Quem gosta de caminhar na natureza talvez já tenha cruzado com alguma das pegadas pretas e amarelas que têm sido adotadas como sinalização padrão das trilhas brasileiras. Multiplicadas espontaneamente Brasil afora pelos esforços de servidores de unidades de conservação e voluntários, as pegadas agora são o símbolo da recém-instituída Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade. O reconhecimento legal da rede foi realizado na última sexta-feira (19/10) com a assinatura de uma Portaria Conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Turismo e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A assinatura foi realizada durante a abertura da Adventure Sports Fair, evento dedicado ao fomento do esporte de aventura e do turismo de natureza, que aconteceu entre os dias 19 e 21 em São Paulo. No clima da feira, o documento dá um passo importante para promover as trilhas de longo curso como instrumento de conservação e conectividade de paisagens, e também como ferramenta do estímulo ao ecoturismo, em especial nas unidades de conservação. Além dos ministros Edson Duarte (Meio Ambiente) e Vinícius Lummertz (Turismo) e do presidente do ICMBio, Paulo Carneiro, a cerimônia contou com a presença da Diretora Executiva da SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, e do Secretário de Turismo do Estado de São Paulo, Junior Aprillanti.
Hoje, o Brasil tem aproximadamente 2 mil quilômetros de trilhas sinalizadas e implementadas. A expectativa é que nos próximos 20 anos outros 18 mil quilômetros sejam criados, o que fará o sistema ter dez vezes o tamanho atual. A meta parece ambiciosa, mas ainda é uma quilometragem tímida quando comparada com a rede de trilhas de outros países, como os Estados Unidos, que possuem 600 mil, e a Alemanha, país com tamanho equivalente ao estado do Mato Grosso do Sul, que possui 260 mil quilômetros.
O Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, destacou que a Portaria é parte de um conjunto de medidas que visa valorizar os parques existentes e alavancar o turismo sustentável no Brasil. “Nós temos atualmente 10 milhões de visitantes nos parques federais, há dois anos tínhamos 8 milhões. Foi um crescimento significativo, mas ainda é pouco para o potencial que nós temos”, pontua. Em sintonia com o discurso de seu colega, o Ministro do Turismo, Vinicius Lummertz, destacou a implementação de longas e novas trilhas como um marco para o país e para o turismo. “Esse é o primeiro passo de uma longa caminhada, o mundo espera muito mais de nós”, disse Lummertz sobre o grande potencial ecoturístico do Brasil.
O presidente do ICMBio, Paulo Carneiro, reforçou o papel estratégico da implementação de longas trilhas para potencializar ferramentas de mosaico e trazer a sociedade para o lado das unidades de conservação. “A trilha vai além da unidade de conservação, então ela nos força a trabalhar melhor com nossos vizinhos e com outras unidades, e fazer uma gestão mais orgânica da paisagem e do sistema. Além disso, o movimento das trilhas e do público que será criado junto com esses atrativos tende a melhorar a consciência ambiental das pessoas”, explica.
As trilhas de longo curso são uma iniciativa alinhada com o Programa de Conectividade de Paisagens do Ministério do Meio Ambiente (Portaria nº 75, de 26 de março de 2018) que visa promover a conexão de áreas naturais através de corredores ecológicos. Atualmente, existem cinco grandes corredores de trilhas previstos, o maior deles, a Trilha Litorânea, pretende conectar o país de um extremo ao outro da costa, um projeto de mais de 2 mil quilômetros conhecido popularmente como “Oiapoque x Chuí”. Os Caminhos Coloniais, entre Rio de Janeiro e Goiás; o Caminho dos Goyazes, entre Goiás Velho e a Chapada dos Veadeiros (GO); e os Caminhos do Peabiru, que conectará o Parque Nacional do Iguaçu (PR) ao litoral paranaense; e a Trilha do Velho Chico, da nascente à foz do rio São Francisco, completam a lista dos grandes corredores.
O Coordenador de Uso Público e Negócios do ICMBio, Pedro da Cunha e Menezes, destacou o papel fundamental da Portaria para consolidar e dar institucionalidade ao sistema. “A Portaria permite que você crie uma governança que seja legítima e possa tomar decisões que valham não apenas para o ICMBio, mas nacionalmente, incluindo os estados, municípios, o que torna as decisões mais democráticas e participativas, além de padronizar a rede”, comenta. O coordenador reforçou ainda que com o reconhecimento oficial do programa, ele pode ser beneficiário de recurso público e ganha o status de objetivo permanente, “isto nos permite fazer um planejamento estratégico anual”.
A primeira reunião para construir o programa deve ser convocada ainda este ano, com a participação de diversos atores. Além de ministérios e do ICMBio, os estados, municípios, ONGs e grupos envolvidos na implementação de trilhas deverão participar do debate que irá criar uma metodologia de consulta permanente, um grupo de trabalho e um foro de governança mínimo que permita construir uma estratégia para pensar as trilhas em nível nacional.
Estímulo ao turismo em áreas protegidas
O Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, adiantou ainda que está previsto para o dia 30 de novembro o lançamento de uma plataforma digital que trará dados sobre todas as trilhas implementadas, além das informações básicas para quem quer visitar os parques brasileiros, das três esferas de governo. O aplicativo marcará mais uma ação conjunta dos ministérios do Turismo e Meio Ambiente, e ICMBio.
“Também estamos investindo na capacitação de agentes públicos e privados para que todos saibam como manter, criar e sinalizar trilhas, como apoiar e dialogar com o turista, e como potencializar outras atividades econômicas que possam estar relacionadas ao turismo de trilhas”, acrescenta Duarte. “É um conjunto de medidas dentro de uma plataforma maior que estamos trabalhando que é o fomento ao turismo sustentável e o turismo de aventura no Brasil, que ajudarão a mostrar como é importante valorizar o meio ambiente como diferencial competitivo e não como problema”, completa.
De acordo com Duarte, a visitação é também uma ferramenta para aumentar a proteção das áreas protegidas. “A presença dessas pessoas no campo, fazendo trilhas nessas unidades, nos ajuda a fiscalizar, a cuidar e defender esse patrimônio ambiental”, explica.
World Trails Conference
O reconhecimento da Rede Nacional de Trilhas é um passo importante para o Brasil, que ainda engatinha no assunto trilhas de longo curso em comparação ao resto do mundo. Muito desse contraste pôde ser visto durante a 3ª edição da World Trails Conference (Conferência Mundial de Trilhas) que aconteceu entre os dias 26 e 29 do último mês. O evento reuniu representantes de 41 países e transformou Santiago de Compostela, tradicional destino de peregrinação na Europa, mais uma vez na meca dos caminhantes.
O Brasil participou do evento com a Trilha Transcarioca (RJ), o percurso de 180 km que deu início às pegadas brasileiras, e com uma apresentação sobre o potencial do Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso, feita pela equipe do ICMBio. Se somaram às trilhas brasileiras, apresentações de caminhadas na Islândia, Arábia Saudita, Palestina, Quênia, Coréia do Sul, só para citar algumas das mais inesperadas.
Os três dias da conferência exibiram um mundo sintonizado com a ideia de que as trilhas são uma importante ferramenta de conectividade entre áreas protegidas e um atrativo turístico que ajuda a movimentar a economia de pequenas aldeias e cidades. Agora, com a assinatura da Portaria, o Brasil reconhece a legitimidade deste instrumento e dá início, oficialmente, à sua caminhada no mundo das trilhas.
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