Sabe aquele jogo de computador cujo objetivo é atravessar uma galinha para o outro lado da estrada? O usuário precisa ser rápido para desviar dos carros e outros obstáculos e garantir que a galinha sobreviva ao cruzar as pistas. O game over é comum nesses jogos. Na realidade nada virtual, essa é a rotina da fauna que tenta cruzar as rodovias que recortam e transformam as unidades de conservação em ilhas isoladas. No holofote desde a sua ampliação, o novo perímetro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) é rodeado por mais de 250 quilômetros de asfalto – e nenhuma passagem de fauna, somente alguns redutores de velocidade e placas de alerta. Apenas em uma delas, a GO-239, estima-se que morram mais de 2 mil animais atropelados por ano.
Os números são da pesquisa da geógrafa Tatiana Rolim. Entre julho de 2015 e setembro de 2016, a pesquisadora realizou 96 coletas na estrada em 42 dias de amostragem. Ao todo, foram encontrados 295 animais atropelados: 124 aves, 69 répteis, 34 mamíferos e 68 anfíbios. Ou seja, 0.042 animais encontrados a cada quilômetro e 7,023 por dia de coleta. “Se extrapolarmos esses valores, ao longo de um ano encontraríamos 2.563 animais atropelados na rodovia, cerca de 1.077 aves, 599 répteis, 295 mamíferos e 590 anfíbios”, estima Tatiana. A pesquisadora lembra também que muitos animais menores foram consumidos por predadores, como gaviões, ou foram feridos e morreram longe da rodovia, portanto “é correto supor que muitos não foram contabilizados e que, com certeza, os dados apresentados são subestimados. O montante de animais atropelados na rodovia dever ser muito superior”, alerta.
A alta mortandade de animais na rodovia, motivou a Associação Amigos da Floresta a iniciar uma campanha para tentar reduzir esse número. Desde o ano passado eles já realizaram ações para conscientizar os motoristas e instalaram placas educativas para redução da velocidade em função da possível presença de animais na pista. Em dezembro, o grupo entregou um abaixo-assinado com mais de 1.400 assinaturas de pessoas físicas pela implementação de medidas mitigadoras de atropelamento de animais silvestres e também de acidentes com pedestres, ciclistas e motociclistas às autoridades da Agetop (Agência Goiana de Transporte e Obras).
Segundo a representante da Associação, Flávia Cantal, “na reunião, nos foi prometida a implementação de um Projeto Piloto no prazo de 120 dias, entretanto, até o momento, só foram colocados sonorizadores e placas indicativas de travessia de fauna ao longo da GO-239. Essas medidas são importantes, mas não são suficientes para reduzir o número de atropelamentos de maneira significativa”, reforça. Ela contou ainda que “o grupo está contribuindo para a vinda da pesquisadora Fernanda Abra, para que seja feito um levantamento sobre a possibilidade de colocação de passagens de fauna por baixo da rodovia e cercas de direcionamento ao longo da GO-239”. Com o relatório em mãos, a ideia é conseguir a adesão da Agetop para implementar o projeto.
O gestor-substituto do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Rafael Amaral, explica que existe a demanda pela implementação de passagens de fauna, mas que antes será preciso realizar o levantamento. De acordo com ele, o novo território do parque, mais que o triplo da área anterior, torna necessário refazer o planejamento do projeto pela mitigação da morte de animais em rodovias no entorno: “com a ampliação, algumas rodovias que antes estavam distantes do parque agora estão aqui dentro, por isso vamos precisar repensar e estender nosso raio de atuação, mantendo um diálogo estreito com a Agetop, empresa responsável pela jurisdição das rodovias, para que elas sejam devidamente emparelhadas com redutores de velocidade e placas alertando para o perigo de animais na pista”.
A representante da Associação acredita que “a ampliação do parque torna ainda mais urgente a implementação dessas medidas. Se antes já havia a previsão do Plano de Manejo da unidade para adotar essas medidas, em razão da sua zona de amortecimento, agora que a rodovia cruza o coração do parque, isso deve ser feito o quanto antes”.
Um relatório sobre atropelamentos nas rodovias GO-239, GO-118 (BR-010) e GO-241, que recortam a Chapada dos Veadeiros, pela zoóloga Vivian Braz apontou que as principais vítimas dos carros são o sapo-cururu (Rhinella schneideri), o tico-tico-do-campo (Ammodramus humeralis), o preá (Galea flavidens) e a jararaca (Bothrops marmoratus). A pesquisa foi feita entre 2008 e 2009 através de um projeto financiado pela Fundação Boticário e percorreu 16.562 km ao longo dos quais encontrou 839 vertebrados, sendo 539 indivíduos atropelados e 300 vivos. Uma média de 1 indivíduo a cada 20,1 quilômetros percorridos.
O Projeto de Lei 466/2015
Atualmente em tramitação no Congresso, o projeto de lei n° 466/2015, proposto pelo deputado Ricardo Izar (PP-SP), pretende criar uma política nacional que reduza os atropelamentos de fauna. O projeto determina a criação de um cadastro nacional de acidentes com animais silvestres e uma fiscalização constante nas áreas de maior incidência desses problemas. Além da criação de passagens aéreas ou subterrâneas para fauna. Segundo estimativas do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), todo ano são atropelados 473 milhões de animais vertebrados nas estradas do Brasil.
Flávia Cantal reconhece no projeto duas grandes virtudes: “além de prever a implementação de medidas mitigadoras em todo território nacional, independente da proximidade das estradas com áreas protegidas, ele prevê a possibilidade de que essas medidas já sejam pensadas e decididas por ocasião do planejamento da rodovia, podendo, consequentemente, ser adotadas juntamente com a construção da estrada e evitando a morte de muitos animais silvestres”.
Assista o vídeo da campanha contra o atropelamento da fauna da Associação Amigos da Floresta:
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Muito bom.
Mas sem passa fauna, em quantidade e qualidade, os resultados são muito pequenos.