Reportagens

Resultados de Bonn escancaram desafio que Brasil terá na COP30

“Pré-COP” termina na Alemanha com uma vitória da diplomacia brasileira, mas com pouco consenso sobre temas chave, que devem ser encaminhados em Belém

Cristiane Prizibisczki ·
27 de junho de 2025

Terminou na madrugada desta sexta-feira, no horário da Alemanha, a Cúpula do Clima de Bonn, considerada uma pré-COP, por preparar os documentos que serão objetos de negociação em novembro, quando o Brasil sedia a 30ª Conferência do Clima da ONU. Governo brasileiro e sociedade civil apontam avanços importantes, mas destacam que há muitas pontas soltas a serem costuradas em Belém.

A Cúpula de Bonn é um evento técnico que, além de avançar – ou não – nos documentos da Conferência de novembro, dá um indicativo claro sobre as dificuldades a serem enfrentadas pelos países participantes da COP, e pela presidência do evento, daquele ano. 

As últimas Cúpulas de Bonn foram consideradas muito insatisfatórias, o que gerou grande expectativa sobre o que o Brasil, este ano na presidência da Conferência do Clima, teria de enfrentar. 

O resultado foi positivo, segundo avaliação geral interna, com praticamente todos os itens da agenda apresentando avanços, um feito raro no processo multilateral. Dos 49 itens na agenda para deliberação dos países participantes, em apenas dois não houve acordo.

“O clima político global se agravou muito nas últimas semanas, mas, mesmo assim, o regime climático funcionou em Bonn. Tivemos um ambiente colaborativo, com vontade coletiva de avançar. Isso mostra a força do multilateralismo climático”, disse Ana Toni, secretária-executiva da COP30.

Fim dos combustíveis fósseis novamente adiado

Apesar dos vários tópicos na agenda, o encontro de Bonn tinha que deliberar sobre três temas considerados principais: implementação do Balanço Global de Emissões, Transição Justa e Metas de Adaptação.

O Balanço Global – GST no jargão climático – é uma avaliação sobre o estado atual da ação global de enfrentamento às mudanças climáticas. Ou seja, quanto os países avançaram, ou não, para evitar os piores efeitos da mudança do clima.

O Balanço Global é a principal ferramenta para guiar o aumento da ambição dos países nas suas metas climáticas nacionais. É ele que trata, por exemplo, da eliminação gradual dos combustíveis fósseis e do fim do desmatamento até 2030.

Desde que foi apresentado, há dois anos, no entanto, o tema não avançou nas negociações. Esperava-se, para Bonn, que as formas de implementação do Balanço tivessem um avanço, mas não foi isso que se viu na antiga capital da Alemanha Ocidental.

Puxado por alguns países, como a Arábia Saudita, China e Índia, o discurso de que Bonn não era o espaço para falar do tema em sua totalidade e as discordâncias sobre financiamento travaram a agenda de negociações e, no final, não se chegou a um texto final para ser debatido em Belém.

O que existem agora são duas versões do mesmo texto negocial, que serão encaminhadas para decisão na COP30. As versões estão quase que completamente entre colchetes, o que significa que quase tudo nelas é objeto de divergência entre os países. 

“A verdade é que há países que não querem falar sobre finanças públicas e há países que não querem falar sobre a necessidade de implementar todo o Global Stocktake (GST) – especialmente a transição para longe dos combustíveis fósseis. Para enfrentar a emergência climática, precisamos que ambas as conversas aconteçam”, avaliou Stela Herschmann, especialista em Políticas Climáticas do Observatório do Clima (OC).

Transição Justa

Ana Tori, secretária executiva da COP 30, em Bonn. Foto: Antonio Pérez/Flickr

Na agenda de Transição Justa – como as negociações climáticas vão garantir que todos, ricos e pobres, sejam contemplados com as ações de mitigação e adaptação da mesma forma – as organizações relatam avanços.

Fazer a agenda avançar em Belém, com a criação de um mecanismo internacional que dê concretude a essa transição justa, é a principal bandeira das organizações ambientalistas para a COP30.

O texto final foi alcançado a duras penas, mas considerado balanceado pelas partes e celebrado pela sociedade civil com uma boa base para as conversas em Belém. 

“O texto é o primeiro a incluir todos os pedidos e as preocupações da sociedade civil. Há boa linguagem sobre princípios e aspectos importantes da transição justa, incluíndo menções a gênero e a afrodescendentes – luta da sociedade civil que a diplomacia brasileira levou adiante”, diz Stela Herschmann.

Metas de adaptação

No tema de Adaptação, considerado de grande importância para as comunidades que mais estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas, houve decisão em relação aos Objetivos Globais de Adaptação, inclusão dos meios de implementação – que englobam financiamento – e reconhecimento dos saberes indígenas e tradicionais como a “melhor ciência” que devem basear e orientar a adaptação.

O trabalho foi longo. O objetivo era chegar com 100 indicadores – que vão medir o quanto o mundo está de fato adaptado às mudanças climáticas – e, até os últimos dias, os negociadores tentavam enxugar uma lista de quase 500.

Costuras a serem feitas

A Cúpula de Bonn aconteceu em meio ao acirramento dos conflitos armados ao redor do globo, o que enfraqueceu não somente a disposição dos países em negociar uns com os outros, mas também os recursos que poderiam ir para a luta climática – já escassos e insuficientes – e foram redirecionados para fins militares.

Por conta do contexto e da complexidade dos tópicos negociados, a condução do Brasil foi considerada um sucesso.

No entanto, organizações da sociedade civil brasileira reconhecem que um longo caminho ainda precisa ser percorrido para que a COP30 seja bem sucedida.

“As inovações da diplomacia brasileira para a COP30 levadas a Bonn encontraram barreiras já conhecidas das negociações climáticas, sendo a principal delas o financiamento. Além disso, o momento geopolítico é cada vez mais complexo e presente nas salas de negociação. Ainda há um longo caminho para que decisões possam ser acordadas em Belém, mas são boas as perspectivas”, resume Miriam Garcia, gerente de Políticas Climáticas do WRI Brasil

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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