Reportagens

Crise climática complicou a vida em costões rochosos

Espécies de pouco mobilidade já sofrem com a subida das temperaturas e prejuízos alcançarão pessoas e economias

Aldem Bourscheit ·
15 de agosto de 2024

Não dá mais para empurrar com a barriga ações realistas para amenizar a crise climática. No mundo, crescem os números de pessoas afetadas e dos prejuízos econômicos, mas não faltam motivações ecológicas para deixar a letargia de lado. 

Mares e oceanos mais quentes e ácidos prejudicam da reprodução ao crescimento de peixes e de espécies sem coluna vertebral, e bem mais do que antes previsto, concluiu um estudo publicado na revista Nature Communications.

Já um time internacional de biólogos avaliou até quando animais suportarão o aumento do calor sem tentar migrar para outras moradas. Isso afetará espécies em terra e mar, mas quais terão mais chances de sobreviver?

“No mar a dispersão das espécies é maior enquanto na terra essa dispersão é bem reduzida”, avaliou o líder da investigação, Agustín Camacho (Universidade de Madri), ao Jornal da Universidade de São Paulo (USP). 

Contudo, uma pesquisa inédita brasileira indica que isso não é uma regra, no caso para espécies como cracas e mexilhões, típicas de costões rochosos e já sofrendo efeitos da inegável crise climática planetária.

O estudo veiculado na revista Marine Environmental Research esclarece que um Atlântico mais quente, ondas mais potentes e maior despejo de água doce por chuvaradas afetaram a quantidade e o tamanho da vida selvagem no litoral sudeste.

“Estes fatores já mostram alterações de seus padrões pela mudança do clima e impactam a biodiversidade”, diz Ronaldo Christofoletti, presidente do Grupo Mundial de Especialistas em Cultura Oceânica

Parque Estadual da Costa do Sol, em Cabo Frio (RJ). Foto: Odemilson/Creative Commons

Em áreas com mais ondas, triplicaram a presença de mexilhões e a do caracol saquaritá (Stramonita brasiliensis) e até 50% a cracas, mas encolheram a predação entre espécies, que em águas frias foram até 130% maiores que as de águas aquecidas. 

As rochas de costões litorâneos podem aquecer tanto quanto o asfalto e passar de 50 ºC em certos dias de verão. No último ano, a temperatura do Atlântico Sul – que banha o Brasil – tem estado de 1ºC e 2ºC acima da média. A crise do clima pode ser mais rápida que a adaptação natural das espécies.

“Isso pode massacrar populações inteiras. Pessoas também morrem com o calorão nas cidades”, lembra Christofoletti, professor e coordenador do Programa Maré de Ciência na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Esse aquecimento, oriundo das mudanças climáticas e reforçado pelo El Niño, matou este ano inúmeros corais em unidades de conservação como a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em Pernambuco, e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no sul da Bahia.

“A gravidade ainda é baixa, mas deve aumentar, visto que há previsão de elevação de temperatura”, disse Carlos Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, ao Um Só Planeta. “No Sudeste, especialmente em Arraial do Cabo, a temperatura da água chegou a 28ºC”, contou o pesquisador.

O “branqueamento” de corais é um dos impactos da maior temperatura oceânica. Foto: Vardhan Patankar/Creative Commons

Caminho das pedras

As conclusões do publicado na Marine Environmental Research exigiram 4 anos de análises em laboratório e pesquisas na faixa de 800 km entre Itanhaém (SP) e Armação dos Búzios (RJ). O trabalho se concentrava em poucos meses para reduzir as variações ambientais e climáticas.

Algumas unidades de conservação na área de estudo são a Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, Estação Ecológica Tamoios e Parque Estadual da Costa do Sol, no Rio de Janeiro, e Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Marinhas do Centro e do Norte do litoral de São Paulo. 

Costões realmente formados por rochas ocorrem sobretudo no Sudeste e são raros em outros pontos da costa. No Nordeste e Norte, por exemplo, costumam ser sedimentares, construídos pela lenta deposição de areia, conchas e outros resíduos.

O estudo integra projeto da Unifesp, universidades Estadual do Norte Fluminense, do exterior e Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, apoiado por Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Prejuízos humanos

Os estragos climáticos na biodiversidade costeiro-marinha não perdoarão atividades e economias humanas. Afinal, tudo está integrado, acreditemos ou não. 

A bagunça nos sistemas naturais influencia da alimentação à reprodução de peixes e outras espécies, muitas valiosas para a pesca e o extrativismo, como o mexilhão perna-perna, aproveitado em pratos como a paella.

“Mares e oceanos cobrem 70% do planeta. Se eles não estiverem saudáveis, a humanidade e o planeta não estarão saudáveis e será muito mais difícil resistir aos impactos do desequilíbrio do clima”, destaca Ronaldo Christofoletti (Unifesp).

Contudo, é possível ajudar as espécies costeiro-marinhas mesmo no agravamento da crise climática, diz André Pardal, um dos líderes da pesquisa veiculada na Marine Environmental Research e doutor em Evolução e Diversidade pela Universidade Federal do ABC Paulista.

“As alterações no oceano estão ligadas a atividades humanas, como urbanização, poluição e mudanças climáticas, que certamente impactarão as espécies costeiras e, potencialmente, os benefícios que elas trazem para nós”, ressalta. 

O cenário pede medidas enérgicas para proteger ambientes, espécies silvestres e nossa existência no planeta. Assim, investir em ciência e monitoramento se torna ainda mais importante para entender e se preparar para as mudanças que virão. 

“Os impactos que vemos são a ponta do iceberg. Sem agir desde já, os prejuízos serão muito maiores adiante. Precisamos entender que a fonte desses problemas são ações humanas, que o planeta não nos pertence e o compartilhamos com inúmeras outras espécies”, diz Christofoletti (Unifesp).

Costão rochoso e vegetação na Praia da Joatinga (RJ) captados com filtro infravermelho. Foto: Acervo LEGEC
  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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