Reportagens

Cidades amazônicas lideram ranking negativo de tratamento de esgotos

Todas os seis municípios com piores índices de tratamento de esgotos estão localizadas no bioma que guarda a maior riqueza do país

Emanuel Alencar ·
24 de julho de 2019 · 5 anos atrás
Alter do Chão, em Santarém-PA. Foto: Emanuel Alencar.

Destino cada vez mais cobiçado por turistas do mundo todo, Alter do Chão, distrito de Santarém, no Oeste do Pará, se destaca por seus quilômetros de praias banhadas pelo majestoso mar doce chamado Rio Tapajós. Recentemente, até o ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu tirar férias com a família no balneário. Tanta beleza, porém, não esconde um título nada agradável para os mocorongos (apelido de quem nasce em Santarém): a cidade é vice-lanterna no ranking dos municípios acima de 270 mil habitantes quanto o assunto é tratamento de esgotos. O último relatório divulgado pelo Instituto Trata Brasil, nesta terça-feira (23/07), continua a revelar situação dramática não só de Santarém, mas de outras cidades do bioma amazônico. Belém (PA), Manaus (AM), Macapá (AP), Porto Velho (RO) e Ananindeua (PA) completam a lista das seis cidades com piores índices de acesso a redes de coleta de esgoto.

Das seis cidades, cinco são abastecidas com empresas públicas e estaduais de saneamento. Uma, Manaus, tem uma empresa privada de saneamento, a Aegea Saneamento. Para Edison Carlos, presidente do Trata Brasil, o cenário de baixos investimentos e serviços precários é comum em cidades do bioma amazônico há décadas. O mais dramático, assinala, é que pouco se avançou nos últimos anos. O último panorama reflete a situação do saneamento entre as cem maiores cidades brasileiras em 2017 (há um delay de dois anos), todas com mais de 270 mil habitantes.

As seis cidades com os piores índices de tratamento de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil. Arte: Ana Dias.

“É uma tempestade perfeita: baixíssimos investimentos, empresas de saneamento praticamente falidas e população à mercê de doenças de veiculação hídrica. Os serviços de regulação inexistem. É preciso cobrar principalmente dos governadores, embora os prefeitos tenham a prerrogativa de adotarem o modelo que quiserem”, pontua Edison Carlos.

Em sua avaliação, as operadoras, sejam privadas ou públicas, precisam reforçar as políticas sociais, com o objetivo de fazerem a sociedade entender que ações em saneamento se refletem em mais qualidade de vida.

“Falta investimento em educação ambiental e, entre os gestores, o entendimento de que é sim plenamente possível operar serviços de água e esgoto de forma superavitária no Norte do país”, complementa.

Em Manaus, igarapés urbanos totalmente poluídos

Manaus, a 96ª posicionada numa escala de cem cidades em coleta de esgoto, convive com o descaso do saneamento a olhos vistos. Com apenas 12,3% dos esgotos coletados, a capital manauara adotou a concessão dos serviços de saneamento em 2012. Na ocasião a empresa Manaus Ambiental assumiu os serviços. No ano passado, a concessão foi adquirido pela Aegea Saneamento por aproximadamente R$ 800 milhões. Novas promessas de investimentos. A capital amazonense é considerada a maior concessão privada do Brasil em termos de população atendida, com seus mais de 2 milhões de habitantes.

Na avaliação de Domitila Pascoaloto, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com especialidade em saneamento, a aposta de governos em impermeabilizar o solo, canalizando cursos hídricos de Manaus, vem piorando a situação.

“A quantidade de água disponível no Amazonas, com seus rios de grande porte, é um dificultador para que as pessoas entenderam que é preciso mudar a situação do saneamento. Os igarapés [da cidade] estão em estado deplorável. Acabam indo para o Rio Negro, principal curso de Manaus. Na foz dos principais igarapés nota-se um alto grau de degradação”, diz.

Rio Tapajós em Santarém, Pará. Foto: Emanuel Alencar.

O “Ranking do Saneamento 2019” mostra, na ponta oposta, cidades do Sudeste/Sul com os melhores índices em coleta de esgoto. Piracicaba, Taboão da Serra (SP), Cascavel, Curitiba, Londrina e Maringá (PR) lideram, com 100% da população atendida. As cidades paranaenses são atendidas pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), estatal de economia mista. Piracibaca tem um serviço municipal de água e esgoto e Taboão é atendida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), também de economia mista.

 

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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Comentários 3

  1. Glaucus diz:

    Quem dera fosse apenas esse o ranking negativo.
    Educação, saúde, transportes….segurança….Moro aqui! Bem no interior…conheço todos os estado Amazônicos!
    O bioma Amazônia é único e todo o planeta depende do su bem estar…, era para ser a região com os rankings mais altos!
    Mas afinal o governo só ve "boi" e "soja"…..não tem noção do tesouro que aqui existe.
    ….Natureza? Preservar? Conservar? Índios? Caboclos? Cultura? Turismo?….praque?


  2. No ranking de 2019 Manaus caiu pra 98ª posição.


    1. emanuelalencar diz:

      Exato, Miguel. No ranking geral, considerando água, esgoto, perdas na distribuição etc, caiu sim. O recorte da reportagem é apenas acesso da população a redes de coleta se esgotos. Abraços