“Céu vermelho de manhã, marinheiro tome cuidado”, diz o ditado que alerta navegantes. Com o mesmo tom alarmante, o ambientalista americano James Gustave Speth escreveu o livro Red Sky at Morning (“Céu vermelho pela manhã”, Yale University Press, ainda sem tradução para o português). Diretor e professor do Departamento de Estudos de Meio Ambiente e Florestas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Speth afirma que as negociações e tratados estabelecidos nas últimas duas décadas para proteger o meio ambiente foram inúteis.
Por telefone, explicou que a culpa recai sobre os governantes. Por trás dos argumentos políticos, escondem-se interesses econômicos que impedem decisões em assuntos cruciais. “Temos negligenciado programas que promovem eficiência de energia nos Estados Unidos”, afirma ele.
Speth não é pessimista, apenas sabe do que está falando. Foi fundador e presidente do Instituto Mundial de Recursos, conselheiro dos governos Jimmy Carter e Bill Clinton, presidente do Conselho Americano de Qualidade Ambiental e ainda chefiou o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Com esse conhecimento de causa, atesta: “A decisão do presidente Bush de não assinar o Protocolo de Kyoto foi um dos piores erros de política pública desta era”.
O cientista lembra que os Estados Unidos têm um papel crucial nessa história. Além de ser o maior poluidor mundial da atmosfera (responsável por 25% a 30% das emissões), o país serve de exemplo para outras nações. “Ao abandonar um acordo como o de Kyoto, os Estados Unidos abandonaram o mundo”, diz.
No livro, Speth conta que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera é a mais alta dos últimos 420 mil anos. E esse acúmulo só tende a aumentar. O gás carbônico, responsável pelo aquecimento global, é emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis. “Na era pré-industrial, a concentração de CO2 na atmosfera ficava em torno de 280 partículas por milhão. Hoje, estamos em 370 partículas por milhão. A previsão é chegarmos a 600 partículas por milhão. Isso é o equivalente a colocar cobertores e mais cobertores sobre a Terra”.
“É um futuro que não dá vontade de visitar”, descreve Speth. Para ele, ou a humanidade passa a tomar as decisões certas ou eventos extremos se tornarão cada vez mais freqüentes. Como mudanças nos padrões de chuva, enchentes, furacões, tornados, elevação do nível do mar, perda de biodiversidade e de terras cultiváveis e escassez de água potável.
Por um momento, Speth parece acreditar que não há muito o que fazer: “A situação tornou-se irreversível”. Cita que as florestas tropicais estão sendo dizimadas e que junto com elas já desapareceram 15% das espécies de animais do planeta. Em seu livro, a situação da Amazônia é vista como incerta. Reconhece que nunca houve um movimento tão grande no Brasil a favor da criação de áreas preservadas na região, mas ressalta que os índices de desmatamento também nunca foram tão altos.
“Se tivesse a chance de conversar com o presidente Lula, diria a ele para dar oportunidade para as pessoas viverem em outras partes do país, fora da Amazônia. Assim não haveria tanta pressão”. Pelo telefone, mostra que conhece o movimento ambientalista no Brasil e cita personagens como Maria Tereza Jorge Pádua e o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldenberg. “Diria a Lula: escute essas pessoas!”.
Ele aproveita a oportunidade para sugerir que o Brasil resgate o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), criado no Rio de Janeiro durante a Eco 92. Para Speth, os empresários têm que enfrentar os problemas ambientais e o Brasil poderia liderar esse movimento, lembrar ao mundo dos compromissos assumidos no Fórum.
“A guerra no Iraque consome o tempo, a energia, o dinheiro e a atenção que deveriam ser dispensados às questões ambientais. Estamos deixando de cumprir nossas obrigações em relação ao meio ambiente”, reclama Speth, que sabe como essas coisas funcionam. “Recentemente, o conselheiro científico do primeiro-ministro britânico Tony Blair e o ministro do Meio Ambiente canadense apontaram que, a longo prazo, problemas ligados ao meio ambiente serão tão ameaçadores quanto o terrorismo”.
Quando perguntado sobre o que deveria ser feito para melhorar a situação global, o professor é categórico: a adoção de sistemas de transporte extremamente eficientes. Ele também aposta em energia renovável, principalmente na eólica, que vem ganhando espaço na Europa. “Precisamos de decisões muito claras, que alcancem e auxiliem a todos. Uma vez que essas decisões forem tomadas, as tecnologias para esses fins surgirão rapidamente”.
Alguns problemas, como a falta de água doce, poderiam ser solucionados, ou pelo menos amenizados, com boa administração. Ele dá como exemplo a agricultura, o maior consumidor mundial de água. “A maior parte dos sistemas de irrigação do mundo, incluindo os americanos, ainda é precária. Perde-se água em abundância”.
A Europa é um modelo a ser seguido. Speth acredita que o continente está à frente na diminuição de gases poluentes, em reciclagem, impostos relacionados a meio ambiente e no uso de energia limpa. “Existem várias instituições e inúmeras formas de trocarmos informação com a Europa. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem um vasto programa de troca de informações na área ambientalista. O problema ainda são as barreiras políticas que, nos caso dos Estados Unidos, impedem o país de copiar os europeus.”
O último capítulo do livro Red Sky at Morning, intitulado “Recursos para Cidadãos”, dá dicas de como o cidadão comum pode ajudar a mudar o destino do mundo. Há uma lista do que se pode fazer em casa, na hora de consumir, de votar e de investir em uma empresa. Speth lembra que a Internet é o melhor caminho de busca. Em segundos, descobre-se qual computador ou geladeira consome menos energia, ou o carro que economiza mais combustível. “Adoraria ver um brasileiro escrever uma lista com essa usando fontes brasileiras e em português. Todos os países precisam fazer parte desse movimento”.
O bate-papo com o professor James Gustave Speth acabou se estendendo por 45 minutos. Ao se conscientizar disso, comentou: “Nestes 45 minutos devemos ter perdido 1.200 hectares de floresta tropical. Certamente mais desertos se espalharam, perdemos toneladas de peixes, gases que prejudicam o clima foram emitidos, assim como poluentes tóxicos”. E completou: “É uma evidência da urgência da questão ambiental”.
* Tânia Menai é jornalista e mora há 9 anos em Nova York. Colabora para o site No
Mínimo e as revistas Veja, Super Interessante, Exame e Aprendiz.
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