Era 15 de maio de 2012 e Dilma Rousseff ainda era Presidente quando ((o))eco publicou uma matéria comemorando os avanços na discussão da ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, localizado entre o litoral Sul da Bahia e o litoral norte do Espírito Santo. A primeira de uma série de quatro audiências públicas estava marcada para o dia seguinte, em Porto Seguro (BA). O parque ‒ que abriga os maiores e mais diversificados recifes de corais do Atlântico Sul ‒ iria aumentar em dez vezes de tamanho, passando dos atuais 87.943 hectares para 891.872 hectares.
Dois dias depois, a segunda audiência pública, na cidade baiana de Caravelas, teve de ser interrompida devido a um princípio de confusão. Representantes da Conservação Internacional e do Instituto Baleia Jubarte, que estavam no local, relataram na época que um grupo de dez pessoas instigou os pescadores com notícias falsas e intimidou funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela administração das Unidades de Conservação federais do País. Os agitadores se diziam representantes da Federação das Colônias de Pescadores do Espírito Santo. A confusão levou ao cancelamento das outras duas audiências públicas previstas para acontecerem naquela semana.
Isso foi em 2012. Até hoje, as audiências não foram realizadas, e o projeto de ampliação do Parque segue parado. Diante dos últimos estertores do governo Temer, e com medo de que o projeto acabe não saindo do papel, a OAB-RJ enviou no dia 22 de junho um ofício ao Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, e ao Presidente do ICMBio, Paulo Henrique Marostegan e Carneiro. No documento, a OAB acusa a “famigerada ‘máfia do compressor'” de incitar comunidades através de “amplas campanhas de desinformação”, e afirma não ser razoável que o próprio ICMBio invoque os temores a este tipo de reação para travar a ampliação do Parque de Abrolhos.
Leandro Mello Frota assina o ofício ao lado do Presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz. Ele é diretor de Relações Institucionais e Presidente da Comissão Especial de Governança dos Oceanos da OAB-RJ, um órgão criado em 2017 para monitorar as questões relacionadas à conservação das áreas marinhas brasileiras. Leandro Frota menciona a recente e tumultuada troca de comando no ICMBio, depois da saída de Ricardo Soavinski. O governo até tentou emplacar o nome de Cairo Tavares, assessor legislativo do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) na Câmara dos Deputados. Diante das reações à mais uma indicação política, teve de ceder e nomear um nome técnico. Paulo Carneiro é analista ambiental e servidor do ICMBio desde a fundação do órgão.
Mas segundo Leandro Frota, a manutenção do perfil técnico não garantiu que o projeto de ampliação saísse da gaveta: “A gente percebe que esse processo de ampliação está parado. As audiências públicas foram paradas, não há mais uma manifestação por parte do órgão de interesse em dar a continuidade, os diálogos de ampliação pararam”.
Sobre a “máfia dos compressores”, citada no ofício da OAB-RJ, Leandro explica que se trata dos pescadores que fazem pesca em profundidade com o uso de arpões. Ao contrário do cilindros de oxigênio, que limitam o tempo de mergulho, eles descem segurando apenas uma mangueira de ar com a boca, ligada a um compressor que fica no barco, acoplado ao motor. Uma técnica perigosa, mas altamente lucrativa.
Para Leandro, não é à toa que a ampliação do Parque não vai adiante: “A gente sabe que forças ocultas costumam operar nos órgão de Brasília, e a gente sabe que existe uma máfia muito grande de pesca ilegal no Brasil, especialmente nestes parques. E eles é óbvio que não têm interesse de ampliação, porque quando se amplia há uma necessidade de fiscalizar, […] e ninguém quer ser fiscalizado”.
Proteção daria sustentabilidade à pesca artesanal
A região de Abrolhos é conhecida mundialmente como um dos principais locais de reprodução e amamentação da baleia-jubarte. É para lá que elas migram para copular, e para onde voltam na hora de dar à luz. Mas essa é só uma das riquezas do banco de Abrolhos. Segundo o ICMBio já foram catalogadas 1300 espécies na região. Dentre elas estão 45 espécies ameaçadas de extinção, como o tubarão-limão, tubarão-lixa, mero, budião e duas espécies de badejo. Atualmente, apenas 1% de todo este banco de recifes de corais está protegido pela área do Parque, segundo estimativa do Instituto Baleia Jubarte.
