O deserto do Atacama no Chile é um dos lugares da Terra mais perto do céu. E não é só porque ele está bem acima do nível do mar, numa região onde a altitude varia de dois mil a seis mil metros. Tudo no Atacama contribui para diminuir a distância que separa o homem dos astros. O seu clima, muito seco – a umidade relativa do ar varia entre 5 e 25% – praticamente impede a formação de nuvens e o acúmulo de gotículas de água na atmosfera, coisa que ajuda a dar maior nitidez a qualquer objeto que esteja acima de nossas cabeças. A ausência de grandes cidades na região também garante a escuridão necessária para enxergar o brilho de objetos celestes que estão a milhões de quilômetros de distância. Os astrônomos profissionais sabem de tudo isso há muito tempo. Lá se vão 40 anos desde que o deserto começou a virar um centro mundial de observatórios astronômicos.
Já existem sete deles por lá. Breve, estará de pé o oitavo, construído pela ESO (European Southern Observatory), um consórcio de 11 países europeus, ao custo de 600 milhões de dólares. Todos estão sob o guarda-chuva. Há um nono observatório, para o qual talvez os profissionais torçam o nariz, mas que vem atraindo astrônomos amadores ou bissextos do mundo inteiro. Funciona a duas horas de San Pedro de Atacama, principal pólo turístico da região, e está a 2 mil e 400 metros de altitude. Tem cinco telescópios e desde a sua fundação há dois anos, mais de 4 mil pares de olhos de turistas já miraram os céus do Atacama através de suas lentes.
O observatório para turistas, um planetário ao ar livre equipado com cinco telescópios de diâmetros que variam entre 10 centímetros e 38 centímetros, é cria do astrônomo francês Alain Maury (foto) e de sua mulher, Alejandra Miqueles, uma chilena formada em turismo. Louco para permanecer no Chile ao fim de um período de trabalho de 3 anos no Observatório de La Silla, Maury pensou nos céus do Atacama e enxergou uma oportunidade. Logo o casal estava fundando a SPACE (San Pedro de Atacama Celestial Explorations), que já atraiu turistas de todas as partes do mundo para ouvir palestras sobre a formação do Universo e a influência dos astros sobre a vida na Terra e olhar as estrelas. “Achamos que para um observatório público, San Pedro seria o local mais indicado por ser o terceiro lugar mais visitado do Chile depois de Torres Del Paine e a Ilha de Páscoa e também porque o clima é quase sempre perfeito”, diz Maury.
A cada dia em que o céu está favorável, ou seja, praticamente o ano todo, a agência realiza dois tours noturnos, um às 21hs e outro às 22hs, com duração de aproximadamente 3 horas. Do centro da pequena cidade de San Pedro uma van leva os turistas (grupos de 10 pessoas no máximo) a 6km ao sul, onde os telescópios estão montados no terreno da casa de Alain. O idioma pode ser o espanhol, o inglês, ou o francês, a critério do cliente. O passeio de uma noite pela ciência do universo, apesar de parecer muito complexo, não tem restrições de público. Nos grupos monitorados por Maury e Miqueles, há adultos e crianças, pessoas com conhecimento de astronomia ou ignorantes no tema, incapazes de reconhecer o Cruzeiro do Sul no céu.
A única característica em comum de seus clientes, conta Maury, é a disposição para aprender: “Acho que a maioria dos turistas que vem a San Pedro primeiro tem uma boa educação, e principalmente curiosidade. Assim o que oferecemos corresponde ao que eles buscam e são capazes de aprender. As pessoas não querem equações complicadas, mas gostam de fazer funcionar um pouco o cérebro durante as férias”. O passeio custa 9 mil pesos (aproximadamente 40 reais) por pessoa, e por esse preço o turista recebe aulas sobre galáxias, estrelas, planetas e constelações. Por ser direcionada para um público leigo, a excursão não se aprofunda em assuntos mais complicados e nem abusa de jargões técnicos.
Para Maury, a decisão do que ensinar aos seus “astrônomos” muda de acordo com os interesses do grupo que faz parte de uma excursão. “Incluímos e excluímos assuntos de acordo com a procura. É uma escolha entre o que se pode explicar e o que achamos necessário que as pessoas conheçam. A maioria nunca olhou para o céu de forma correta, então devemos começar com coisas bem simples como a Via Láctea. Depois coisas mais impactantes como acúmulo de estrelas, Saturno, a Lua, e explicar ligeiramente sobre o universo, o sistema solar, as galáxias”.
O tour se divide em três etapas: na primeira, o guia (que pode ser o próprio Maury ou um assistente) mostra projeções fotográficas do céu, explicando um pouco o que será visto em seguida. Na segunda etapa parte-se para a prática, quando cada um terá a chance de olhar pelos telescópios imagens surpreendentes, incluindo a grande “estrela” do passeio, os anéis de Saturno (foto). Ao final, reúnem-se todos para um chocolate quente e para a troca de experiências. À uma da manhã, o chocolate quente é irrecusável, pois mesmo em pleno verão, durante a noite a temperatura cai para perto de zero graus.
Para um astrônomo sem nenhuma experiência em pedagogia, é surpreendente como Alain Maury consegue transmitir conhecimento a completos leigos com tanta facilidade. Isso só é explicado pela enorme paixão que tem pela astronomia. “A minha maior satisfação ocorre quando uma pessoa põe os olhos pela primeira vez num telescópio, e após ver Saturno por 2 ou 3 segundos, exclama um UAU. O trabalho nos observatórios pode ser meio chato depois de noites em claro de frente para um computador que faz tudo sozinho, automatizado” , diz.
Serviço
San Pedro de Atacama está localizado no norte do Chile, próximo às fronteiras com Bolívia e Argentina. A Varig faz dois vôos diários para a capital chilena, Santiago, partindo do Rio de Janeiro e fazendo escala em São Paulo. Para chegar até o Atacama, a melhor opção é a Lan Chile, que tem vôos freqüentes para Calama, cidade distante a pouco mais de uma hora de carro de San Pedro. Mais informações podem ser encontradas na página oficial da cidade.
* Bruno Prada é jornalista recém-formado e acaba de voltar de uma viagem ao Chile.
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