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Brasil lidera em potencial de REDD, mas sofre com falta de recursos

Preservar a Amazônia evitará a emissão de 9 bi de toneladas de CO2. Brasileiros estão na COP22 para pleitear recursos para projetos de combate ao desmatamento

Fabíola Ortiz ·
14 de novembro de 2016 · 8 anos atrás
Acre é primeiro estado brasileiro a realizar transações financeiras relacionadas à Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Foto: Pedro Devani/Secom/Acre.
Acre é primeiro estado brasileiro a realizar transações financeiras relacionadas à Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Foto: Pedro Devani/Secom/Acre.

Marrakesh, Marrocos – O Brasil lidera em potencial para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, conhecido como REDD por sua sigla em inglês. São 9 bilhões de toneladas de carbono que podem deixar de ser lançados à atmosfera apenas se as florestas forem mantidas em pé. Especialistas e autoridades brasileiras estão na Cúpula do Clima (COP22), em Marrakesh, para tentar arrecadar recursos a fim de financiar as ações de combate ao desmatamento.

Até 2015, o Brasil deixou de emitir 5 bilhões de toneladas apenas pelas ações para reduzir o desmatamento da Amazônia. Esta tem sido considerada pelos ambientalistas como uma das maiores contribuições para evitar as mudanças climáticas no mundo.

Pesquisadores e autoridades estiveram reunidos em um painel nesta última sexta-feira, 11 de novembro, em Marrakesh, para falar sobre os avanços e perspectivas de implementação de programas de REDD na Amazônia brasileira.

O que é o REDD

É um mecanismo de compensação financeira para os países em desenvolvimento pela preservação de suas florestas. Reduzir as emissões por desmatamento e degradação florestal é visto como uma forma de diminuir as emissões de CO2 na atmosfera que causam o aquecimento global.

Surgiu em 2007, na COP13 em Bali, e tentou incentivar a criação de políticas e estímulos para combater as emissões de gases de efeito estufa oriundas do desflorestamento, fazer com que a floresta seja conservada em pé e aumentar os estoques de carbono nos países em desenvolvimento, ou seja, reflorestar.

O REDD é importante porque estima-se que só o desmatamento seja responsável por 20% do total das emissões anuais globais dos gases de efeito estufa.

A ideia é que os países que reduzirem o desmatamento receberão créditos pela diminuição e estes créditos sejam vendidos nos mercados internacionais de carbono. O mercado de créditos de carbono surgiu a partir do Protocolo de Quioto – acordo internacional em que os países desenvolvidos deveriam reduzir entre 2008 e 2012 suas emissões 5,2% em relação aos níveis medidos em 1990.

A redução de emissões é medida em toneladas de CO equivalente e cada tonelada não lançada na atmosfera equivale a um crédito de carbono que pode ser negociado no mercado mundial por meio de Certificados de Emissões Reduzidas. Os países ricos podem comprar estes certificados de países em desenvolvimento e usá-los para cumprir suas obrigações de redução de emissões.

Além disso, o Brasil criou o Fundo Amazônia para tentar captar recursos internacionais  em grande escala para investir em políticas de combate ao desmatamento e estímulo ao uso sustentável e à conservação da floresta.

Gerido pelo BNDES junto com o Ministério do Meio Ambiente. O Fundo apoia projetos de prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e também promoção da conservação e do desenvolvimento sustentável. Já são 85 projetos aprovados pelo Fundo, dos quais a maioria é de iniciativas do terceiro setor, dos governos estaduais, municipais e universidades.

A carteira do fundo soma R$ 1,36 bilhão. Os recursos são aplicados em ações de monitoramento de florestas, planejamento e gestão do território, preservação e proteção de áreas indígenas, desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo a implantação de sistemas de georreferenciamento.

Desde 2009, o Fundo Amazônia recebeu doações equivalentes a US$ 1 bilhão dos governos da Noruega e da Alemanha (por meio do Banco de Desenvolvimento Alemão – KfW). Os dois países já sinalizaram que aportarão US$ 600 milhões (Noruega) e € 100 milhões (Alemanha).

Existem outras duas categorias de REDD, o REDD+ que inclui o papel da conservação, manejo sustentável das florestas e aumento dos estoques de carbono (reflorestamento) em países em desenvolvimento. Há também o REDD++ que incorpora a agricultura para garantir melhores práticas agrícolas.

De onde vem o dinheiro

Em um momento de crise econômica e dificuldade para conseguir dinheiro e financiar ações de combate ao desmatamento, é preciso criatividade para tentar conseguir recursos a partir do setor privado, argumentam os ambientalistas presentes na COP22. ((o))eco conversou com especialistas em Marrakesh para entender quais são os desafios de ampliar a escala de projetos de REDD no Brasil e os gargalos que impedem que uma política nacional sobre o tema avance.

“Sabemos que o REDD funciona. O Brasil reduziu significativamente as suas emissões pelo desmatamento, mas o financiamento para as ações de combate ao desmatamento não está na escala necessária. O desafio é ampliar as formas de conseguir recursos. Temos que aumentar o valor da floresta como um componente estratégico para mitigar as mudanças climáticas”, defendeu Virgilio Viana, da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). Para ele, a COP22 pode ser um momento para se desenhar novas formas de conseguir dinheiro e financiar projetos de REDD. “O Brasil se comprometeu a reduzir 37% das emissões de CO2 até 2025 em relação aos níveis de 2005 e 43% até 2030, além de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas.

