Uma cordilheira submarina, com mil quilômetros de extensão, denominada de Cadeia Vitória-Trindade, é um dos melhores locais no planeta para o estudo da evolução e ecologia dos organismos marinhos. A descoberta é de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade Vila Velha (UVV) e da California Academy of Sciences, que participam do projeto Cadeia Vitória-Trindade: Um trampolim para peixes recifais. Os cientistas já participaram de duas expedições de pesquisa, organizadas pela Associação Ambiental Voz da Natureza, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
A última, realizada em 2018, mas cujos resultados só foram divulgados agora, durou 14 dias. Os cientistas foram transportados pelo veleiro polar Parati 2, a partir do qual realizaram mergulhos exploratórios. “Expedições como essa torna possível conhecer e estudar lugares intangíveis de outra maneira, descobrir novas espécies e até mesmo novos ambientes”, explica Hudson Pinheiro, coordenador do projeto e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
A cadeira se inicia a 120 quilômetros de distância da costa do Espírito Santo, no monte submarino Vitória, e termina a 1.160, na Ilha da Trindade e Arquipélago Martin-Vaz. Ela é formada por mais de 30 montes submarinos e dois grupos de ilhas oceânicas, unindo pontos emersos e situados nos seus limites leste. Todos eles e as ilhas possuem formação vulcânica.
Cada um deles foi se formando à medida que a crosta terrestre se movimentava, e por isso a cordilheira tem o sentido Leste-Oeste, quase numa linha reta. “As ilhas são as estruturas mais recentes, entre 0,5 e 3 milhões de anos, enquanto os montes mais próximos da costa, são os mais antigos, com cerca de 40 milhões de anos”, explica Pinheiro. “A cordilheira possui extrema importância em termos de biodiversidade, economia, e estudos científicos.”
De acordo com ele, a geografia da Cadeia Vitória-Trindade, perpendicular à linha de costa, a torna um importante laboratório natural, abrigando populações conectadas e outras completamente isoladas e diferentes. “Nossas descobertas chamam a atenção para a singularidade desses ecossistemas remotos, que necessitam de cuidados especiais a fim de garantir um desenvolvimento sustentável na região”, diz Pinheiro.
Ele diz que, com variados níveis de isolamento, é possível ver a olho nu os processos evolutivos em ação, espécies e populações se tornando diferentes das encontradas na costa. Imagens submarinas inéditas feitas pelos pesquisadores mostram a riqueza de espécies, cores e ecossistemas marinhos, que existem entre 20 e 100 metros de profundidade. Entre elas, estão os bodiões endêmicos (só encontrado na cadeira submersa) Sparisoma rocha e Halichoeres rubrovirens.
Pinheiro conta que visitou a Ilha da Trindade pela primeira vez em 2007 e depois em 2009, passando mais de 120 dias pesquisando sua biodiversidade marinha. Outro colega e mentor, João Luiz Gasparini, foi até lá pela primeira vez em 1995, voltando por mais seis vezes. “Nossos estudos sobre a biodiversidade marinha, principalmente sobre os peixes da região, apontavam para um alto número de espécies naquele ponto isolado”, diz. “Meus estudos ecológicos revelaram uma das maiores biomassas de peixes recifais por área de recife em todo o Brasil.”
No total, eles descobriram 14 espécies, todos endêmicos da Ilha da Trindade e montes submarinos. Essas descobertas chamavam a atenção dos limites da cordilheira como trampolins de espécies, o que era esperado para um local remoto, sem conectividade com o continente. “O Projeto teve vários desmembramentos, já tendo organizado duas expedições para os montes submarinos e hoje possuindo um programa de longa duração em estudos ecológicos em Trindade”, explica Pinheiro. “Os próximos passos visam o retorno ao Monte Columbia e ao Arquipélago Martin-Vaz, locais protegidos por Unidades de Conservação, mas que são considerados os menos conhecidos de toda a cordilheira.”
Ele diz ainda que monitoramento de longa duração possibilita testar diferentes hipóteses sobre a origem e manutenção das populações e espécies. “Uma de nossas pesquisas, sobre a origem dos organismos marinhos em ilhas isoladas, foi capa da revista Nature, um dos veículos mais importantes no meio científico”, orgulha-se. “Essas descobertas e pesquisas subsidiaram o processo de criação de Unidades de Conservação ao redor de Trindade e agora visam contribuir com seu manejo. Infelizmente, descobrimos que existem ecossistemas e espécies que continuam vulneráveis as ações humanas, e, assim, nossos esforços de pesquisa e conservação devem continuar por muitos anos.”
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