Na tarde da sexta-feira, 1o de novembro, o deputado Eugênio José Zuliani, conhecido como Geninho Zuliani (DEM), postou um vídeo em sua página do Facebook no qual atribui ao fato de “96% do saneamento no Brasil ser estatal” à ineficiência dos serviços. Zuliani comemorava, no programa “Pânico”, da Jovem Pan, a aprovação de seu relatório por 21 votos favoráveis – contra 13 contrários – sobre o novo marco legal do saneamento, depois de horas de ruidosos debates numa comissão especial na Câmara Federal, no dia 30. O texto, que vai à votação no plenário da casa legislativa, permite a livre concorrência entre as empresas que prestam serviço de saneamento, sejam elas públicas ou privadas. ((o))eco ouviu atores de diversos matizes políticos para comentar o relatório do PL 3.261. O único consenso: é preciso sair do estado atual de inércia e ineficiência.
Favorável à concorrência entre empresas públicas e privadas, a engenheira civil Marilene Ramos, ex-diretora da área de infraestrutura do BNDES, aponta que o relatório aprovado é bastante ousado ao estabelecer a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil até o último dia de 2033. Ela enxerga dificuldades em se fazer cumprir o prazo por uma simples razão: as contas iriam duplicar e poucas famílias poderiam pagá-las.
“Ainda que o PL preveja a possibilidade de se adiar esta meta para 2040, caso se demonstre inviável economicamente a universalização em 2033, as tarifas de água e esgoto teriam que duplicar. A tarifa média de água brasileira é de R$3,47/m3. Uma família que consome 15 m3/mês paga cerca de R$80/mês. Teria que passar a pagar R$160/mês. Estes valores são até viáveis em cidades com maior poder aquisitivo. Mas não pode ser uma regra única a todas as cidades”, adverte.
Marilene ressalta, porém, que há vários pontos positivos na nova legislação:
“O projeto, em linhas gerais, representa um grande avanço ao obrigar a regularização dos contratos entre os municípios e as empresas públicas e abrir espaço para investimentos privados para suprir o déficit dos serviços”.
‘Privatização a toque de caixa não resolve’
Fábio Giori, representante do Espírito Santo na Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), entidade que agrega os setores de energia, saneamento, meio ambiente e gás, cita o exemplo de Manaus para amparar sua tese contrária ao novo marco regulatório. Após 20 anos de privatização, a capital do Amazonas continua com índices vergonhosos tanto na cobertura de água quanto na coleta e tratamento de esgoto.
“A privatização feita a toque de caixa de forma irresponsável, como está sendo proposta pelo PL, não só não resolve o problema como precariza e prejudica ainda mais a população”, comenta. “O importante é modernizar os instrumentos de participação e controle social. Os contratos de programa [firmados com empresas estatais] precisam ter regras claras muito bem elaboradas. E os serviço as agências reguladoras precisam ser aprimorados”.
Empresário, consultor, e ex-diretor do Instituto Millenium, Paulo Gontijo, presidente do movimento político Livres, defende que a concorrência entre estatais e empresas privadas ajudará a impulsionar a qualidade dos serviços.
“Um avanço fundamental do novo marco regulatório é a abertura do mercado. As condições de competição eram completamente desiguais. Agora não há mais atalho para as estatais, o que vai inclusive induzir melhorias nos serviços”, pondera.
Sobre o risco de as empresas privadas apenas se interessarem pelos municípios superavitários em saneamento – a minoria entre os 5.570 –, Gontijo pondera que há instrumentos para evitar que isso ocorra.
“Os municípios podem se consorciar, fazer acordos para evitar que isso ocorra. Os serviços públicos são, em geral, muito ruins. Teresópolis, no Rio, por exemplo, tem zero por cento de esgoto tratado. A Cedae não tem contrato, simplesmente presta um suposto serviço e manda a conta”, critica. “Sobre a crítica de que cidades estão voltando atrás e reestatizando os serviços, lembro que Paris apenas criou um escritório de regulação, mas os serviços continuam privados. Há que se ter cuidado ao fazer essas análises”.
Grau de endividamento das estatais chega a 110%
Opinião semelhante tem Geninho Zuliani, o deputado relator. Em entrevista à TV Câmara, ele defendeu as mudanças e criticou o endividamento das empresas públicas.
“O grau de endividamento das empresas estatais [de saneamento] chega a 110%. Se dependermos delas talvez em 60 anos teremos a universalização dos serviços. Nosso relatório não obriga a privatização, como dizem. Apenas não queremos que a situação continue a mesma. As estatais sempre levaram os contratos com dispensa de licitação, mas agora precisarão ter metas claramente definidas”, disse.
Quem saiu insatisfeito de Brasília após a aprovação do relatório foi o presidente nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), Roberval Tavares de Souza. A entidade afirma, em nota em seu site, que o “governo federal insiste na separação dos prestadores de serviço de saneamento público e privado”, e que “o texto prioriza a operação dos serviços pelo setor privado, destruindo as empresas estatais”. O substitutivo à lei de saneamento em vigor desde 2007, acrescenta a ABES, beneficia explicitamente o setor privado.
