Diante da urgência imposta pela crise climática e acelerada perda de biodiversidade, o tempo é, cada vez mais, um item de luxo que a humanidade não tem. A ciência corre para trazer dados atualizados que possam subsidiar as decisões, mas o fazer científico tradicional requer o artigo raro do tempo. Inovar, portanto, é preciso. Com esse objetivo nasceu o XPrize Rainforest, uma competição de cinco anos para encontrar e fomentar soluções tecnológicas capazes de monitorar e avaliar a biodiversidade em florestas tropicais.
A competição teve início em 2019, com mais de 800 inscritos de diferentes países. Agora, rumo à final, apenas seis das treze equipes avançaram, entre elas, um time de brasileiros (“Brazilian Team”). O anúncio foi feito durante a abertura do 21º International Congress for Conservation Biology (ICCB), dia 23 de julho, em Kigali, Ruanda. Os seis finalistas irão dividir um prêmio de 2 milhões de dólares (cerca de 330 mil dólares para cada), para continuarem desenvolvendo seus projetos até a grande final, que ocorre no ano que vem. A equipe vencedora receberá um prêmio de 10 milhões de dólares.
A equipe brasileira é composta por cerca de 60 pessoas de diferentes instituições de pesquisa e áreas, com sede na Universidade de São Paulo (USP). Seu projeto inclui uma tropa de drones que avaliam a floresta por cima – responsáveis por coletar amostras de água, mapear a área e registrar sons no dossel, assim como temperatura – e um veículo não-tripulado terrestre, que avalia por baixo e coleta folhas para análise de DNA.
“Nós temos um projeto de estudo de plantas e animais dentro da floresta tropical que envolve todas as ferramentas possíveis para gente fazer isso da forma mais autônoma possível e na maior velocidade que somos capazes. Por exemplo, usamos identificação das plantas e animais através dos indícios de DNA que eles deixam no solo, na serrapilheira, aquela camada de folha no chão da mata. Ali tem penas, pelos, animais mortos… onde vamos achar uma série de informações sobre quem é que está compondo aquela floresta. Ao mesmo tempo, a gente usa os drones para conseguir obter fotos das árvores, colocar alguns sensores de temperatura e de som. Então nós fomos montando uma série de estratégias que são executadas de forma mais ou menos conjunta”, conta Vinícius Castro Souza, coordenador da Brazilian Team e professor da USP.
As semifinais foram decididas em Singapura, numa área de 100 hectares de floresta bem conservada, em junho deste ano. As treze equipes tiveram a chance de pôr em prática seus projetos e mostrar a viabilidade e eficácia das soluções propostas. O objetivo era levantar o maior número possível de espécies em 24 horas e processar os resultados em até dois dias.
A equipe brasileira conseguiu identificar mais de 200 espécies entre plantas e animais. “Tivemos um resultado bem satisfatório. A maioria das coisas saiu como o previsto. O maior desafio para nós, que era a entrada do robô terrestre dentro da floresta, funcionou perfeitamente”, conta o coordenador.
“O principal produto final que a gente tem a expectativa de gerar é, na verdade, uma metodologia nova para estudo rápido das florestas tropicais e que independe de você ter os pesquisadores, os especialistas, na área exatamente. Você precisa dos operadores dos equipamentos para coletar os dados e esses dados são tratados, através de inteligência artificial, e algum material – principalmente quando você conhece pouco a floresta – vai precisar da ajuda de especialistas. A gente espera que no final disso, a gente tenha levantamentos muito mais rápidos da biodiversidade dentro das florestas tropicais”, destaca Vinícius.
A maioria das soluções desenvolvidas pelas equipes envolve drones – a nova fronteira tecnológica do monitoramento de biodiversidade –, mas também robôs, algoritmos e sistemas de inteligência artificial.
“Nossa ideia com o prêmio é desenvolver uma abordagem diferente para incentivar pessoas ao redor do mundo, em times interdisciplinares e diversos, para criar soluções que tenham um impacto proporcionalmente muito maior do que financiar um único projeto. Nosso objetivo é acelerar o monitoramento da biodiversidade e o desenvolvimento de insights a partir disso, para informar não apenas cientistas, mas também gestores e tomadores de decisões”, conta Peter Houlihan, vice-presidente executivo da XPrize, em entrevista a ((o))eco durante o ICCB 2023.
Entre os semifinalistas, além dos brasileiros (Brazilian Team) estão outras cinco equipes. Veja abaixo:
ETH BiodivX – que usa drones modificados para coletar amostras digitais e físicas que podem ser analisadas com um laboratório compacto que combina elementos como inteligência artificial, ciência cidadã e DNA do ambiente para análises remotas de forma barata e eficiente.
Map of Life Rapid Assessments – usa veículos aéreos não-tripulados com câmeras de alta resolução e sensores acústicos para transmitir dados para uma plataforma online.
Providence Plus – um drone multi-sensor equipado com inteligência artificial monitora de forma automática a biodiversidade em tempo real em vários níveis do dossel, de difícil acesso.
Time Waponi – com um drone, o projeto “instala” armadilhas para captura de insetos e sensores acústicos, que depois são resgatadas pelo próprio drone.
Welcome to the Jungle – usa drones com sensores de bioacústica e de imagem customizados para deixar pra trás apenas materiais orgânicos nativos à floresta ao retornar.
