Reportagens

Com 4 mil focos de queimadas, Pantanal tem pior novembro da série histórica

Desde o início das medições, em 1998, não havia tantos focos de incêndios no mês, quando historicamente inicia a chuva na região

João Velozo ·
24 de novembro de 2023 · 1 anos atrás

Em novembro de 2023, durante o mês em que geralmente é mais chuvoso na região, o Pantanal enfrenta uma de suas mais devastadoras provações. Com uma seca incomum para o período, o bioma se tornou novamente terreno favorável à propagação do fogo. Com mais de quatro mil focos de incêndio registrados no mês – 4.098 focos de calor até esta quinta-feira (23) –, o bioma vive seu pior mês de novembro desde que os incêndios começaram a ser medidos pelo INPE, em 1998. A título de comparação, no ano de 2018 havia apenas 20 focos ativos de calor em todo o bioma; já em 2020, ano em que o Pantanal mais queimou, foram registrados 778 pontos de fogo no mês de novembro. 

O epicentro desse desastre ambiental é a região do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, localizada no sul do estado do Mato Grosso. Com voracidade implacável, as chamas cruzaram o parque, atingiram fazendas e chegaram até a Transpantaneira, consumindo mais de 260 mil hectares pelo caminho. 

Nas últimas semanas, a linha de fogo que atinge o Pantanal Mato-grossense – que chegou em Porto Jofre e já atravessou a fronteira para o Mato Grosso do Sul –, tem colocado os governos federal e estadual em uma queda de braço sobre de quem é a responsabilidade pelo incêndio ter perdido o controle.   

Em vídeo publicado nas redes sociais, o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB-MT) culpa o Ibama pela responsabilidade no combate ao foco dentro do Parque Nacional do Pantanal. No vídeo, gravado dentro da Sala de situação do Batalhão de Emergências Ambientais (BEA), o tucano afirma que o incêndio teria sido iniciado dentro do Parque Nacional do Pantanal, cuja responsabilidade é do Ibama e do ICMBio, mas não chega a citar as causas para o início do fogo. 

Segundo o ICMBio, órgão responsável pelo parque, a causa mais plausível no momento é a de que raios desencadearam o início do fogo em três pontos quase simultaneamente, sendo um deles dentro do parque. Este incêndio foi contido naturalmente pela vegetação e pontos de água localizados. No entanto, descargas elétricas na fazenda Santo Amaro, localizada na fronteira do parque, resultaram em incêndios que se expandiram, atravessando o parque e fazendas abandonadas fora da região de atuação do PrevFogo, resultando no incêndio sendo combatido hoje na região da Transpantaneira.  

Mapas enviados pelo ICMBio para a reportagem corroboram a cronologia da progressão do fogo, mas mesmo assim não foram enviadas informações acerca da responsabilização pela propagação do fogo na Fazenda Santo Amaro. “No Parque Nacional do Pantanal Matogrossense caiu um raio, um outro caiu no limite da RPPN Dorochê e o terceiro ocorreu numa fazenda vizinha ao Parque. Monitoramento visual feito pelo ICMBio identificou que o fogo dentro do Parque Nacional ficou restrito, pois caiu numa área com muita umidade, o foco no limite da RPPN Dorochê foi apagado pela própria chuva. Já o fogo na fazenda se propagou rapidamente e as condições de seca, a velocidade dos ventos e dificuldade de acesso impediram o combate imediato”, diz o órgão, em nota. 

Crédito: ICMBio.

Mauro Pires, presidente do ICMBio, em vídeo enviado à reportagem, informou que o ICMBio e Ibama já estavam atuando na região previamente, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, e que as equipes responderam prontamente. Brigadistas de diversas regiões, incluindo Goiás, Corumbá, Cáceres e Brasília, foram mobilizados para combater os incêndios que, impulsionados pelo clima seco e pelos ventos intensos, se alastraram rapidamente.  

“Nós estamos com aeronaves, estamos com helicópteros, estamos com aviões que fazem o lançamento de água que são instrumentos usados para melhorar e amplificar o trabalho, mas esse é um trabalho que a coordenação implica também uma grande capacidade das pessoas. Nesses dias bastante quentes, os nossos brigadistas estão preparados e têm dado um empenho muito grande para evitar que esses incêndios se propaguem para outras regiões. É uma situação crítica, mas as medidas foram tomadas”, diz.  

Já o governo do estado do Mato Grosso informa que apenas na região do Porto Jofre estão sendo empregados cerca de 80 militares do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso, Centro Integrado de Operações Especiais e Defesa Civil do estado. As ações de combate contam com o apoio de dois aviões, um helicóptero e 11 barcos para a infiltração das equipes, 16 viaturas e três caminhões-pipa.  

João Nunes, agente do ICMBio, caminha por uma área queimada após combater um incêndio no Pantanal, em Poconé-MT. Foto: Amanda Perobelli/Reuters/Folhapress.

Mas para Herman Oliveira, secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), as ações governamentais na região estão falhando em apurar a responsabilidade objetiva dos fazendeiros pela propagação dos incêndios. “Independentemente de o fogo ter sido originado por causas naturais, ele só se espalhou e tomou o parque e agora a Transpantaneira porque não foi contido dentro das fazendas. É a responsabilidade objetiva, tinha que ter aceiro e, independente de existir danos para a fazenda, é necessário haver o manejo, a ocupação, a redução da biomassa naquela região para que o fogo seja contido”.  

O ambientalista aponta ainda que novas legislações, acompanhadas da falta de punição para infratores ambientais, têm dificultado o trabalho dos órgãos federais de preservar o bioma. Leis como a nova lei do Pantanal, assinada em 2022, aumentam os tipos de uso autorizados para a agropecuária na região, dando mais liberdade para fazendeiros da área. No caso do fogo desse ano, que ganhou força em fazendas que estavam desocupadas ou que não possuíam estruturas para combater o fogo, como aceiros, Herman aponta que o estado de Mato Grosso tem sido omisso em fiscalizar e punir os infratores ambientais. 

“O fogo está ligado diretamente à degradação sem fiscalização, e essa fiscalização deveria possuir um aspecto de educação ambiental, de falar com o fazendeiro sobre os riscos, sobre a necessidade de se fazer aceiros, etc. Porque assim seria mais fácil provar que o fazendeiro foi omisso e deixou de fazer. E o governo do estado tem total capacidade de fazer isso, através da SEMA. A educação ambiental dentro da SEMA é uma educação ambiental desprestigiada. A fiscalização nesse caso poderia ter um caráter preventivo e não somente punitivo. Então o fazendeiro, se ele não foi o causador do incêndio, ele foi minimamente omisso, e eu tenho minhas dúvidas se o estado não vai anistiar esse fazendeiro assim como fez com os culpados pelos incêndios de 2020 e 2021. Muitos dos que são pegos em fiscalizações acabam não pagando as multas, judicializado os processos e vencendo na justiça porque argumentam que estão sendo impedidos de gerar emprego e renda devido às multas ambientais. No fim das contas é mais barato gastar dinheiro com advogados do que pagando as multas”, diz. 

Procurado pela reportagem, o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso preferiu não se pronunciar oficialmente sobre as investigações e responsabilizações pelo fogo. Em resposta às solicitações de informações sobre a origem do fogo, a assessoria afirmou que por conta de o incêndio ter atingido majoritariamente o Parque, a investigação das causas seriam de responsabilidade do Ibama e ICMBio.   

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