Poucos dias após a publicação da reportagem Alimentando as feras no Pantanal, o biólogo norte-americano Charles Munn entrou em contato com a reportagem de O Eco, diretamente dos Estados Unidos. Durante a conversa, reforçou que não está promovendo “cevas” de onças na região de Porto Jofre (MT) e também as denúncias sobre prejuízos a esses grandes mamíferos brasileiros provocados por colares científicos permanentes. O aparelho emite um sinal de rádio que aponta a localização e movimentação do animal.
Ele também comentou que atua no Brasil desde 1987, de início a convite do governo federal, e que o Pantanal é mais ameaçado pelo desmatamento e pela pesca descontrolados.
Aproveitamos a oportunidade para fazer outros questionamentos, sobre as pesquisas que ele desenvolve na região e sobre o fato de seu nome ser citado no relatório final da CPI da Biopirataria pelo suposto envolvimento no tráfico de aves silvestres brasileiras. O documento foi elaborado por uma comissão no Congresso Nacional, em 2007. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
O Eco – Sobre as cevas de onças no Pantanal, o que o senhor comenta?
Charles Munn (CM) – Que eu saiba, ninguém está cevando onças para turismo no Pantanal atualmente. Os concorrentes querem nos prejudicar com essas denúncias. Mas há outras ameaças, mais sérias às onças pantaneiras. Primeiro, deveriam ser usados modelos não-permanentes de colares de rádio, o animal pode ficar o resto de sua vida com o aparelho. Alguns saem automaticamente depois de certo tempo, já que as baterias não duram muito. Pensamos em cevar, porque essa técnica é usada em centenas de locais no mundo e queremos agregar valor ao Pantanal, mas sabemos que não é preciso porque vemos onças suficientes sem essa prática. A National Geographic usou esta técnica na Amazônia, para fotos e imagens. Agora não fazem mais. Estimo que cerca de 700 espécies de vertebrados estejam sendo alimentados atualmente na natureza, por diversão ou negócio. E não há análises sobre em que condições isso está ocorrendo. Mas não conheço ninguém que esteja cevando onças atualmente, em todo o mundo. Quem faz é caçador profissional de animais que atacam rebanhos. Freqüento o Pantanal há 20 anos e só a partir dos anos 1990 tenho visto onças com mais freqüência. A dúvida é se isso será valorizado, estudado, irá gerar empregos ou problemas? Em nossa fazenda no Pantanal, onças tem atacado bezerros. Frente a esse problema, garanto que a maioria dos fazendeiros ainda mata onças. Nós não fazemos isso.
O Eco – Quem está colocando esses colares?
CM – Eu sou ex-pesquisador, não faço pesquisas agora. Mas pesquisadores em geral usam rádio-colares há cerca de trinta anos, em qualquer animal. Eu tive a oportunidade de colocar esses aparelhos em animais no Peru, mas nunca fiz porque sempre me questionei: em que isso ajudaria a Ciência ou a conservação? Esses dados colhidos compensarão o sofrimento dos animais? Nos anos 1970 vi macacos que morreram em decorrência desses colares. Muitos biólogos pensam primeiro em suas carreiras e muito depois nos animais. No caso de onças, cerca de 30 estudos usaram colares, desde o fim dos anos 1970. Entendo que, quando não se pode observar um animal, isso ajuda a colher dados. Mas quando uma espécie pode ser observada de dia ou à noite, qual a vantagem de se usar esses aparelhos? Os colares fixos podem provocar infecções, fungos, prender em galhos, por exemplo. Eu não sou pesquisador de onças, mas é preciso pesar os prós e contras. Estão colocando colares agora no entorno do Parque Estadual Encontro das Águas (MT) e esses animais adentram a área protegida.
O Eco – Quais as pesquisas desenvolvidas a partir do Jaguar Research Center, no Pantanal?
CM – A pesquisa envolve monitoramento de 15 animais mais avistados, diferenciados por suas pintas, principalmente na face. Estamos simplesmente fazendo um mapeamento de onde aparecem esses animais que conhecemos. Oito ou nove deles aparecem com mais freqüência. Estamos criando um mapa de seus territórios. Isso não é novo, mas é um estudo não agressivo, sem perigo.
O Eco – Quem financia essas pesquisas?
