Reportagens

O concheiro

No Chuí, o homem conseguiu ajudar, e não atrapalhar, a natureza a criar um dos lugares mais belos do litoral brasileiro: o concheiro. Mas não é fácil vê-lo.

Eduardo Lorea ·
23 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás


O concheiro é uma formação única no Brasil, fenômeno natural com apenas uma pequena ajuda do homem – a fixação dos molhes da barra do Arroio Chui.

Trata-se de uma impressionante estrada de conchas, daí o nome, cuja largura varia de 50 a 100 metros. Ela se estende por até 50 quilômetros, entre as praias do Cassino e do Hermenegildo, no extremo sul do Brasil.

O pessoal do lugar pronuncia “conchero”, à espanhola, engolindo o “i” por influência dos vizinhos uruguaios. No dicionário a palavra significa sambaqui, mas lá pelas bandas orientales ninguém usa a versão tupiniquim.

Pouca gente conhece o concheiro porque a maior parte do ano ele passa debaixo da areia. Nunca foi apresentado no Fantástico. No Google só aparecem concheiros à portuguesa, onde a palavra é usada em arqueologia. De brasileiro, apenas o relato deslumbrado de um estudante explorador.

O concheiro tem seu momento de esplendor depois de uma tempestade, quando o mar recua levando a areia. Aí, milhões de conchas aparecem, limpinhas. Se for dia de sol, elas refletem a luz dos raios, ofuscando a vista. Atenção turistas: nada a ver com a maré. As conchas só aparecem depois de tempestades.

Quanto ao lado “estrada”, é um caminho para poucos. Apenas aventureiros tipo Discovery Channel e pescadores freqüentam o lugar. O mar pode avançar de repente e engolir tudo, tipo tsunami. No ano passado, um empresário paulista tentou cruzar com sua camionete 4 x 4 e deixou a bichinha enterrada na areia.


O concheiro se forma quando as correntes naturais, em redemoinho, arrastam o lixo do fundo do mar e atiram tudo para a praia. As conchas são os restos dos alimentos de peixes maiores, e também as carcaças dos bichos que morreram de causas naturais.

Os redemoinhos se formam sem dia certo, ora quando a vão do Arroio é maior do que o mar que entra, ora quando ocorre uma mudança nas correntes.

A formação era pequena nos anos 80. Aparecia 20 km ao norte do Chui, andava algumas centenas de metros e se interrompia. Ia assim, pingada, por mais ou menos 30 km, lembram os mais velhos.

O fenômeno cresceu para os 50km contínuos de hoje depois de uma intervenção do homem, explica José Ricardo Valle, do Conselho de Meio Ambiente de Santa Vitória do Palmar: “A retificação da foz do arroio Chui mudou a natureza”.

A mudança se deu depois da retificação, feita por decisão diplomática para ajustar a fronteira entre Brasil e Uruguai. Os molhes do arroio avançaram pelo mar, deslocando o eixo dos redemoinhos – é a tese de Zé Ricardo, apoiado em fotos de satélite.

O concheiro em si não tem valor comercial, não há nada ali que possa ser explorado comercialmente a não ser sua beleza. Técnicos do Sebrae planejaram turismo ecológico, mas tudo acabou quando o Lula decretou a ampliação da Estação Ecológica do Taim, em junho de 2003, interditando o pedaço.

Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal derrubou o decreto depois de pressões de arrozeiros, fazendeiros de gado e pescadores. Eles ocupam as terras do banhado do Taim e querem mais espaço em direção ao mar.

Agora o turismo está recomeçando. Na semana passada, dezenas de jipeiros estavam roncando suas máquinas em Santa Vitória, prontos para os 200 km até Rio Grande, 50 deles ouvindo o crac-crac. Mas o tempo estava bom e o concheiro prudentemente escondido sob seu manto de areia.

* Eduardo Lorea Leite, 22 anos, é repórter do Jornal Já Porto Alegre.

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Comentários 1

  1. mauro diz:

    Este tipo de turismo esta ameaçando o concheiro , pois os jipes quebram tudo.