Um diplomata de um país em desenvolvimento resumiu da seguinte forma o texto preliminar do Acordo de Paris, que foi finalizado na manhã deste sábado: “Ele só precisava de dois colchetes: um no começo e um no final”.
A piada reflete o estado de indefinição que ainda reina sobre os elementos centrais do novo acordo do clima, que precisa estar pronto daqui a seis dias no centro de convenções montado em Le Bourget, nos arredores da capital francesa. Colchetes são sinais gráficos que denotam discordância entre os países, e o texto que será negociado entre ministros na próxima semana ainda possui 939 pares deles, espalhados em 48 páginas.
Ficou no colo dos ministros, que assumem as rédeas da COP21 a partir de segunda-feira, a tarefa de decidir sobre o que realmente importa no novo regime de proteção do clima: como distinguir entre as obrigações dos países desenvolvidos e em desenvolvimento; qual é o objetivo de longo prazo da redução de gases de efeito estufa no planeta; e, o mais importante de tudo, quem paga a conta.
Por outro lado, e pela mesma razão, o texto ainda permite um resultado robusto em Paris. Ficaram no rascunho, dentro de colchetes, propostas como a de manter a menção a 1,5oC como limite mínimo desejável para o aumento da temperatura global neste século, a revisão de cinco anos da ambição do acordo e o mecanismo de perdas e danos, uma exigência das nações vulneráveis e dos países insulares.
Jennifer Morgan, diretora do World Resources Institute, afirma que a dúvida sobre se haverá ou não acordo deixou de existir. “A questão agora é se será um acordo minimalista ou de alta ambição.”
Como as negociações na primeira semana foram fechadas a observadores, ninguém tem a dimensão exata dos conflitos em torno do texto. Sabe-se que a Arábia Saudita tentou bloquear as discussões em torno de um dos temas espinhosos, o objetivo de longo prazo. Como resultado, não está claro qual será a visão do acordo para 2050 e além. Ou seja, o texto de Paris parte sem saber aonde quer chegar.
Indefinição também ronda a revisão dos compromissos. O texto fala em fazer a primeira rodada de revisão para aumento da ambição em 2024, o que vários estudos consideram tarde demais para salvaguardar a meta de manter o aquecimento em menos de 2 graus Celsius.
De maneira geral, porém, os negociadores que falaram com a imprensa neste sábado pareciam satisfeitos com o andamento do processo – e teciam elogios ao presidente da COP21, o chanceler francês Laurent Fabius. O espírito geral, até mesmo entre as nações insulares, parece ser o de não criar problemas com detalhes e assegurar que haja uma decisão geral aceitável.
“Estamos absolutamente otimistas em relação ao acordo”, afirmou a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, após uma reunião já na noite de sábado com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.
A ministra foi escolhida por Fabius para ser co-facilitadora, juntamente com o ministro de Cingapura Vivian Balakrishnan, de um grupo de trabalho que vai tentar superar os entraves políticos em torno da diferenciação entre os países.
A diferenciação – ou seja, a atribuição de metas a nações desenvolvidas e em desenvolvimento de acordo com suas capacidades e responsabilidade pela mudança do clima – é um dos chamados “temas transversais” do Acordo de Paris. Ela aparece em vários capítulos do documento, em temas como mitigação (corte de emissões), financiamento e transparência.
Resolvendo o nó da diferenciação, diversos colchetes “caem por atacado” no texto, como num dominó. A expectativa de Fabius é que decisões políticas “facilitadas” por grupos de ministros de países-chave durante a próxima semana possam destravar também outros três pontos fundamentais do texto: a questão do financiamento, a ambição de longo prazo e a aceleração das ações a adotar até 2020 – o chamado “Trilho 2” do acordo.
Uma das estratégias usadas pelos diplomatas para facilitar o diálogo na primeira semana foi a divisão da negociação em grupos menores para tratar de temas específicos – por exemplo, separar adaptação e finanças. Porém, o que deveria ter deixado as negociações mais fáceis causou um problema: alguns temas transversais, como transparência ou ações que dependem de decisões em finanças, acabaram se pulverizando. O processo definido para a segunda semana tem o objetivo de resolver isso.
“O texto que temos hoje representa um progresso. Mas nós precisamos fazer coisas concretas antes de sexta-feira”, disse Fabius.
POTODOSO
O tema do financiamento segue eludindo a negociação. O texto de Paris não define nem sequer o volume de recursos para o fundo internacional de clima após 2020, embora defina um roteiro de como chegar lá – um dos poucos pontos de avanço na negociação.
Uma das opções entre colchetes é que sejam US$ 100 bilhões. Também não houve acordo sobre quem deve prover os recursos e quem pode recebê-los, nem sobre mecanismos de transparência dos recursos. Os países desenvolvidos querem ampliar o círculo de doadores, proposta que o G77, o grupo de países em desenvolvimento, não aceita. A expressão “países em posição de fazê-lo”, ou “Potodoso”, no jargão diplomático, segue no texto.
No entanto, há sinais de flexibilização no horizonte. Brasil e China, por exemplo, sinalizam que concordam em financiar ações de mitigação e adaptação em cooperação sul-sul – entre países em desenvolvimento –, mas de forma voluntária, e não sob a convenção de mudanças climáticas das Nações Unidas. Isso seria uma maneira de ampliar a base de doadores, criando uma solução de compromisso com os países ricos.
“A China, por exemplo, deu mais de US$ 3 bilhões, em uma base sul-sul. Isso é voluntário. Nós mesmos fazemos isso no Fundo Amazônia. Esses arranjos não necessariamente vão deixar de existir. Ao contrário. Se deseja que se amplie essa participação. O que não pode achar é que ao fazer isso se determina obrigações para países que ainda não tempo o mesmo peso de emissões, no tempo, que os países desenvolvidos têm”, afirmou a ministra.
Um negociador sênior do G77 alertou, porém, que será preciso que os países ricos apresentem números sobre quanto deve haver de financiamento para o período após 2020. Até agora não há traço disso na mesa de negociação.
Veja aqui toda a cobertura da COP21, uma parceria com o Observatório do Clima |
Leia também
James Hansen propõe taxar fósseis na fonte
Financiamento causa primeira crise em Paris
Tapajós ampliará emissão por desmatamento
Leia também
Tapajós ampliará emissão por desmatamento
Complexo de hidrelétricas na região pode induzir desmate de até 3 milhões de hectares de florestas e afetar mais de 30 terras indígenas →
Financiamento causa primeira crise em Paris
Bloco dos países em desenvolvimento, que inclui o Brasil, solta comunicado acusando nações ricas de violar princípio básico da Convenção do Clima ao tentar mudar texto sobre finanças →
James Hansen propõe taxar fósseis na fonte
Pioneiro no alerta sobre aquecimento global, cientista diz que negociação de clima fracassará se estratégia de precificação de carbono não mudar →