“O sonho da universalização do saneamento para 1.075 municípios [com contratos com nas três maiores empresas de saneamento do país] poderá ficar cada vez mais distante. E novamente os mais prejudicados serão os brasileiros mais pobres, que vivem sem acesso a água potável e esgoto tratado e sujeitos a contrair todo tipo de doenças”, adverte Roberval. “A união do setor público com o setor privado é que vai permitir que o saneamento avance no Brasil, mas esta não é a visão que o PL 3.261 apresenta”.
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Comparação entre serviços público e privado
O governo promete com a privatização do saneamento R$ 702 bilhões de novos investimentos e universalização até 2031. Mas, um estudo de Luiz Geovane, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae/BA) desmistifica a eficiência do privado.
O estudo mostra que a cobertura média de esgoto dos municípios geridos no âmbito estatal é de 74,46%, ao passo que a administração privada tem apenas 53,8%. Em Manaus (AM), por exemplo, administrado pela empresa privada Aegea Saneamentos, apresenta vergonhoso índice de 12,25%, sendo o pior município brasileiro na cobertura de esgoto, com população superior a 1 milhão de habitantes.
As perdas na distribuição de água são outro grande problema quando se fala de saneamento básico. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o setor privado tem perdas de 49%, enquanto o setor público tem perda média de 39%.
Recentemente, a empresa privada de saneamento de Manaus, publicou nas suas demonstrações financeiras do 2º trimestre de 2019, índice médio de perdas de 56,2%. No mesmo relatório ela apresenta um gráfico que evidencia uma tendência de crescimento nessas perdas de 30% no último ano, passando de 43,2% no 2º trimestre de 2018, para 56,2%.
As cidades que são administradas pelo setor privado investiram, nos últimos 5 anos, em média R$ 377,63 per capita, ao passo que a administração pública investiu, no mesmo período, R$ 405,06 per capita.
A população paga mais caro na tarifa das concessionárias privadas, gastando 20% a mais que os operadores do setor público, nesse sentido o setor público cobra em média R$ 3,76 por m³ de água, contra R$ 4,52/m³, de acordo com o SNIS.
fonte: http://www.cnmcut.org.br/conteudo/privatizacao-do…
Privatização do saneamento: torneira seca, conta alta, esgoto a céu aberto
O serviço ruim e caro praticado por empresas de saneamento fez pelo menos 158 cidades do mundo de países como a França, Estados Unidos e Espanha, entre outros, a estatizar novamente os serviços de saneamento, anteriormente privatizados.
Os motivos foram: falta de cumprimento das clausulas contratuais, falta de transparência na prestação de serviços e aumentos de tarifas. E, enquanto o mundo reestatiza seus serviços de água e esgoto, aqui no Brasil, na contramão dos países desenvolvidos, aplica-se um modelo neoliberal econômico que vai deixar a população à mercê de empresários que só visam o lucro.
As consequências para a população serão tarifas mais caras, menos investimento em tratamento de esgotos, mais desperdício de água e aumento de doenças decorrentes da falta de saneamento básico.
Em defesa das Companhias de Saneamento Básico e da possibilidade de renovação automática dos contratos de programa e por mais investimentos públicos. A PL como está levará a elevação das tarifas, precarização dos serviços visando apenas o lucro e deixando de lado a finalidade social que é trazer saneamento para todos, inclusive para os mais necessitados, sem trazer a universalização dos serviços de fato.
As empresas estaduais entendem que o relatório, ao extinguir os Contratos de Programa e não permitir sua renovação, retira do titular dos serviços a condição, garantida constitucionalmente, de ter a gestão associada dos serviços públicos, “proibindo” Estados e Municípios, de exercerem sua prerrogativa constitucional. A existência dos Contratos de Programa permitiu que as Companhias Estaduais, nos últimos 8 anos, investissem cerca de 55 bilhões de reais, o que representa 80% do total de investimentos ocorridos em saneamento no país (SNIS, 2017). Com os Contratos de Programa, Estados e Municípios proporcionam segurança jurídica e estabilidade, necessárias para atrair o setor privado. Nos últimos 15 anos os maiores contratos do Setor Privado no Saneamento se deram através das empresas estaduais. É um contrassenso o Governo Federal fazer um programa de estímulos às parcerias, como o PPI gerenciado pelo BNDES e acabar os Contratos de Programa, que darão suporte a novas parcerias.
A PL 3261/2019, ao invés de criar as condições legais para propiciar o avanço e melhoria dos serviços e a universalização destes, explicita um retrocesso ao sistema existente, trazendo mais insegurança jurídica, grandes riscos de agravamento das desigualdades e desestruturação do setor, bem como fragiliza, juridicamente, os vários estudos/projetos de parceria entre empresas públicas e privadas, hoje em andamento no Brasil, atrasando ainda mais os investimentos e as ações que buscam a universalização dos serviços de saneamento em nosso país.