As primeiras mudas foram plantadas em 1904, pela mão de Edmundo Navarro de Andrade, um agrônomo que achava nossa mata nativa feia e desorganizada. Acreditava que quando adultas, suas formas – troncos finos e compridos com copas abertas – poderiam trazer ordem e beleza às florestas tropicais. As mudas tinham também outro atrativo. Cresciam rápido, atingindo a maturidade em apenas 3 anos, o que as tornava adequadas para uso em escala industrial. Elas eram de eucalipto, vinham da Austrália e adaptaram-se muito bem em Pindorama, onde a expansão do seu plantio foi adubada por crises internacionais e incentivos fiscais. Acabaram virando parte da paisagem nacional.
O país tem hoje 29 espécies de eucalipto catalogadas, entre as mais de 700 existentes no mundo. Ele está espetado em quase todas as regiões brasileiras. Os dados da Sociedade Brasileira de Silvicultura, que reúne empresas que vivem diretamente do cultivo de árvores, mostram que a presença dos eucaliptos por aqui é superlativa. Dos 5 milhões de hectares de florestas plantadas no Brasil, 64% estão cobertos por eucaliptos. É a árvore preferida dos produtores de celulose e de carvão e até de algumas madeireiras. Ultimamente, anda posando de queridinha dos ambientalistas, que defendem seu uso para auxiliar a regeneração de matas nativas e aliviar a pressão sobre o que ainda resta delas.
Mas a saga dos eucaliptos em terras brasileiras nunca foi tranqüila. Navarro os introduziu depois de uma pesquisa com mais de 100 espécies, que indicou o eucalipto como árvore ideal para fornecer madeira para as fornalhas das locomotivas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Durante a I Guerra Mundial, a importação de carvão para o Brasil praticamente acabou e a demanda por madeira para ser queimada na produção de energia explodiu, conta o historiador americano Warren Dean, em seu livro A Ferro e Fogo (Companhia das Letras, 1994). Por suas propriedades, o eucalipto virou a árvore da hora para enfrentar esta emergência nacional e seu plantio expandiu-se. Na década de 30, com Navarro de ministro interino da Agricultura e sua assinatura no primeiro Código Florestal Brasileiro, o eucalipto tornou-se instrumento de saúde pública. E acabou enfrentando forte reação.
Navarro, relata Dean em seu livro, era o expoente de um grupo que qualificava as nossas florestas nativas como insalubres e via na sua substituição um ato de saneamento. Como nota o historiador, a oposição ao eucalipto que ganhou corpo nesta época não tinha qualquer viés ambiental. Seu cunho era basicamente ideológico e materializou-se numa “curiosa forma de xenofobia contra o invasor estrangeiro”. A II Guerra Mundial e as necessidades do desenvolvimento econômico do país nas décadas seguintes, aliadas às dificuldades de se ir buscar madeira em regiões ainda não desbravadas como a Amazônia, fizeram o nacionalismo anti-eucalipto cair no esquecimento.
Ele retornou nos anos 70. A diferença é que, desta vez, as críticas à presença de árvore estrangeira em solo brasileiro vinham acompanhadas da caracterização do eucalipto como árvore ecologicamente criminosa. Era acusado de acabar com a biodiversidade, por não favorecer o crescimento de outras plantas ao seu redor e não fornecer alimento atraente à fauna nativa. Também ganhou a fama de agente de secas. Dizia-se que a rapidez de seu crescimento dava-se à custa de drenagem excessiva do solo. “Trata-se de bobagens”, rebate o primatologista Aldemar Coimbra Filho, que aos 80 anos tem um currículo para ambientalista nenhum botar defeito, inclusive nas áreas de botânica e hidrografia.
Coimbra Filho é um entusiasta do uso de eucaliptos para a regeneração de matas ciliares e florestas nativas. Ele diz que essa árvore de fato suga água do solo para crescer. Como qualquer outra. “As nativas até sugam mais”, afirma. Pesquisas da Aracruz Celulose, dona de alguns dos maiores eucaliptais brasileiros, constataram que a raiz da árvore não desce mais do que 2 metros em busca de nutrientes e que os níveis de água no solo das áreas eucaliptadas são os mesmos em florestas nativas.
Quanto à falta de biodiversidade em florestas de eucalipto, Coimbra Filho aponta que os críticos partem de um princípio enganoso. “O eucalipto não deve ser empregado para substituir a mata nativa, mas como alavanca para sua regeneração”. É o que vêm fazendo, por exemplo, as empresas que plantam enormes faixas de terras com eucaliptos. O diretor de Florestas da Klabin, Reinoldo Poernbacher, conta que a empresa tem plantado espécies naturais entremeadas à monocultura. “Essa técnica proporciona a formação de sub-bosques, que não exercem todas as funções ecológicas de uma floresta natural, mas recompensam grande número de perdas”, diz. Segundo ele, hoje já são mais de 1 milhão e 600 mil hectares de mata nativa entremeada nas florestas de eucalipto brasileiras.
O diretor de Meio Ambiente da Aracruz Celulose, Carlos Alberto Roxo, diz que os objetivos do reflorestamento são criar, manter e preservar os recursos da indústria de base florestal. Poernbacher acredita que a culpa pela imagem negativa do eucalipto é das próprias empresas de base florestal. “Nunca se admitiu explicitamente que ele não reconstrói a floresta. Durante muito tempo, a idéia que se passava dos eucaliptais é que eram florestas intocadas e preservadas”. Por outro lado, se compararmos as monoculturas florestais com as monoculturas agrícolas, como arroz, milho, soja, cana e outras, elevaremos eucaliptos e pinus ao céu. A agricultura ocupa 62 milhões de hectares no Brasil. Para ela são escolhidos os melhores e mais férteis solos, que ao final da colheita estarão secos e desgastados. Muitos não se recuperam, servindo posteriormente para a pecuária, que ocupa 220 milhões de hectares no país.
Outro argumento dos que defendem o eucalipto é sua maior capacidade de renovar o oxigênio no planeta, por crescer mais rápido do que outras espécies. Além disso, a utilização de madeira de árvores cultivadas pode reduzir o desmatamento de florestas nativas. Nos países desenvolvidos, onde cresce a demanda por madeira de origem legal e renovável, o eucalipto começa a ganhar espaço. Dois expoentes do design moveleiro, Itália e Suécia, importam madeira de eucalipto brasileiro para produzir suas sofisticadas peças. Para consumo interno, o eucalipto ainda não é visto como alternativa às madeiras de lei. Até na produção de móveis simples e vigas de telhado, por exemplo, é comum a utilização de madeiras nobres da Amazônia, a maior parte obtida de forma ilegal.
A expansão do cultivo de árvores para suprir o mercado madeireiro traz um risco: as florestas homogêneas podem avançar sobre áreas de vegetação nativa. O problema está em só reflorestar para atender a essa demanda. Para evitar o desequilíbrio, o governo deveria ordenar e fiscalizar os reflorestamentos com monocultura, ao mesmo tempo em que investe na reconstrução de matas nativas. Não é o que tem sido feito.
De todo modo, a idéia de que o exótico eucalipto não deve concorrer com as espécies nacionais não procede mais. Pesquisas da Aracruz produziram, inclusive, a espécie Eucalyptus urograndis, mais adaptável ao clima do Espírito Santo, surgido do cruzamento dos gêneros grandis e urophylla. O imigrante já adotou e foi adotado pela nação brasileira.
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →