A pergunta mais pertinente do último dia da conferência do clima de Bonn foi feita na manhã desta sexta-feira (4/9) pelo porta-voz da Convenção do Clima das Nações Unidas, Nick Nuttall. Dirigindo-se ao co-presidente da negociação, o argelino Ahmed Djoghlaf, Nuttall foi direto ao ponto: “Ahmed, não tem um nome mais sexy para esse negócio? ‘Base’ é horrível”!
Mas “base” é o que temos para hoje. Ou melhor, o que teremos. Depois de cinco dias de discussões intensas, de 10h às 21h, os diplomatas reunidos na ex-capital alemã voltam para casa sem nem sequer um texto para o acordo do clima da conferência de Paris, a COP21. O calhamaço de 83 páginas e três partes batizado de “Ferramenta dos Co-Presidentes”, que guiou as discussões em Bonn, será enterrado. Uma nova proposta de texto foi encomendada a Djoghlaf e seu colega americano Dan Reifsnyder, para ser apresentada na primeira semana de outubro. Espera-se que esse texto seja, enfim, o objeto de negociação do futuro tratado. A tal “base”.
Sair de um encontro desses sem um produto concreto na mão depois de atravessar países, continentes e às vezes meio mundo – emitindo carbono no caminho – para chegar à Alemanha é algo que deixaria pessoas normais frustradas. No mundo de realidade paralela das negociações de clima, porém, isso é chamado de avanço.
“Fizemos um enorme progresso neste período. O que nós conseguimos fazer foi notável”, disse Reifsnyder a jornalistas na manhã de sexta.
O avanço se deu principalmente no entendimento de 196 países de que agora é para valer: o próximo documento a ser apresentado será o esqueleto da decisão de Paris. A Ferramenta dos Co-Presidentes, o lego do acordo do clima, será inteira reformulada, e as peças fundamentais que não se encaixavam em nenhum lugar por falta de clareza entre as partes – assuntos que vão do financiamento aos países pobres ao mecanismo de perdas e danos – serão distribuídas por Djoghlaf e Reifsnyder num rascunho de tratado ou numa decisão da conferência, uma peça legal que complementa o acordo.
Alguns temas avançaram de forma mais concreta entre os países e até ganharam textos novos, que servirão de referência para a “Base”. Há, por exemplo, duas propostas para perdas e danos, nome dado aos efeitos da mudança do clima aos quais não é mais possível adaptar-se. Uma das propostas foi feita pelos EUA e Austrália, a outra pelo bloco dos países em desenvolvimento, o G77.
Segundo um negociador, os países árabes aceitaram incluir perdas e danos (um pedido das nações insulares) entre as propostas do G77 em troca de uns parágrafos sobre “medidas de resposta”, uma compensação futura aos produtores de petróleo pelo combustível que terá de ficar no subsolo. A questão que opõe países pobres e ricos, agora, é se perdas e danos ficará no tratado de Paris ou na menos rígida decisão da COP21. “Não vejo por que algo que diz respeito aos piores efeitos da mudança climática deveria ficar fora do acordo central”, disse Julie-Ann Richards, da rede de ONGs Climate Action Network.
A questão da transparência do cumprimento das ações de redução de emissões também avançou, no sentido de que agora pelo menos os países concordam que deve haver um mecanismo.
Um novo texto também foi apresentado pelo G77 para a questão do financiamento do combate à mudança climática, estabelecendo ciclos de contribuições dos países. Segundo Mark Lutes, do WWF, foi uma surpresa de último minuto – no fim da manhã de sexta-feira. “Para finanças agora nós temos uma base para o texto”, disse.
Na questão da diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento para fins de ações de mitigação de emissões, vitória do Brasil: a proposta de diferenciação em círculos concêntricos ainda está sobre a mesa.
Por outro lado, um consenso que havia sobre a maneira de fechar o “buraco” que ficará entre as metas dos países (as INDCs) e o que é necessário cortar em carbono para manter o aquecimento abaixo dos 2ºC caiu na sexta-feira: o de que as metas não poderiam ser revistas para baixo. A Jordânia argumentou que, se a palavra no texto era “upgrade”, então logicamente deveria ser permitido um “downgrade”.
A tarefa dos co-presidentes, agora, será transformar toda essa conversa em parágrafos aceitáveis pelas partes. Os co-presidentes juram que vai dar tempo, e que o texto terá quatro “Cs”: coerente, conciso, consistente e completo.
“Nós chegaremos a Paris na hora. Não antes da hora. E sem muita turbulência”, disse Djoghlaf, acrescentando que restam “1.800 minutos” de negociação antes da COP21. Falando depois do argelino, a secretária-executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, relativizou aquilo que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou de “passo de lesma” das negociações:
“Não existe isso de um ritmo objetivo”, afirmou a costa-ricense. “É claro que estamos todos impacientes e não é que não estejamos frustrados. Mas, como dizem os britânicos, a prova é o pudim, e o pudim só sai do forno em Paris.”
O diplomata malês Seyni Nafo, coordenador do Grupo Africano, mostrava um bom-humor exausto ao final da reunião em Bonn. “Paris é um retorno. A única coisa que você precisa é garantir que todo mundo vire.”
*Este artigo foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo. |
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