Reportagens

COP30: Destinação de terras públicas é crucial ao enfrentamento da crise climática, defende pesquisadora do Ipam

Somente na Amazônia são 50 milhões de ha de terras suscetíveis ao desmatamento, ao garimpo, à grilagem e a outros crimes ambientais que colocam em risco os esforços da agenda climática brasileira

Elizabeth Oliveira ·
20 de novembro de 2025

Belém (PA) – Com 50 milhões de hectares de terras públicas não destinadas à proteção legal somente na Amazônia, o que equivale à extensão do estado da Bahia, essas áreas sob a guarda do governo federal ou dos estados são consideradas “portas de entrada” para o desmatamento, o garimpo, a grilagem e outros crimes ambientais que ameaçam a biodiversidade e a segurança hídrica. Tudo isso envolve riscos climáticos e, consequentemente, afetam a qualidade de vida da população em um bioma-chave para o presente e o futuro. O alerta é da pesquisadora Lívia Laureto, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) que nesta quarta-feira (19) integrou o painel Importância da natureza e da água, promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (Cnseg), como parte da programação da Casa do Seguro na COP30.

“Sem destinação, corremos o risco de perder essas florestas. Com isso, teremos impactos como a perda de biodiversidade, incluindo espécies ainda nem conhecidas pela ciência, além de mudanças na regulação de chuvas com reflexos negativos diretos na produção agrícola e na qualidade de vida das pessoas. Precisamos manter florestas de pé para que a crise climática não piore. Apesar de termos um momento político mais favorável, ainda falta engajamento na pauta ambiental no Brasil”, observa a pesquisadora. Para ela, não adianta focar em “soluções paliativas”. Pelas suas análises, grandes desafios no enfrentamento dos problemas existentes envolvem, sobretudo, a participação dos municípios em ações dirigidas tanto às agendas de adaptação como de mitigação de emissões de gases de efeito estufa.

A pesquisadora também enfatiza que combater o desmatamento representa uma demanda fundamental para a gestão pública e outros segmentos sociais, já que essa prática responde pela maior parte das emissões brasileiras, sobretudo para a expansão agropecuária. Ela também aponta para a necessidade de sensibilização da sociedade a partir de ações de educação e acesso à informação qualificada sobre os riscos que envolvem o agravamento da crise climática no cotidiano das pessoas.

Como contribuição à difusão do tema, ela destaca o papel do Observatório das Florestas Públicas, iniciativa do Ipam e do Movimento Amazônia de Pé, cuja plataforma online disponibiliza dados aprofundados sobre questões que envolvem essa agenda, incluindo o tópico de florestas públicas não destinadas à proteção da natureza ou de povos indígenas e populações tradicionais, dentre outras alternativas de destinação legal.

Embora a COP30 esteja mobilizando a sociedade civil a partir da realização de marchas e outros eventos de articulação social que têm surtido efeitos positivos (como ((o))eco tem noticiado), a pesquisadora do Ipam considera que a pressão social precisa ir além e se refletir, por exemplo, na escolha de representantes políticos sintonizados com as pautas socioambientais.

Da esquerda para a direita Rodrigo Suárez, Fernando Monteiro, Lívia Laureto, Paulo Barreto e Swenja Surminsk no painel Importância da Natureza e da Água na Casa do Seguro na COP30. Foto: Elizabeth Oliveira

Pesquisador do Imazon também defende frear o desmatamento como solução à crise climática

Especialistas em questões climáticas amazônicas, como o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), têm defendido, recorrentemente, que o enfrentamento da crise climática no Brasil passa, fundamentalmente, pelo combate ao desmatamento e pela restauração florestal, na região.

Tendo também integrado o painel Importância da Natureza e da Água, ele alertou que a perda de florestas tem impactado fortemente o regime de chuvas na Amazônia, fenômeno de consequências ambientais, econômicas e sociais na região e para além das suas fronteiras. Essa interface foi aprofundada por estudo da Universidade de São Paulo (USP) que, em uma publicação recente, indicou uma redução de chuvas da ordem de 74,5% provocada pelo desmatamento, associado, ainda, a um aumento da temperatura de 16,5% em meses de seca na região.

“A gente já está em um cenário de perdas. Parar o desmatamento e restaurar áreas degradadas são partes do processo de adaptação que precisamos fortalecer”, ressalta o pesquisador. Uma das evidências nesse sentido se refere às quebras de safras agrícolas, seus impactos na inflação e no cotidiano da população mais pobre, tema que abordou em análise este ano. Um exemplo na Amazônia envolve a quebra histórica de produção da castanha, fortemente afetada pelas chuvas irregulares na região.

