Em pouco mais de dez anos, Recife tornou-se um dos lugares no mundo com maior incidência de ataques de tubarão. Desde a década de 90, o governo estadual e a área acadêmica de Pernambuco dedicam-se ao assunto, buscando compreender as possíveis mudanças de comportamento do perigoso predador marinho, e o que a ação humana tem a ver com isso.
Até junho de 1992, nenhum ataque de tubarão havia sido registrado nas praias do Recife. Naquele mês um surfista foi atacado, e desde então os registros só fizeram crescer. Nestes doze anos somam 44 agressões com 16 vítimas fatais, o que representa 46% dos ataques e 64% das mortes por esta causa no Brasil. No mundo, só os mares da Flórida produzem mais agressões. A diferença é que os ataques em Pernambuco acontecem em uma faixa de apenas 20 km, enquanto na Flórida o litoral envolvido tem 1.750 km de extensão. Além disso, enquanto na Flórida apenas 1% dos atacados morrem, em Pernambuco o percentual chega a assustadores 36%.
Em maio deste ano foi criado o Cemit, Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões, integrado por especialistas do governo em meio ambiente, cientistas e bombeiros, para estudar e prevenir os ataques. Fábio Hazin (foto), que coordena o novo órgão e dirige o Departamento de Pesca da UFRPE, é um dos maiores especialistas brasileiros em tubarões. Ele explica que, das 500 diferentes espécies do animal no globo, cerca de 50 estão na costa nordestina e aproximadamente 12 na via costeira pernambucana. Entre elas, estão o tubarão-tigre ou tintureira (Galeocerdo cuvier) e o cabeça-chata (Carcharhinus leucas), que vêm atacando no Estado. “A identificação das espécies que estavam atacando foi possível através das mordidas nas pranchas de surfistas agredidos e de fragmentos de dentes nos corpos das vítimas. O tamanho dos tubarões envolvidos varia de 1 a 3 metros de comprimento”, destaca.
Sobre as causas dos ataques, há várias hipóteses. O Laboratório de Oceanografia Pesqueira – LOP, do Departamento de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), conduz desde 1994 uma pesquisa intensiva sobre os tubarões na área, estudando sua distribuição, abundância, reprodução, hábitos alimentares e também os possíveis motivos do aumento na incidência de ataques. Os resultados apontam como prováveis responsáveis pelo aumento no número de ataques: a elevação do número de surfistas e banhistas na região, ao longo dos anos; a pesca de arrasto de camarão, com rejeito de peixes, próximo às praias da área afetada; a topografia submarina da região, caracterizada por um canal profundo adjacente à praia e mudanças climáticas.
Mas talvez uma das causas mais graves, ainda não totalmente esclarecida pelos cientistas, tenha sido a construção do Porto de Suape, 55 km ao sul do Recife. A obra resultou em um grande impacto ambiental e acarretou o aumento no tráfego marítimo. Para André Olinto, gerente costeira da Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco (conhecida pela antiga sigla CPRH), na época da construção de Suape, em 1979, não eram produzidos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto de Meio Ambiente (EIA-RIMA). A CPRH realizou uma avaliação ecológica da área e constatou que 600 hectares de mangue foram destruídos para a construção do porto e dois rios, o Merepe e o Ipojuca, foram estrangulados, desviando as áreas estuarinas (onde os rios se encontram com o mar) para Gaibu, praia vizinha ao porto. Essas áreas estuarinas servem de berçário para os tubarões fêmeas da espécie cabeça-chata na época do nascimento de filhotes. “Quando foi realizada essa avaliação, outras questões ambientais foram levantadas, mas não a vida marinha do tubarão”, revela a especialista em vias costeiras.
A mudança do curso dos rios levou os tubarões a procurar outras praias para procriar. Os locais escolhidos pelos animais para a procriação foram as praias do Pina e Boa Viagem, no Recife. “É provável que um número maior de fêmeas do cabeça-chata tenha passado a se deslocar para o estuário mais próximo, o do Rio Jaboatão, localizado ao norte do porto. Esse rio desemboca exatamente nas praias da Região Metropolitana do Recife, onde ocorreram todos os ataques, ou seja, Paiva, Candeias, Piedade, Boa Viagem e Pina”, ressalta Fábio Hazin. A captura de fêmeas prenhes da espécie cabeça-chata no Estuário do Jaboatão parece confirmar esta hipótese. A CPRH está estudando a viabilidade de recolocar os rios em seu curso original. O Porto de Suape aguarda o resultado dessa avaliação para se posicionar a respeito.
