Sem ter demonstrado avanços na condução da agenda climática nos últimos quatro anos, ou mesmo expressado o seu sentido de prioridade no processo de governança municipal, a Prefeitura do Rio pretende lançar, no apagar das luzes de 2020, o Plano de Ação Climática (PAC). A iniciativa será integrada ao Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que deverá ser entregue até o final deste ano, conforme previsto no decreto 47558 de 29 de junho, pelo qual foi prorrogado o prazo para o lançamento, estabelecido anteriormente, devido à crise provocada pela pandemia da Covid-19.
À reportagem de O Eco foi confirmado que o PAC incorporou diretrizes do Rio Resiliente. Esse plano estratégico, lançado em 2015, com o objetivo de preparar a cidade para o enfrentamento de vulnerabilidades socioambientais aos efeitos das mudanças climáticas, não foi implementado pela atual gestão. Mas se o que havia de legado dessa agenda não foi descartado, pelo menos nenhum destaque está visível para quem pesquisa sobre o tema. Nem mesmo informações sobre essa iniciativa estão disponíveis no website oficial. Uma apresentação resumida ainda está acessível na página do Centro de Operações onde a estratégia estava alocada, inicialmente, sendo transferida, em 2017, para a Subsecretaria de Planejamento e Gestão Governamental.
“Os objetivos do Rio Resiliente foram incorporados na forma de metas e ações no Plano de Ação Climática”, garantiu o assessor especial do Gabinete da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), José Miguel Carneiro Pacheco, que acrescentou que o PAC fará parte de um plano maior, o PDS, construído a partir de cinco temas transversais, dentre os quais, Mudanças Climáticas e Resiliência, no qual se detalha como “a cidade se tornará referência global em resiliência”.
Pacheco afirmou ainda que o PAC foi elaborado com apoio da rede C40, formada por cidades de importância global, dentre as quais o Rio, que estão comprometidas com ações de descarbonização da economia e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, entre outras medidas de engajamento a essa agenda. Durante esse processo, “diversos estudos foram conduzidos, entre eles, o de cenários de expansão urbano-ambiental e o de cenários de redução de emissões de GEE, com base na ferramenta Pathways da C40”, esclarece o assessor. Nas intenções, todo esse planejamento se alinha à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Previsto no Plano Estratégico 2017-2020, o Plano de Ação Climática (PAC) integrará o Programa Cidade pelo Clima, juntamente com o Sistema de Monitoramento Climático que já inventariou as emissões de gases de efeito estufa da cidade de 2012 a 2017. Essa estrutura de governança municipal, da qual também faz parte um Comitê Executivo de Mudanças Climáticas, estará sob a coordenação da Secretaria Municipal da Casa Civil, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e do Instituto Pereira Passos.
No Decreto nº 46.079/19 que instituiu o Programa Cidade pelo Clima estão elencados os principais compromissos nacionais e internacionais considerados na elaboração dessa estratégia.
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Medidas de adaptação não foram tomadas no Rio, afirma cientista
Em nível municipal, as ações com enfoque em adaptação são cruciais ao enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas, alerta a professora Suzana Kahn, vice-diretora da Coppe (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Entretanto, para a cientista, no Rio de Janeiro não foram tomadas medidas cruciais frente às vulnerabilidades socioambientais desse contexto, dentre as quais, as dirigidas à prevenção de enchentes e deslizamentos, assim como à atenção à população inserida em áreas de risco e ao aumento da cobertura florestal. Em entrevista concedida a ((o))eco, por e-mail, a reconhecida especialista nessa temática destaca a falta de avanços na agenda climática da cidade no ciclo de gestão que se encerra em 2020. Além disso, apresenta recomendações para reforço à resiliência, incluindo a necessidade de esforços integrados de governança local com os demais municípios da região metropolitana.
O ECO – Que aspectos poderiam ser destacados, em relação à implementação da agenda climática na cidade do Rio de Janeiro, considerando o ciclo de gestão que se encerra em 2020?
Suzana Kahn. As principais medidas que podem ser adotadas no nível municipal em relação ás mudanças climáticas são associadas a adaptação, como aquelas relativas às enchentes, aos deslizamentos, à população em risco e ao aumento de cobertura florestal, uma vez que medidas de redução das emissões, ou seja, de mitigação, normalmente requerem muitas ações em outras instâncias de governo. No entanto, nem essas medidas de adaptação foram tomadas.
Como avalia a implementação do programa Rio Resiliente no atual contexto político-institucional da cidade do Rio de Janeiro?
