Reportagens

Artigo revela que recifes de corais serão dominados por algas em até 30 anos

O estudo prevê que o aquecimento do oceano Atlântico causará mudanças comportamentais e migração de peixes recifais, levando à proliferação de algas em corais

Carolina Lisboa ·
8 de outubro de 2020 · 4 anos atrás
Bodião-verde, Sparisoma amplum é um peixe recifal endêmico da costa brasileira. Foto: Sergio Ricardo Floeter/UFSC

O aquecimento das águas oceânicas resultante das mudanças climáticas globais vem causando diversos prejuízos estruturais nos ambientes recifais, como o branqueamento e a morte de corais. Entretanto, um estudo publicado nesta terça-feira (06), no periódico científico Global Change Biology revela que os corais não serão os únicos organismos afetados pelas águas mais quentes. O artigo prevê que a distribuição e o comportamento alimentar dos peixes recifais do oceano Atlântico serão alterados nos próximos 30 anos. “Os peixes da região tropical devem migrar para áreas com temperaturas mais amenas, modificando o ecossistema marinho e trazendo impactos também para atividades como pesca e turismo, inclusive no litoral brasileiro”, afirma Kelly Yumi Inagaki, doutoranda em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e primeira autora da publicação.

Num recife de corais, os peixes herbívoros são responsáveis principalmente por equilibrar o ecossistema, controlando a quantidade de algas e possibilitando que corais prosperem. O estudo alerta, porém, que esse equilíbrio está ameaçado pelo aquecimento das águas oceânicas. Isso porque os animais ectotérmicos (aqueles que não conseguem regular sua temperatura corporal, como os peixes) não têm, em ambiente marinho, refúgios temporários para fugir do calor, como ocorre com animais terrestres. A saída para os peixes de recifes tropicais é, então, migrar para regiões mais frias no hemisfério norte, gerando uma “tropicalização” nesses locais e diminuindo as interações entre espécies nas áreas tropicais.

O estudo é inédito por abranger os dois hemisférios do oceano Atlântico e por obter uma ampla base dados, possivelmente uma das maiores já registradas. Os pesquisadores realizaram 1.038 vídeos subaquáticos de 10 minutos em 15 localidades desde a Carolina do Norte, nos EUA, até Santa Catarina, no sul do Brasil. A partir dessas imagens, foram identificadas ocorrência, abundância e pressão de alimentação dos peixes sobre o recife. Eles então aplicaram modelos matemáticos para projetar como essas variáveis se comportariam diante do aquecimento dos oceanos previstos para 2050 e 2100.

Em entrevista concedida a ((o))eco, a pesquisadora Kelly Inagaki esclarece algumas questões sobre o estudo.

((o))eco: O aquecimento dos oceanos resultante das mudanças climáticas globais vem causando diversos prejuízos estruturais aos recifes de corais. Qual a importância desses ecossistemas e quais seriam os principais impactos decorrentes dessa perda estrutural?

Kelly Inagaki: Os ambientes recifais são importantes em diversos aspectos. Pela perspectiva ecológica, eles abrigam grande parte da biodiversidade marinha: estima-se que 25% dos organismos marinhos dependem, em algum momento da vida, dos ambientes recifais, ainda que a área de cobertura dos recifes seja de menos de 1% dos oceanos. É nesse ambiente que muitos organismos vivem, se alimentam, se reproduzem e se abrigam. Pela perspectiva socioeconômica, grande parte da população humana vive em áreas costeiras e litorâneas e utilizam recursos dos recifes, como pesca, proteção da costa, turismo, cultivo de algas. E os recifes são importantes em outras áreas de estudo, como geologia, clima, ecologia histórica.

Sem um ambiente recifal saudável, a biodiversidade que depende dele e os recursos naturais que usufruímos podem ser prejudicados. Alguns impactos podem ser a perda da biodiversidade dos recifes e de seu entorno, diminuição da quantidade e qualidade do estoque pesqueiro, alteração de atividades econômicas como turismo, alterações de processos biogeoquímicos (ex.: ciclo do carbono), entre outros.

Pesquisadora Kelly Inagaki durante mergulho nos recifes. Foto: Arquivo pessoal
Seu estudo previu mudanças drásticas na distribuição e alimentação de peixes herbívoros no Oceano Atlântico em 30 anos, por meio de modelagens utilizando dados ambientais e de alimentação e abundância de algumas espécies de peixes recifais. Como foram realizadas essas modelagens?