CM – É dinheiro do nosso bolso. Também escrevi um artigo para a BBC sobre ariranhas no Pantanal, no Rio Pixaim, de onde tinham desaparecido pela caça de peles. Lá elas são alimentadas há mais de 12 anos. Também pesquisamos a espécie no Peru e outras partes do mundo. Alguns guias já amansaram ariranhas no Pixaim, mas isso não é um bom modelo. Várias fazendas pantaneiras alimentam aves e jacarés para agradar turistas.
O Eco – Na região de Porto Jofre há uma grande concentração de onças? Por quê?
CM – Nessa área não se caça há 15, 20 anos, e não há gado. Por isso as onças se recuperaram. Além disso, milhares de barcos de pesca esportiva circulando por anos pelos rios, sendo avistados pelas onças. Por lá, as onças caminham muito na beira dos rios, onde a mata ciliar é mais aberta. Atrás, a mata é muito fechada. Essa combinação de fatores acostumou os animais à presença humana e às embarcações. Quando não querem ser observados, dão uns passos para trás e somem na mata. Na África, por exemplo, vans ficam rodeando leopardos para facilitar a observação turística. Esse ano e em outros vimos barcos de pesca jogando peixes a onças, somente para brincar com o animal. Isso acontece com freqüência.
O Eco – Quem criticou seu trabalho, então, inveja suas iniciativas no Pantanal?
CM – É muito óbvio. Todas as pessoas que falaram mal são nossos concorrentes comerciais.
O Eco – E sobre o fato de seu nome ser citado no relatório final da CPI da Biopirataria?
CM – Esses problemas sempre existem. Geralmente poucas pessoas fazem pesquisas especializadas e, quando são estrangeiros, sempre encontrarão pessoas que os vêem como concorrentes. Eu sempre fui pesquisador de araras, três ou quatro pessoas realmente entendem dessas pesquisas. Sou a favor de qualquer coisa que gere amor pela natureza, mas muitos pesquisadores não pensam assim. No caso de araras, publiquei artigo em janeiro de 1994 na National Geographic, tratando da reprodução de certas espécies de aves que chocam apenas dois ovos e há concorrência pela diferença de dias entre o nascimento deles. Descobrimos um método para ajudar e resgatar essas espécies, garantindo a sobrevivência de mais filhotes. Por que não fazem isso com a arara-azul no Pantanal, vítima de tráfico desde os anos 1970?
O Eco – Como você chegou ao Brasil e ao Pantanal?
CM – Vim em 1987 a convite do governo brasileiro, para chefiar um projeto realizar contagens e pesquisas sobre arara-azul. O governo queria proibir o comércio internacional de araras-azuis. Nunca havia pisado no Brasil antes e, se há algum problema comigo agora, a culpa é do próprio governo.
O Eco – Se o governo do Mato Grosso desapropriar áreas no Parque Estadual Encontro das Águas, o que o senhor fará?
CM – Isso pode acontecer, mas seria espetacular. Na prática, isso não deve acontecer nos próximos anos. Nosso modelo de atuação, desenvolvido em outros países, gera muitos empregos e contribui para não tornar os parques mortos. Os parques podem ser fontes de empregos verdes.
O Eco – Na sua visão, quais são as maiores ameaças ao Pantanal?
CM – A situação é mais complexa do que se afirmar que a prática da ceva está se generalizando. Desmatamento, principalmente no Mato Grosso do Sul, para produção de gado, a sobrepesca, cujos estudos não são suficientes para se avaliar o real impacto sobre as populações de peixes. Nas temporadas anuais, a técnica do “amoladinho”, anzóis muito afiados e sem fisga usados em uma espécie de arrastão para pegar peixes de fundo. É uma técnica estranha que verificamos este ano em várias embarcações. Isso não é esporte, mas ninguém fala ou faz nada.
Leia também
COP16 encerra com avanços políticos e sem financiamento para conservação
Atrasos complicam a proteção urgente da biodiversidade mundial, enquanto entidades apontam influência excessiva do setor privado →
Fungos querem um lugar ao sol nas decisões da COP16
Ongs e cientistas alertam que a grande maioria das regiões mundiais mais importantes para conservá-los não tem proteção →
Parque Nacional do Iguaçu inaugura trilha inédita
Trilha Ytepopo possui um percurso de 5 km que segue caminho às margens do Rio Iguaçu e poderá ser feita pelos visitantes do parque →