O secretariado da ONU para mudanças climáticas divulgou na madrugada desta terça-feira (28), no horário de Brasília, o Relatório Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas de 2025 (NDC Synthesis Report 2025), consolidando as metas climáticas apresentadas pelos países entre janeiro de 2024 e setembro de 2025. Segundo a própria ONU, as metas não estão de acordo com a necessidade para o enfrentamento climático.
O documento era aguardado há várias semanas, pois é a primeira vez em cinco anos que a ONU revela o quão perto – ou quão longe – o mundo está na corrida de limitar o aquecimento global em 1,5ºC.
Os números mostram que o comprometimento dos países signatários do Acordo de Paris – o maior acordo climático global e que prevê a apresentação de novas NDCs quinquenalmente – “está aquém” do que seria necessário.
Nem todas as partes apresentaram suas metas, incluindo grandes poluidoras, como União Europeia e China, que ainda não submeteram formalmente suas NDCs – China apenas anunciou, mas não formalizou -, o que torna a análise apenas parcial. Além disso, as metas apresentadas representam corte de apenas 17% nas emissões globais até 2035, quando a Ciência diz que o corte deveria ser de 60% no mesmo período.
“Com suas emissões de GEE em 2035 estimadas, em média, em 17% (entre 11% e 24%) abaixo dos níveis de 2019, a escala total da redução de emissões esperada para ser alcançada pelo grupo de Partes (observando que este grupo representa apenas cerca de 33% das Partes do Acordo de Paris) por meio da implementação de suas novas NDCs fica aquém do necessário”, diz o relatório.
Relatório síntese em números
O documento divulgado nesta terça-feira compila as metas climáticas de 64 das 195 signatárias do Acordo de Paris, que representam cerca de 30% das emissões globais.
Das partes que apresentaram, apenas 7 são membros do G20, responsáveis por 80% das emissões globais. Além das ausências de China e União Europeia, citadas anteriormente, o relatório também considerou a NDC dos Estados Unidos, submetida ainda na administração Biden em 2024, mas que se sabe que não será implementada por Trump.
“Com esse cenário [de poucas NDCs apresentadas], a gente tem um retrato nada fiel, porque é muito pouco. No entanto, isso mostra para a gente uma falta de comprometimento dos países com o enfrentamento do maior desafio de todos os tempos, o maior desafio da história da humanidade, então ele é revelador nesse sentido”, diz Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
A avaliação do Observatório do Clima é corroborada por outras organizações brasileiras. Para o Instituto Talanoa, a trajetória potencial caso estas NDCs sejam implementadas coloca o aquecimento da terra entre 2,4ºC e 2,6ºC até 2100. Ou seja, fora da zona de segurança climática projetada pelo painel científico da ONU para mudanças climáticas, o IPCC.
Se quiséssemos manter o aquecimento em até 2ºC, seriam necessárias reduções de pelo menos 27% até 2035, diz a Ciência.
“As metas ficaram mais sofisticadas, mas o problema é o mesmo: estamos gerindo uma crise sem a urgência de uma crise. Há algo de profundamente equivocado em celebrar uma queda de 17% nas emissões quando a ciência diz que precisamos de 60%. É a ilusão do progresso incremental. Belém precisa ser o momento em que o constrangimento gera uma resposta coletiva dos países à crise das NDCs”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Além das metas insuficientes para 2035, de acordo com o Talanoa, no relatório-síntese de 2025 não houve alteração significativa das metas para 2030. Isso significa que, politicamente, os compromissos seguem inalterados e em um ritmo muito abaixo do necessário para a descarbonização das economias nesta década.

Alguns avanços, pouco dinheiro
Apesar das metas não ambiciosas, as NDCs apresentadas mostram algum avanço em certos aspectos. Segundo o relatório, as novas NDCs representam um progresso em qualidade e abrangência, já que 89% agora têm escopo de economia inteira, e 88% foram elaboradas levando em conta os resultados do Balanço Global (Global Stocktake – GST).
De forma geral, as novas NDCs revelam um esforço crescente para integrar mitigação, adaptação e justiça social. As ações nessas áreas, no entanto, continuam a depender criticamente de financiamento previsível, tecnologia e capacitação.
Segundo o relatório, a necessidade de financiamento para implementação das NDCs soma US$ 1,97 trilhão: US$ 1,34 trilhão para mitigação e US$ 560 bilhões par adaptação, considerando os números das 64 metas apresentadas.
Este valor de US$ 1,97 trilhão não se refere à meta de US$ 1,3 trilhão negociado na COP29, no Azerbaijão, já que este último é exclusivamente dedicado a países em desenvolvimento. O valor representa as necessidades de todos os países, desenvolvido e em desenvolvimento, incluídos no relatório-síntese de 2025.
No colo da COP30
A análise de especialistas é que os números apresentados nesta terça-feira evidenciam ainda mais a necessidade de o Brasil se posicionar com ênfase, durante a COP30, para que os países participantes do encontro se comprometam de forma mais efetiva com o enfrentamento da crise climática.
“A COP30 precisa dar uma resposta a isso [ao relatório]. Os países precisam renovar o comprometimento, precisam se comprometer com um processo que acelere a implementação dessas NDCs, que acelere a implementação das decisões que eles fizeram há dois anos, principalmente quando se trata de nos afastarmos dos combustíveis fósseis, mas também as florestas e tudo mais. É muito importante que a gente [Brasil, na presidência da COP30] dê uma resposta à altura do desafio”, diz Stela Hershman, o OC.
Para Marta Salomon, especialista em política climática do Instituto Talanoa, o relatório pode ser usado como ferramenta para cobrar transparência, consistência e ambição dos países que ainda não apresentaram suas NDCs.
“Às vésperas da COP 30 em Belém, o relatório funciona como um chamado para cobrar os países que estão descumprindo o Acordo de Paris por não terem ainda apresentado suas NDCs. Além disso, é preciso reconhecer que estamos diante de uma crise real, que exige uma resposta conjunta, coordenada e à altura da emergência climática na COP 30”, diz Salomon.
Leia também
Adiado acordo global para cortar emissões no transporte marítimo
A prorrogação foi pressionada por grandes produtores e consumidores de petróleo, como Arábia Saudita e Estados Unidos →
Entrando no Clima #58 – Entrevista exclusiva com Ana Toni, CEO da COP30
Ana Toni faz um balanço sobre preparação para evento e comenta polêmicas, como crise das hospedagens e exploração de petróleo na Foz do Amazonas →
Crise hídrica no Amazonas: quando décadas de abandono encontram uma emergência climática
Na maior bacia hidrográfica do planeta, milhões de pessoas convivem com torneiras vazias ou água de má qualidade. Esta reportagem do Vocativo em parceria com O Eco mostra como falhas persistentes no abastecimento urbano e rural, somadas ao aquecimento global, impõem a contradição da sede em meio a rios gigantes — um alerta para o futuro da Amazônia e de quem nela vive. →




