Dez anos após o Acordo de Paris, um relatório da iniciativa Deep Decarbonization Pathways (DDP) aponta onde países avançam e emperram nas políticas climáticas. O Brasil aparece com ganhos em fontes como eólica e solar, mas com o desmatamento ainda como uma ferida aberta.
Assinado em 2015, o tratado orienta as nações sobre como limitar o aumento da temperatura média mundial “bem abaixo de 2ºC” e pede esforços para estabilizá-lo em no máximo 1,5ºC. Ele funciona com metas nacionais revisadas – as NDCs – e tem um balanço global de progresso.
Já o estudo do DDP analisou 21 países e concluiu que a ciência vem pesando mais em suas decisões, que metas de longo prazo ganharam força e que novas instituições foram criadas para sustentar a transição para economias que emitam menos gases de efeito estufa.
“O Acordo de Paris foi concebido como um catalisador de ações nacionais e, dez anos depois, podemos ver resultados”, avaliou Henri Waisman, diretor da iniciativa junto ao IDDRI (sigla em Inglês do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais), baseado na capital francesa.
O capítulo brasileiro destaca que o país opera com quase 90% de eletricidade baseada em fontes renováveis – graças às hidrelétricas – e que a geração eólica e solar chegou a 90 GW, contra 60 GW há apenas dois anos. Contudo, a expansão da rede e do armazenamento das fontes alternativas poderia ter avançado mais.
Depois do blecaute de 2023 – que deixou cerca de 29 milhões de brasileiros sem energia – regras federais cortaram investimentos em eólica e solar que somaram, ano passado, 11% de potencial perdido ou atrasado, detalhou o documento.
Além disso, Emilio La Rovere, professor no Centro Clima da UFRJ e doutor em Técnicas Econômicas, Previsão, Prospectiva pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), lembrou que os gargalos não estão só nas usinas, mas também fora delas.
“Há eólicas subaproveitadas no Nordeste por falta de linhas de transmissão, e faltou realizar leilões de equipamentos para armazenar energia para os momentos em que não há geração”, contou o pesquisador.
Quanto ao desmate, ele cai na Amazônia, mas lá a degradação florestal dispara e a perda de vegetação nativa segue alta no restante do país. Também falta conter a grilagem e cumprir o Código Florestal. O crédito rural com condicionantes ambientais mostrou força, mas precisa ganhar escala e continuidade.
Mas é possível mudar essa perigosa rota. La Rovere recordou que o país reduziu fortemente suas emissões entre 2004 e 2012 – oriundas sobretudo do desmate. “Foi um corte fenomenal”, destacou.
“A prioridade é dar um bom uso para 50 milhões de ha de florestas públicas sem destinação – à mercê do desmate e da grilagem –, além de tirar o gado e maquinário de florestas e demais áreas ocupadas ilegalmente”, apontou.
Outro nó é justamente a pecuária. Cortar as emissões de metano e o desmate exige regras firmes para a cadeia toda – do bezerro ao frigorífico – com rastreabilidade, intensificação produtiva e certificação, em linha, por exemplo, com a regulação europeia.
O texto também cita as pressões para aumentar produção e uso de petróleo e térmicas a gás, inclusive perto de ambientes sensíveis. Investir nessas frentes é como financiar em 30 anos um carro caro e beberrão: você se obriga a usar todo dia “pra valer a pena”, mesmo havendo opções mais baratas e limpas.


Atenção ao cenário global
No mundo, o DDP aponta ganhos palpáveis. Políticas nacionais impulsionam tecnologias de baixo carbono e eficiência em setores mais poluentes, gerando cortes de emissões na maioria dos 21 países analisados, que somam 61% da população e 75% da economia mundiais, apurou a reportagem.
No conjunto, os avanços incluem a adoção de metas de longo prazo e estruturas de governança mais estáveis para descarbonização. Muitos ampliaram incentivos econômicos para fontes renováveis, com ganhos de geração elétrica.
“Mecanismos financeiros inovadores podem reduzir o custo de capital e mobilizar mais capital privado para despoluir economias, em parceria com recursos públicos”, ponderou Waisman. “O objetivo é transformar a transição em uma oportunidade econômica atraente”.
Em países florestais, há mais planos de restauração, enquanto outros reforçaram benefícios ao clima com ações de finanças verdes. Há também políticas industriais e tecnológicas em alta – de veículos elétricos a minerais críticos – que começam a redesenhar e cadeias produtivas nacionais.
Os gargalos também são recorrentes, como as pressões do desmate e da agropecuária, bem como falta de dinheiro para uma transição. Também há problemas como redes e transmissão insuficientes, avanço lento de melhorias em transportes e construções e forte dependência de carvão e petróleo.
Um caso é o da Nigéria, uma grande economia que tem as maiores reservas de petróleo e gás da África. Mesmo assim, é raramente citada nas negociações climáticas. “Quase ninguém fala do país, que pode alcançar um bilhão de habitantes até o fim do século”, alertou La Rovere.
Além disso, disputas políticas e institucionais minam a continuidade de políticas públicas e setoriais, e a execução – do planejamento ao investimento de longo prazo – segue como o teste decisivo desta década para avanços reais no enfrentamento da crise do clima.
Nessa seara, La Rovere comentou que o governo Bolsonaro estimulou o desmate ao relaxar a fiscalização de leis e regulações, o que elevou as emissões do país. “A mudança de governo vem colocando o Brasil de volta nos trilhos para cumprir as metas climáticas, nas próximas décadas”.

Mudar de vez esse cenário agourento pede ações diretas e rápidas, como melhorar processos nacionais – com governos, empresas, finanças, academia, cidades e sociedade civil. A ciência deve estar no centro de tudo, orientando escolhas e monitorando resultados.
Nesse sentido, o texto propõe que a cooperação internacional se organize em torno de prioridades domésticas, como infraestrutura, inovação, tecnologia e comércio menos competitivo. Para o Sul global, recomenda garantias compartilhadas entre países e meios para reduzir o custo de capital – uma agenda cara ao Brasil.
“No Brasil, isso conversa com ações como o plano de transformação ecológica, uma estratégia de longo prazo anunciada pelo governo”, lembrou La Rovere. O plano organiza políticas e financiamento para modernizar a indústria, agro e energia, atrair investimento verde e gerar empregos.
“A lição final é simples. Precisamos avaliar, aprender e elevar a ambição – de forma contínua – traduzindo tudo em ações efetivas para enfrentar a crise do clima – na década decisiva que começa agora”, ressaltou Waisman.
Clique aqui e confira o relatório completo e quanto à situação dos 21 países. O DDP é uma iniciativa de pesquisa que conecta equipes nacionais para desenvolver cenários e políticas para descarbonização, com análises comparáveis que orientam decisões públicas e privadas para fazer frente à crise do clima.
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