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COP20 da Cites reforçou medidas globais para proteger a biodiversidade

Decisões sobre pau-brasil, tubarões, bicho-preguiça, espécies endêmicas e aves canoras avançaram com articulação brasileira

Aldem Bourscheit ·
10 de dezembro de 2025

Encerrada semana passada em Samarcanda (Uzbequistão), a 20ª Conferência das Partes (COP20) da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites) avançou algumas casas na proteção da vida selvagem.

A primeira e mais complexa decisão tratou do pau-brasil (Paubrasilia echinata), uma árvore brasileira criticamente ameaçada de extinção, pois perdeu 84% da população em 150 anos. Hoje há cerca de dez mil árvores, muitas isoladas e com baixa capacidade de regeneração natural.

O acordo reforçou sua proteção exigindo rastreabilidade rigorosa, apresentação de estoques de madeira serrada e bruta pelos países importadores e a criação de fundos para restauração, plantio e pesquisa de materiais alternativos à madeira nativa, usada para construir e reparar instrumentos musicais.

“O arranjo proibiu o comércio internacional de madeira bruta, mas liberou a circulação de instrumentos já construídos”, detalhou Lívia Martins, diretora do Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas no Ibama. 

Outras espécies receberam maior proteção pela forte pressão que sofrem da pesca e dos negócios globalizados.

O tubarão-galha-branca-oceânico (Carcharhinus longimanus) também teve proteção ampliada pela Cites. Foto: NOAA Okeanos Explorer Program / Creative Commons

Foi o caso do tubarão-galha-branca-oceânico (Carcharhinus longimanus), que passou ao Anexo I, o nível máximo de salvaguarda da Cites. Com isso, fica proibido o comércio de animais, barbatanas e outros derivados da espécie. É a primeira vez que um tubarão de mar aberto recebe esse grau de proteção.

Outra medida importante foi incluir o cação-bico-de-cristal (Galeorhinus galeus) e todas as espécies do gênero Mustelus no Anexo II da Convenção, onde figuram variedades cujo comércio deve ser controlado para evitar que seu risco de extinção seja ampliado.

Embora não haja uma proibição total dos negócios com esses animais, a listagem exige que cada exportação tenha um parecer de sustentabilidade emitido pelo país de origem. O prazo de adaptação será de 18 meses. “É o tempo que os países precisam para reorganizar suas pescarias”, explicou Martins. 

Também ganharam espaço no mesmo anexo da Convenção as preguiças-de-dois-dedos Choloepus didactylus e Choloepus hoffmanni. Contudo, o motivo não foi a caça usual, mas o uso de animais roubados da natureza para fotos com turistas em hotéis e atrativos turísticos, na Amazônia brasileira e países vizinhos. 

“As preguiças levam dois, três anos para ter um filhote, mas hoje em dia o pessoal tira esses animais da mata só para fazer selfie”, relatou Martins. 

A retirada de filhotes reduz ainda mais o ritmo de reprodução da espécie e alimenta redes clandestinas que mantêm os animais estressados e debilitados. A proposta de incluí-la no Anexo II foi apresentada por Brasil, Panamá e Costa Rica e foi aprovada por consenso entre os países.

Os grandes edifícios ao centro da imagem fazem parte do complexo da mesquita Bibi Khanym, em Samarcanda. Foto: Gilad Rom / Creative Commons

Outro resultado estratégico foi um “pacote” sobre espécies endêmicas ameaçadas. A decisão inédita obriga países a consultar as nações de origem frente a dúvidas sobre a legalidade de espécimes. Isso pode reforçar a soberania de países megadiversos, o controle sobre rotas comerciais e ampliar a cooperação internacional.

A decisão já começa a aparecer em debates sobre casos como o da ararinha-azul, hoje mantida em criadouros estrangeiros. “Há anos o tema expõe um vácuo do direito internacional sobre até onde vai a soberania do Brasil em relação a animais que saíram ilegalmente do país e se reproduziram no exterior”, contou Martins.

A COP20 também aprovou diretrizes mais rígidas para o comércio de aves canoras, tema levado pelo Brasil após anos de pressão do tráfico interno e internacional. O bicudo (Oryzoborus maximiliani) recebeu o nível máximo de proteção, enquanto espécies como o curió entraram no Anexo II. 

As novas regras exigem comprovação de origem, ampliam o monitoramento e aumentam multas. “A inclusão na Cites ajuda a fortalecer ações de conservação, justificar novas áreas protegidas e orientar programas de manejo para espécies muito traficadas no país para competições de canto”, detalhou Martins. 

Ainda conforme a diretora do Ibama, as decisões ganham peso diante de acordos como a abertura de mercado na Arábia Saudita para exportação de aves vivas pelo Brasil, em outubro, como noticiou ((o))eco.

“A partir do momento em que é uma espécie nativa do país, todo o comércio fica dentro do guarda-chuva da Cites e precisa de autorizações do Ibama”, lembrou Martins.

As decisões usuais da Cites começam a valer 90 dias após sua aprovação.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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