As modelagens foram feitas utilizando uma grande base de dados de ocorrência, abundância e pressão alimentar de três grupos tróficos de peixes recifais (herbívoros, comedores de invertebrados e onívoros), desde a Carolina do Norte (EUA) até Santa Catarina (Brasil). Nós utilizamos modelos matemáticos bayesianos. Em linhas gerais, esse tipo de análise permite que você associe os dados biológicos e ambientais no presente e, simulando a mudança em algum desses parâmetros, consiga prever como ficará o outro lado da relação. No nosso caso, nós simulamos a mudança na temperatura dos oceanos no futuro, e conseguimos prever como serão a distribuição e intensidade das interações tróficas.

Num ambiente recifal os peixes herbívoros controlam as algas e permitem o crescimento dos corais. Com o aumento da temperatura dos oceanos, o que poderá acontecer com essas interações?

Nós trabalhamos com as interações tróficas de peixes recifais e previmos a diminuição na intensidade dessas interações. Seguindo essa lógica que você descreveu, pode ocorrer um efeito em cascata: menos peixes herbívoros comendo algas, as algas crescem e diminui o espaço disponível para corais se desenvolverem, levando a um ambiente dominado por algas.

No caso dos comedores de invertebrados, eles são importantes para estruturar redes tróficas, pois conectam organismos que estão em um lado desta rede com os organismos que estão do outro lado. E se essas conexões diminuírem, a rede trófica fica mais fraca e mais suscetível a mudanças do ambiente.

E os onívoros diminuirão suas interações nas regiões extratropicais, mas também têm algumas mudanças em sua distribuição. Isso também pode alterar algumas cadeias tróficas.

A diminuição das interações dos peixes pode estar relacionada com sua fisiologia, de modo que a temperatura vai ficar muito mais quente do que a que os peixes conseguem viver bem. É como nós, humanos, em um dia muito quente: ficamos letárgicos, cansados e com menos fome; o calor tem um efeito sobre nossa fisiologia.

Peixe-cirurgião Acanthurus chirurgus é um peixe nectônico costeiro de águas rasas. Foto: Sergio Ricardo Floeter/UFSC

Quais as possíveis consequências da diminuição das interações entre espécies tropicais e da tropicalização dos recifes no hemisfério norte a curto e longo prazos? Haverá impactos nos serviços ecossistêmicos e em alguns setores da economia, como turismo e pesca?

A mudança na distribuição de alguns peixes e de suas interações pode alterar o funcionamento e os serviços de um ecossistema. No caso de eventos de tropicalização, a chegada de uma nova espécie de peixe naquele local pode alterar interações de alimentação, de competição e de comportamento dos organismos. A curto prazo, as mudanças podem ser sutis, como passar a ver uma nova espécie de peixe no local. A médio e longo prazo, podem ocorrer mudanças de cenários e na saúde do ambiente recifal.

No caso da economia, podemos imaginar uma mudança no estoque pesqueiro disponível, como a diminuição de uma espécie que é bastante consumida e o aumento de uma espécie sem interesse comercial. Para o turismo, podem acontecer mudanças de cenários e atrativos para esta atividade. Turistas buscam por locais com águas claras, com peixes e corais para ver. Mas se há um desequilíbrio no ecossistema, pode ser que o local mude sua atratividade, e isso pode exigir uma reorganização da atividade turística.

Prever como as mudanças climáticas afetarão as interações entre as espécies pode nos ajudar em nossa própria adaptação. O que devemos esperar e como podemos nos preparar para essas mudanças nos recifes de corais?

Podemos esperar mudanças, sejam elas prejudiciais ou não. Vejo que nossos resultados trazem um alerta sobre essas mudanças, e podem dar subsídios a outros estudos e políticas que trabalhem diretamente com os setores que podem ser afetados, como a pesca, turismo e políticas ambientais.

Infográfico mostra efeitos do aquecimento dos oceanos. Imagem: Kelly Inagaki
O artigo intitulado Trophic interactions will expand geographically but be less intense as oceans warm (“Interações tróficas se expandirão geograficamente, mas serão menos intensas em um oceano mais quente”, em português) pode ser acessado aqui.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 1

  1. José Truda diz:

    Não precisa esperar a mudança climática. É só ir a Abrolhos ver o que o massacre dos budiões pela “pesca artesanal” está fazendo com os recifes. Mas disso ninguém quer falar, porque não é fashion e é “politicamente incorreto”…