O vice-presidente do XPrize explica ainda que o objetivo da tecnologia não é apenas fazer um inventário da fauna e da flora de forma mais rápida, mas também conseguir comunicar os benefícios associados a essa biodiversidade. “O destino das florestas tropicais é uma preocupação global. Precisamos não apenas documentar o que existe lá, mas comunicar isso para que qualquer pessoa no mundo entenda o valor disso para a própria humanidade”, afirma Peter.
Na final, que será realizada no ano que vem, este será o desafio: não apenas inventariar a biodiversidade, mas interpretar esses dados e comunicá-los de forma ágil.
“Estamos caminhando para conseguir soluções significativas para pesquisadores, organizações, pessoas que precisam desse tipo de solução para trabalhar com o tempo limitado que temos para realmente fazer a diferença na conservação”, acrescenta Peter Houlihan.
Preocupado em garantir que a tecnologia desenvolvida torne-se, de fato, uma solução acessível e replicável nas florestas tropicais mundo afora, o vice-presidente explica que a competição visa dar o máximo de visibilidade aos times – não apenas o ganhador –, para que consigam financiamento e parcerias.
O XPrize existe desde 1994 e já realizou diferentes competições, sempre para fomentar o desenvolvimento de tecnologias e soluções com fins específicos. De acordo com o vice-presidente, parte dos objetivos, ao longo de cada competição, é justamente catalisar novos mercados que ajudem a escalar as soluções e torná-las mais acessíveis, já que novas tecnologias costumam ser caras.
O professor da USP que lidera o Brazilian Team pondera ainda sobre o custo de levar um pesquisador a campo e como a tecnologia, ainda que inicialmente cara, possa ser uma alternativa de baratear esse processo no longo prazo. “Nos levantamentos tradicionais, nós precisamos ficar semanas, meses levantando uma área, e esse preço acaba podendo ser minimizado se você tiver essas ferramentas tecnológicas”, afirma Vinícius.
“Nós, enquanto estudiosos da biodiversidade, sempre falamos que o ritmo da destruição dos ambientes naturais é mais rápido do que a capacidade que a gente tem como pesquisadores de estudar esses ambientes. É uma corrida contra o tempo. A gente demora muito tempo com os métodos tradicionais para fazer levantamentos de áreas em relação a sua flora e fauna, principalmente em florestas tropicais. Então a tecnologia vem de encontro a isso. O desenvolvimento de novas tecnologias que acelere os levantamentos de fauna e flora são muitíssimos bem-vindos no sentido de que a gente pode, mais rapidamente, diagnosticar a biodiversidade que tem em determinadas áreas, com isso a gente vai poder melhor detectar as espécies que têm distribuição muito restrita, espécies que só ocorrem em determinados locais e as que estão mais ameaças, e com isso ter um monitoramento melhor da biodiversidade. Isso se refere não só ao momento, mas também ao longo do tempo para poder reconhecer se está tendo perdas ou recuperação das espécies na floresta”, completa o brasileiro.
De acordo com ele, uma lacuna importante que ainda precisa ser superada são os bancos de dados ainda deficientes. “A tecnologia em si, a gente já tem ela bem desenvolvida, drones com sensores, sequenciamento de DNA, mas tem uma limitação: a qualidade dos bancos de dados que a gente tem. Para eu conseguir identificar uma árvore da floresta usando seu DNA, eu vou ter que me reportar a um banco de DNA com essa planta bem documentada ali. Se essa planta nunca foi coletada, se seu DNA nunca foi amostrado – para que sirva como uma biblioteca para essa comparação – eu não vou ter sucesso nessa identificação”, destaca.
Até mesmo em Singapura, parte dos dados de espécies coletadas durante o campo não puderam ser identificadas, pois não existiam amostras suficientes nos bancos atualmente disponíveis. “Isso é um desafio que o Brazilian Team está disposto a encarar. Se ganharmos esse recurso, vamos reinvestir isso na formação dessas bases de dados. Vamos para Mata Atlântica, Amazônia e outras partes do Brasil coletar plantas, amostrar o seu DNA, colocar isso em bibliotecas disponíveis para a comunidade científica e a mesma coisa em relação à fotografias. Gerar essa imensa biblioteca de dados é um passo muitíssimo importante para que essa tecnologia funcione e a gente consiga ter respostas mais rápidas em relação à biodiversidade”, conclui o coordenador do Brazilian Team.
Esta reportagem foi feita com apoio da Earth Journalism Network, através da oportunidade “Scholarships for Journalists to Cover Biodiversity Conferences”. A bolsa financiou a cobertura do International Congresso for Conservation Biology (ICCB) 2023.
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Importante mencionar que o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (www.mamiraua.org.br – Organização Social vinculada ao MCTI e localizada na Amazônia Brasileira, na cidade de Tefé-AM) também está na final, participando da equipe Providence Plus, com tecnologia central desenvolvida no âmbito do Projeto Providence, liderado pelo Instituto Mamirauá, através de seu Diretor Técnico Científico, Emiliano Esterci Ramalho, e pela Universidade Politécnica da Cataluña, através do pesquisador Michel André. Ver matéria –> https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2023/07/instituto-mamiraua-e-finalista-de-uma-das-maiores-competicoes-de-tecnologia-para-monitoramento-da-biodiversidade-do-mundo
Encantada como os pesquisadores utilizam a tecnologia para atividades tão relevantes. Parabéns a DUDA pela reportagem e aos pesquisadores!!!