Mesmo que a construção do Porto de Suape, com o desvio das áreas estuarinas, não tenha sido uma causa direta do crescimento do ataque de tubarões, o início das atividades no porto certamente está associado ao fenômeno. Elas começaram em 1992, exatamente o ano em que os ataques tornaram-se freqüentes. O biólogo Marcelo Szpilman, em seu livro Tubarões no Brasil (editora Aqualittera), explica: “Além da degradação ambiental em uma área original de manguezais, houve também, com a ampliação do tráfego de navios, um estímulo para o aumento da agressividade dos tubarões da região – os dejetos dos navios, jogados ao mar, atraem os tubarões para a região do porto para daí seguirem as correntes para as praias próximas ao norte do porto.”
Soluções
Medidas para inibir que o tubarão chegue perto demais da costa estão sendo analisadas. Uma delas é a colocação de blocos de cimento dentro de áreas específicas do oceano no trajeto de navios que fazem pesca de arrasto de camarão, ou até mesmo a proibição desse tipo de pesca. “Mas o principal é a educação ambiental que estamos promovendo nas praias com a população, para que as pessoas respeitem o habitat do animal. Não tomar banho com a maré alta ou turva e permanecer sempre antes dos arrecifes são algumas das precauções necessárias”, completa Hazin.
Os surfistas são as vítimas mais freqüentes dos tubarões. “Como eles passam a maior parte do tempo na água, com as pernas balançando dentro d’água, então o peixe os vê como uma presa, uma tartaruga, por exemplo, e ataca”, descreve Hazin.Em 1995, o governo estadual decidiu proibir o surfe nas áreas de risco, compreendidas entre o Porto de Suape e o Porto do Recife. Quatro anos depois, quando ocorreu um ataque a dois banhistas com água pela cintura, a advertência passou a valer para todos os freqüentadores das praias, e foram espalhadas placas com o desenho de um tubarão. “No começo todo mundo ficou com medo. As pessoas continuam vindo à praia, mas o banho de mar diminuiu bastante”, relata o salva-vidas da praia de Boa Viagem, Soldado Cruz.
Interesse
A partir dos ataques do animal e das campanhas de educação ambiental realizadas nas praias do Estado, o interesse das pessoas pelo tubarão cresceu. O Parque Dois Irmãos, que completa este ano 65 anos de existência, na capital pernambucana, inaugurou em fevereiro o primeiro oceanário de zoológico com tubarões em exposição.
O oceanário possui seis tubarões lixa, que ficam em um tanque com 16 mil litros de água marinha. O Centro de Educação Ambiental (CEA) do Parque conta com biólogos e veterinários para esclarecer dúvidas dos visitantes. “Chegamos a ter em um domingo de visitação mais de 1.700 pessoas aqui para saber mais sobre a espécie”, destaca um dos coordenadores do oceanário, Mauro Freire.
O CEA montou um esquema com uma tenda para informações sobre a biologia e ecologia do tubarão e curiosidades como a importância do animal para o meio ambiente, desmistificando a imagem de “monstro dos mares”. “Crianças e adultos chegam aqui pensando que o tubarão é o vilão do mar, mas por ser um predador natural ele contribui para o equilíbrio da fauna e flora marinhas. Além disso, plantas e animais marinhos, como os tubarões, podem ajudar a limpar o lixo despejado no mar pelo homem”, esclarece a veterinária do CEA Polly Ana Lins (foto).
Os visitantes têm a oportunidade de conhecer réplicas dos dez tubarões mais perigosos do planeta, como o cabeça-chata e o tubarão branco, e ver as arcadas de várias outras espécies. Além do aquário com tubarões, o oceanário possui seis tanques com outras espécies de vida marinha, algumas em extinção como o cavalo marinho, arraias, lagostas e estrelas-do-mar.
Fotos: Sara Maia
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