Não avançaram as propostas contidas no Rio Resiliente. Para se aumentar a resiliência de uma cidade é fundamental que os planos de desenvolvimento integrem os componentes socioeconômico e ambiental. Para ter sucesso também é necessária uma governança integrada entre todos os municípios que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro.
Quais são as principais preocupações em relação a essa agenda na cidade do Rio de Janeiro, quando considerados alguns alertas científicos sobre as alterações climáticas que afetarão regiões costeiras?
As áreas que mais se destacam como vulneráveis às variações de nossa costa são as localizadas na zona leste da cidade, região portuária e Ilha do Governador, além de parte da Zona Sul, sendo o Parque do Flamengo a área mais afetada. Observa-se que nestas regiões encontram-se os aeroportos do Galeão e Santos Dumont. A melhor forma de proteger a costa são as praias e manguezais. No entanto, 90% dos manguezais que cercam a Baía de Guanabara foram removidos e a intensa sedimentação resultou na necessidade de dragagem para manter o transporte de areia.
Que recomendações poderiam ser dirigidas aos gestores públicos e à sociedade em geral em relação às demandas que envolvem essa agenda na cidade?
Realizar avaliações de risco de desastres naturais e aumento na frequência de extremos de clima e de elevação do mar. Esses estudos podem permitir a reavaliação continuada sobre os níveis de risco aceitáveis para a cidade e população, além de eficiência de sistemas de alerta e de monitoramento.
Que outras medidas poderiam ser implementadas?
A melhor forma de se adaptar às mudanças climáticas é se desenvolver de maneira sustentável. Assim, medidas simples e de baixo custo podem ser implementadas no curto prazo, tendo um efeito de longo prazo. Dentre essas iniciativas de baixo custo, se destacam aquelas baseadas em ecossistemas, com destaque para o planejamento do uso da terra, incluindo conservação de ecossistemas costeiros.
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Rio precisa recuperar protagonismo, defende liderança
Como experiente apoiador e analista da agenda climática local e global, o economista Sérgio Besserman Vianna, ex-presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), entre outros cargos de liderança que tem exercido nas últimas décadas, acompanhou diretamente a construção do Rio Resiliente, estratégia que não viu evoluir no atual ciclo de gestão. Para o ambientalista, a cidade precisa recuperar o protagonismo perdido nessa temática, sendo fundamental o resgate do seu histórico de envolvimento com propostas de soluções para o enfrentamento da crise climática, agravada nos últimos anos.
Besserman espera contribuir para esse processo, a partir de ações de engajamento nessa pauta como coordenador estratégico recentemente empossado no The Climate Reality Project Brasil. Esse é um braço nacional da organização global lançada pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, em 2006, desde quando tem atuado na sensibilização e treinamento de novas lideranças.
“Temos uma cidade de características únicas em termos de recursos naturais e culturais. Isso se reflete na paisagem, na moda, na música e no modo de ser do carioca. A marca Rio é um ativo intangível importantíssimo que precisa ser valorizado. Foi aqui que se realizou a Rio-92 e a Rio+20, onde os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável começaram a ser debatidos. Tudo isso agrega valor a essa marca”, observa Vianna para quem o Rio, historicamente, “saiu na frente no debate sobre mudanças climáticas, atualmente o assunto de maior importância global”.
E, apesar de todos os desafios enfrentados para a gestão da agenda climática, na opinião do economista, a municipalidade ainda conta com um quadro técnico-profissional altamente qualificado nessa temática que, de alguma forma, foi mantido em atuação. Esse aspecto pode ser considerado positivo para que a pauta não tenha sofrido descontinuidade, ainda que sem a relevância que deveria ter alcançado em cenários de crise, sobretudo climática.
“As mudanças climáticas terão impactos nas próximas décadas nas questões econômicas e sociais, podendo agravar desigualdades”, observa o economista. Nesse sentido, “as cidades precisarão fazer planejamento com todos os órgãos conectados a essa agenda”. E diante dessa grande demanda local e global, “nem obras e outras intervenções urbanas poderão ser pensadas sem considerar os efeitos futuros das mudanças climáticas”, adverte.
Para ele, ações dirigidas à saúde pública também precisarão levar em conta os riscos associados à elevação de temperatura, além do avanço do nível do mar, sobretudo em uma cidade com o perfil geográfico do Rio. Nesse contexto, será crucial priorizar projetos de saneamento, reflorestamento e atenção às populações que habitam em áreas de riscos para os quais o conhecimento técnico-científico será cada vez mais essencial. “Seria criminoso não considerar a crise climática como questão central na vida das cidades e nas suas políticas públicas. E nessa agenda, o Rio pode se posicionar como liderança entre os países emergentes”, conclui.
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