Para Barreto, parte das soluções para o enfrentamento da crise climática no Brasil envolve também uma necessidade de profunda revisão do crédito rural ofertado por instituições nacionais, com enfoque na eliminação de subsídios agrícolas. “Precisamos usar melhor o nosso dinheiro”, opina. Além disso, o pesquisador defende que soluções envolvendo a proteção da natureza em cenário de crise ambiental precisam ganhar escala e velocidade, dadas às consequências de mudanças do clima que já estão em curso.

Durante o debate, o pesquisador também opinou que os municípios brasileiros não estão preparados para o enfrentamento da crise climática e enfatizou que essa realidade é preocupante no país, sobretudo, porque a maioria da sua população já vive nas cidades. Segundo o censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o total é de 87,4%. Na Amazônia, o índice urbano é de 76%.

Para outro participante do painel, o deputado federal Fernando Monteiro (Republicanos/PE), o Brasil precisa investir em um processo de planejamento do seu modelo de desenvolvimento para um horizonte temporal de 50 anos. Segundo ele, a crise climática desafia os poderes constituídos a superarem a visão de curto prazo nas tomadas de decisão.  “As leis nacionais não acompanham a velocidade dos acontecimentos. Temos na Constituição de 1988 leis que não foram implementadas até hoje”, compara.

Monteiro também defende uma gestão pública em níveis nacional, estadual e federal, pautada por indicadores ambientais que sejam monitorados, analisados e aprimorados. Com outro exemplo, ele destaca lacunas do país na agenda de saneamento, temática que conecta ao cenário de falta de proteção ambiental e social em áreas mais vulneráveis: “Ainda temos dez milhões de brasileiros sem banheiro”.

Para fazer valer uma visão de longo prazo no Brasil, o parlamentar defende que seja construído o que chamou de Marco Nacional do Planejamento e considera que em qualquer circunstância, e sobretudo, em cenário de crise climática, a participação social nos processos de decisão é fundamental.

Do debate moderado por Rodrigo Suárez, líder em Clima e Sustentabilidade para América Latina e Caribe na Marsh Mclennan, também participou Swenja Surminski, diretora de Clima e Sustentabilidade dessa organização de liderança em gestão de riscos e estratégia de seguros com atuação global. Ela destacou a importância de investimentos públicos e privados em adaptação para tornar as cidades cada vez mais resilientes em cenários de crise climática. Nesse sentido, inovações tecnológicas e planejamento estratégico tendem a ter papeis centrais pela perspectiva da executiva.

Na COP30, mercado segurador quer ser parte das soluções de enfrentamento da crise climática

Anfitriã de uma intensa programação na Casa do Seguro, durante a COP30, em Belém, a CNseg busca ser parte das soluções para adaptação do país em cenário de agravamento da crise climática, segundo Esteves Colnago, diretor de Relações Institucionais da Confederação. Nesse contexto, o engajamento tem enfoque, sobretudo, em ações preventivas.

Segundo o executivo, essa presença na COP30 inaugura um momento de participação mais forte das seguradoras em uma Conferência do Clima da ONU, atuando desta vez em um espaço próprio. “Estamos sendo desafiados diante da crise climática”, afirma.  Nesse cenário, ele acrescenta que a instituição e as empresas que congrega querem ser “partes das soluções de enfrentamento”, com uma atenção especial para a criação de produtos inovadores. Uma ferramenta para a identificação de riscos de inundações, por exemplo, é uma das propostas trazidas para lançamento durante a COP30.

Assim como já ocorreu no passado, quando o mercado segurador conseguiu promover o aprimoramento das diretrizes voltadas ao seguro contra incêndio, defendendo que casas de madeira tivessem uma distância mínima de segurança para que o fogo não se alastrasse em caso de incêndios, reformulações legais podem ser propostas pelo setor para fortalecer práticas de prevenção às perdas e danos diante da crise climática, principalmente, em contexto urbano.

Colnago enfatiza que o mercado segurador pode contribuir com soluções tanto de mitigação como de adaptação às mudanças climáticas, cujos efeitos já são perceptíveis no cotidiano da população. Produtos de seguros voltados para cidades resilientes estão no enfoque desse segmento que tende a ser cada vez mais impactado pelo agravamento da crise climática.

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

Leia também

Salada Verde
9 de dezembro de 2025

Começa a ganhar forma uma nova frente contra o tráfico de espécies no Brasil

Plano nacional em construção promete integrar, fortalecer e orientar políticas públicas contra esse grave crime ambiental

Notícias
9 de dezembro de 2025

Senado aprova PEC do marco temporal às vésperas do julgamento no STF

Aprovado em dois turnos no mesmo dia, votação contou com discursos racistas e denominação aos povos originários de forma indevida

Análises
9 de dezembro de 2025

Equilíbrio, harmonia e estabilidade podem transformar os cuidados com incêndios em gestão de fogo 

A longa travessia entre a teoria do manejo integrado e sua prática no território brasileiro

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.