem trabalhar com visão de futuro, principalmente as locais, para favorecer seus cidadãos e todos nós.

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