A grande crítica feita por Viana é o gargalo na hora de conseguir doações estrangeiras que ajudem a pagar o combate ao desmatamento. “A captação de recursos internacionais no Brasil está centralizada pelo governo federal [como o exemplo do Fundo Amazônia], mas são os estados os responsáveis por realizar as ações locais de combate do desmatamento. Há um paradoxo e o dinheiro não flui”, disse a ((o))eco.

Só agora, muito recentemente, uma política nacional de REDD, em discussão há quase dez anos, retomou seu ritmo e parece começar a avançar. “Não era parte da prioridade política dos ministérios e dos presidentes. Deveria ser uma prioridade nesse momento”, argumentou.

Da esq para dir: Juliana Santiago (BNDES), Virgilio Viana (BNDES), Antonio Strosky (SEMA) e Ana Eunice Aleixo, diretora presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). Foto: Fabíola Ortiz.
Da esq para dir: Juliana Santiago (BNDES), Virgilio Viana (BNDES), Antonio Strosky (SEMA) e Ana Eunice Aleixo, diretora presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). Foto: Fabíola Ortiz.

O apelo do Amazonas

A alteração dos níveis dos rios, os períodos de cheias e a mudança do padrão de chuvas têm afetado de forma severa o estado do Amazonas. Este não leva apenas o status de maior estado brasileiro, como o de maior do mundo com cobertura florestal nativa sob uma única governança. O que já pode dar uma ideia da responsabilidade e os desafios de lidar com a variação do clima na região.

Do potencial brasileiro de evitar que 9 bilhões toneladas de CO2 sejam lançadas no planeta só pela preservação das florestas, o Amazonas sozinho concentra de 1.8 bilhão de toneladas de carbono que podem deixar de impactar o clima.

Mas as coisas não acontecem com o ritmo necessário, admitiu o secretário estadual do Meio Ambiente (SEMA) do Amazonas, Antonio Ademir Stroski, que está na COP22. Ele pleiteia que os governos estaduais tenham mais reconhecimento.

“Só conseguiremos conter o desmatamento com recursos financeiros. O desmatamento, a grilagem de terra e a conversão do solo para pecuária que depois cede espaço para a soja, tudo isso temos que enfrentar com políticas públicas e com o devido apoio financeiro, especialmente de empresas e de doadores internacionais”, disse Stroski a ((o))eco. É preciso superar a burocracia e melhorar a repartição de recursos para os estados. Grande parte do dinheiro de doações internacionais chega via governo federal e são capitalizadas pelo Fundo Amazônia. Este é um dos apelos que o secretário da SEMA faz na COP22, conseguir negociar direto com quem tem dinheiro ao invés de passar pela União.

Uma lei de serviços ambientais já está em vias de elaboração no estado. O decreto de dezembro de 2015 tramita na Secretaria da Casa Civil do estado e os artigos estão sendo discutidos neste momento. A nova lei de pagamento por serviços ambientais poderá garantir ao estado cerca de R$ 17 bilhões, dentro deste potencial de evitar emitir 1,8 bilhão de toneladas de CO2.

O Amazonas tem, no total, 216 áreas protegidas, das quais, 42 são Unidades de Conservação estaduais – algo como 75% já tem seu plano de gestão elaborado. Existe muita cobertura florestal para ser preservada.

Um exemplo mais recente e ainda o único em grande escala no Amazonas é um acordo de certificação de carbono que o governo do Amazonas acordou com a rede hoteleira Marriott, o primeiro de grande porte que o estado fez diretamente com a iniciativa privada. Anunciado este ano, a certificação para compensar a emissão de 40 mil toneladas de carbono pela rede de hotéis representará cerca de 2 milhões de dólares de compensação.

Esta relação bilateral entre o governo do estado e o setor privado é o que as autoridades estaduais andam pleiteando, ter maior autonomia e independência para poder dialogar diretamente com o setor privado e doadores internacionais, fugindo da dependência da esfera federal. “O grande pleito dos estados da Amazônia é avançar em conversas bilaterais e que haja maior repartição dos benefícios de REDD”, disse Stroski.

 

*Atualizado às 15h25, dia 16/11.

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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Comentários 2

  1. Fabio diz:

    Haverá recursos se o governo federal mudar de postura e aceitar que projetos de conservação de florestas gerem créditos que possam ser comercializados no mercado internacional. Infelizmente o Itamaraty continua vivendo no Cambriano


  2. Paulo Barreto diz:

    Enquanto o dinheiro estrangeiro não chega, o Brasil deveria arrecadar as multas ambientais. As multas ambientais federais (emitidas pelo Ibama) entre 2009 e 2012 somaram R$ 15 bilhões, ou equivalente a cerca de 4 vezes o valor doado ao Fundo Amazônia. Porém, o governo brasileiro arrecadou apenas 1,76% do valor. Ver detalhes aqui:
    http://oglobo.globo.com/brasil/multas-por-danos-a