Quando a ampliação começou a ser discutida, em 2012, o projeto incluía não apenas a ampliação do Parque, mas também a criação do Refúgio de Vida Silvestre para baleias jubarte, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Foz do Rio Doce e de uma Área de Proteção Ambiental (APA) no entorno do Parque Nacional, com quase 9,25 milhões de hectares. O Presidente do Instituto Baleia Jubarte, Eduardo Camargo, explica que a criação de uma área de amortecimento ao redor do parque seria fundamental para evitar a instalação de grandes projetos de exploração de petróleo ou mineração na região. Mas já na primeira audiência pública – e única, já que a segunda foi interrompida – o ICMBio recuou e disse que seria possível fazer apenas a ampliação. Agora, mesmo esse projeto mais enxuto está ameaçado.
Eduardo Camargo explica que o Parque seria ampliado para Leste, onde as águas são mais profundas e quase não existe atuação de pescadores artesanais. Quem atua ali são justamente os pescadores que usam compressores e arpões: “Ali temos os recifes profundos, as buracas, que são grandes buracos, de aproximadamente 20 metros de diâmetro que têm uma grande concentração de biodiversidade e de biomassa de peixes. Ali que esse pessoal atua matando grandes matrizes de reprodução para toda a região. É a maternidade de uma série de espécies comerciais que habitam os recifes costeiros”. Ou seja, a caça dos peixes nestas áreas profundas acaba reduzindo a oferta para os pescadores que atuam junto à costa.
Paulo Guilherme Pinguim é Diretor do Centro de Estudos do Mar Onda Azul e da campanha Divers for Sharks. Ele também entende que a criação de uma ampla zona de proteção acaba garantindo o sustento dos próprios pescadores, já que os peixes não vão ficar apenas nas áreas protegidas: “Quanto mais as populações forem crescendo, mais peixes e crustáceos vão saindo dessas áreas protegidas para outras áreas. Acontece o transbordamento, o povoamento das áreas do entorno, que aí sim seriam áreas de outras atividades econômicas, desde que feitas da forma correta. Então o que as pessoas têm que entender, e o ICMBio tem que comprar essa briga, é que essa não é uma luta entre setores da economia, entre ecologista e pescadores. Essa é uma luta por equilíbrio, que exige que todos estejam juntos com o mesmo objetivo, que é proteger as áreas chaves que podem servir como repovoamento das área do entorno”.
Demora que custa caro
O projeto de ampliação do Parque demorou tanto que os dados que serviram de base para as discussões já caducaram. Tanto que a Conservação Internacional, em conjunto com outras entidades de proteção ambiental, decidiu contratar uma consultoria para atualizar as informações.
A ONG acompanha desde o início as discussões em torno de Abrolhos. Segundo o Diretor de Estratégia Marinho e Costeira da entidade, Guilherme Dutra, nos últimos dez anos tem se observado um conjunto cada vez maior de ameaças à biodiversidade da região: “Seja da pesca excessiva, seja da poluição gerada pelo acidente da Samarco, com a lama e todos os rejeitos que vieram mais ao Sul, o avanço do óleo e gás, o avanço da carcinicultura [criação de crustáceos]. Então temos visto uma piora no quadro de lá para cá e é importante que as medidas de conservação sejam tomadas para que a gente possa ter um equilíbrio de forças entre as agendas de conservação e as outras agendas de desenvolvimento”
Quem frequenta o Parque de Abrolhos há muitos anos, como Paulo Guilherme Pinguim, já percebe os efeitos destas atividades na região: “Se a gente parar para puxar a memória dos últimos vinte anos para cá, o desaparecimento de peixes grandes é tremendo. Há quinze anos você mergulhava em Abrolhos e a probabilidade de ver tubarões era muito grande. Nas últimas três vezes que eu fui, rodei muito em pontos que deveria ver tubarões e não se encontra mais nenhum. Os outros grandes predadores, garoupas, badejos, meros, estão desaparecendo também. Eu diria que a gente está muito perto de um momento de falência daquela região. A gente corre o risco de daqui a cinco, dez anos, Abrolhos perder inclusive as suas baleias por falta de alimentação”
Ampliação sem diversidade
O Brasil se comprometeu junto à Convenção da Diversidade Biológica da ONU com a proteção de pelo menos 10% do bioma costeiro-marinho até 2020. Atualmente, essa área é de apenas 1,5%. Enquanto Abrolhos espera na fila há mais de seis anos, o Presidente Michel Temer anunciou em março a criação de duas grandes áreas de proteção – nos arquipélagos de Trindade e Martim Vaz, no Espírito Santo, e São Pedro e São Paulo, em Pernambuco ‒ que juntas somam 900 mil km². Na época, o governo afirmou que a medida aumentaria para 26,3% o total de áreas marinhas e costeiras protegidas, superando a meta da ONU.
