Reportagens

Brasil não tem estratégia para enfrentar impacto climático em seu sistema elétrico

Relatório divulgado nesta sexta-feira mostra que país tem apostado em fontes inadequadas à realidade climática futura. Diversificação da matriz seria essencial

Cristiane Prizibisczki ·
26 de maio de 2023 · 2 anos atrás

Apesar dos alertas de décadas e das evidências cada vez mais claras, o Brasil ainda não tem uma política concreta para enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre seu sistema elétrico. Além disso, o país tem apostado em fontes que tendem a se tornar ineficientes com o agravamento da crise climática.

Isso é o que mostra o estudo sobre as vulnerabilidades do setor frente às mudanças no clima, lançado nesta sexta-feira (26) pela Coalizão Energia Limpa. Segundo o trabalho, ao planejar suas matrizes, o Brasil está contando com um volume de chuvas que pode não ocorrer, o que obrigará o país a tomar medidas emergenciais caras e poluentes, assim como aconteceu na crise hídrica de 2021, quando grandes investimentos em termelétricas foram feitos.

A quantidade de chuvas – e a falta delas num futuro próximo – é ponto de destaque do relatório porque, atualmente, cerca de 60% da matriz energética brasileira se baseia na produção hidrelétrica. Isso significa 10% da produção mundial.

O problema é que essa matriz é muito dependente das variações climáticas. Segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), é certo que Norte e Nordeste do Brasil vão sofrer uma redução acentuada no volume de chuvas nas próximas décadas. Esta redução também poderá ser verificada no Centro-Oeste e Sudeste do país.

“Os regimes de chuvas, cada vez mais alterados devido às mudanças climáticas, causam grave ameaça à geração de energia elétrica do país”, diz o relatório.

As projeções do IPCC já estão acontecendo. O Brasil sofreu suas piores secas na última década e, em 2021, a pior crise hídrica dos últimos 90 anos. A seca de 2014/2015, na região Sudeste, por exemplo, afetou fortemente várias bacias hidrográficas. A Usina Hidrelétrica de Três Marias, em Minas Gerais, paralisou quatro de suas seis turbinas e o volume útil de água do reservatório da usina chegou a 4,1% de sua capacidade máxima. 

De olhos fechados para a realidade

Segundo o relatório da Coalizão Energia Limpa – grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil – as políticas públicas brasileiras não estão levando em consideração esse cenário. 

Tanto é que projetos futuros do Ministério de Minas e Energia (MME) ainda prevêem a instalação de grandes centrais hidrelétricas em rios da região Norte – como é o caso da retomada de estudos sobre usinas no rio Tapajós 

“A principal mensagem do relatório é: não podemos mais confiar no passado. No passado, nós tínhamos determinada condição média de precipitação durante o ano e determinada sazonalidade que estão se alterando. Antigamente você tinha quatro, cinco meses de chuvas e sete meses de menor umidade. O que está acontecendo hoje é a intensificação desse período de menos chuva, que se estende para oito, nove meses, e chuvas concentradas em curto período de tempo. E isso é péssimo para o setor elétrico”, explicou a ((o))eco o pesquisador José Wanderley Marangon Lima, da Universidade Federal de Itajubá e um dos autores do estudo.

“Se você está achando que vai ter essa chuva mais regular, esquece! O que alertamos é que o dimensionamento do setor precisa levar sempre essas projeções climáticas para que o sistema possa suplantar isso [alterações]”, complementa.

Usina de Energia Eólica (UEE) em Icaraí, no Ceará (CE). Foto: Ari Versiani/PAC-Agência Brasil

Soluções para um futuro de mudanças climáticas

Além da redução de chuvas no Norte, Nordeste e possivelmente no Sudeste do Brasil – a depender dos fenômenos meteorológicos de La Niña e El Niño – o IPCC também alerta para o aumento da precipitação no Sul do Brasil. Também são esperados aumento da incidência solar e de ventos no nordeste. 

Com tais previsões, já é possível planejar adaptações na matriz energética brasileira, dizem os especialistas envolvidos no trabalho. 

A melhor opção para o Brasil, dizem, é um mix de geração hidro-solar-eólica. “Isto permitiria a redução dos custos da energia elétrica e uma maior competitividade global dos produtos brasileiros, o que, por sua vez, contribuiria para a retomada da economia e a redução das desigualdades sociais que assolam o país”, diz trecho do trabalho.

Como tais energias são muito intermitentes – a geração de energia só acontece quando tem vento e sol, no caso da eólica e solar, por exemplo – o Brasil deveria investir em tecnologias de armazenamento.

Sistemas distribuídos tendem a ser mais resilientes a eventos extremos climáticos, recomenda o trabalho. Entre as soluções locais, neste sentido, está a instalação de baterias com geração fotovoltaica. Ela pode minimizar os efeitos adversos do clima.

Também são recomendações investir na produção do famoso hidrogênio verde e em usinas hidrelétricas reversíveis. “O acréscimo de novas termelétricas fósseis à matriz deve se dar somente em caráter emergencial e temporário”, ressalta a publicação.

De forma geral, a Coalizão ressalta que fontes de energia poluidoras, como é o caso da exploração de petróleo na foz do Amazonas, não deveriam sequer serem consideradas.

“Investir nos combustíveis fósseis não é a solução. O sistema elétrico precisará ser mais resiliente ao clima sem ficar mais sujo […] A diminuição máxima possível das emissões deve ser uma diretriz norteadora de todos os segmentos da economia”, finaliza.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Reportagens
25 de maio de 2023

‘Não é viável a Petrobras apresentar um novo estudo em menos de dois anos’, diz oceanógrafo sobre bloco na foz do Amazonas

Professor da UFPA diz que Petrobras deveria ter feito novos estudos e apresentado uma modelagem de qualidade para explorar foz do Amazonas

Notícias
10 de janeiro de 2023

Europa registra temperatura recorde em inverno atipicamente quente

Estações de esqui fecham por falta de neve e cientistas afirmam que onda de calor é mais provável devido à mudança do clima; 2022 foi ano mais quente no Reino Unido

Reportagens
11 de novembro de 2022

Contratação de termelétricas coloca em xeque compromisso climático Brasileiro

Política energética pode aumentar em 27% as emissões de gases de efeito estufa além de causar problemas locais. Expectativa é que governo Lula mude a direção para matrizes renováveis

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.