Apesar de considerar a criação de novas áreas de proteção marinha muito bem-vinda, Guilherme Dutra explica que o cálculo não é tão simples. O Tratado estabelece que as áreas protegidas devem ter representatividade de distintos ecossistemas: “A gente têm ecossistemas que ainda não têm nenhum tipo de proteção. Falando de Abrolhos, temos o maior banco de algas calcárias do mundo e nenhum percentual desse banco está protegido, temos uma formação única dos Abrolhos que são as buracas que também não estão protegidas, temos ao talude, a quebra da plataforma, que também não tem nenhuma proteção”.
A reportagem do ((o))eco pediu uma entrevista junto à direção do ICMBio, mas não foi atendida. Já a OAB-RJ solicitou uma reunião com representantes do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio, mas até esta sexta-feira a data ainda não havia sido marcada. A Conservação Internacional também pediu uma reunião com os órgãos federais para discutir o assunto. Recebeu a informação de que o encontro só poderia ocorrer em agosto, após o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação.
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Podem esperar: os "compresseros" serão a nova categoria de "populações tradicionais" que irá surgir, e certamente terá apoio em setores de museu antropológico deste órgão chamado Xibill, que foram os responsáveis para que os chamados índios do sul da Bahia possam terminar o serviço num dos últimos resquícios de mata atlântica da região – o Parque Nacional do Descobrimento. Podem escrever.
Acho engraçado que nem sequer citam que existe, neste mesmo território, uma Reserva Extrativista que pretege o modo de vida tradicional. Realmente fica entalado na garganta de muita gente que um território marinho tão rico em biodiversidade seja gerenciado pelas mãos que tiram seu sustento dele. Lamentável…
Sei bem como os extrativistas "gerenciam" o território.
Belo órgão esse Icmbio, hein!? #SQN
Tá f***, hein….
Até quando será que nossas "autoridades" permanecerão inertes ao mínimo esperado de suas responsabilidades…?!??
Ouve-se de longe o silêncio sepulcral de MMA e ICMBio… inclusive aqui onde os muitos anônimos burocratas federais gostam de opinar em quase tudo… por que será? Quem sabe é por que os próprios funcionários do ICMBio é que estão boicotando o processo de ampliação, com apoio das chefias "da casa"? Faltam respostas, como bem diz a reportagem…
E ao longe vê-se um senhor baixinho, barrigudo e enfezado vociferando impropérios no litoral. Seus brados mal são ouvidos pelas gaivotas, mas ele continua ali, inerte. Este emissário do conhecimento, verdadeira iluminação neste país tão carente de mentes brilhantes e ativas, é, pois, José Truda. Viva!
Grato pela excelente caracterização, ainda que algo imprópria… 1,78m não dá pra ser chamado de baixinho. 🙂
Que bom que ainda existem pessoas como o Truda Pallazo bradando impropérios contra a destruição do que resta de patrimônio natural no Brasil. E você (certamente um funcionário do tal "Instituto Chico Mendes"…), tem feito o que?