Reportagens

Denúncia expõe abertura de estrada ilegal dentro de parque estadual no Paraná

Invasão com gado, caça, extração de madeira e palmito estão entre as ameaças enfrentadas pelo maior parque estadual do Paraná, que sofre com a falta de fiscalização do órgão ambiental

Duda Menegassi ·
6 de setembro de 2020 · 4 anos atrás
O Parque Estadual das Lauráceas está localizado no noroeste do Paraná, na fronteira com São Paulo. Foto: Raphael Mello

Uma série de denúncias de crimes ambientais no Parque Estadual das Lauráceas, no nordeste do Paraná, levou o Ministério Público do Estado do Paraná a cobrar o estado pela fiscalização da área. As infrações apontadas pelo MP indicam a ocorrência de extração ilegal de madeira, palmito e a criação de gado na unidade de conservação. Porém ((o))eco apurou que a lista de denúncias é ainda maior e inclui a abertura de uma estrada irregular, a caça de animais silvestres e até a venda de terrenos dentro do parque em áreas já regularizadas. Pressionado pelo Ministério Público, o Instituto Água e Terra (IAT), órgão responsável pela gestão da unidade de conservação, foi a campo na última semana junto com o Batalhão de Polícia Ambiental, o Força Verde, mas ainda não disponibilizou os dados sobre a operação.

A reportagem procurou a assessoria do IAT e da Secretaria, para esclarecer informações sobre o parque e a fiscalização, mas não obteve respostas até o final desta edição.

“Visando conter as atividades que violam a legislação ambiental vigente, solicito a Vossa Senhoria que, no prazo de 30 dias, apresente o relatório mais atual da manutenção e fiscalização relativas ao Parque Estadual das Lauráceas, bem como informem as providências que têm sido adotadas para combater os furtos de madeira e palmito e a criação de animais dentro da Unidade de Conservação”, escreveu o promotor de Justiça, Joel Carneiro Da Silva Filho, em ofício enviado ao chefe do escritório regional do Instituto Água e Terra (IAT), Luiz Fornazari Neto, e ao secretário do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), Márcio Nunes, no dia 20 de agosto.

De acesso difícil e com 32 mil hectares de extensão, o parque possui apenas um servidor oficial do IAT – o único fiscal – na equipe, formada por outros sete funcionários, cinco terceirizados e dois cedidos da prefeitura de Adrianópolis. O município é um dos que integra o território da área protegida, junto com Tunas do Paraná. Há ainda outras cinco comunidades quilombolas, vizinhas diretas do parque e que cobram que essas operações ocorram de forma constante. “A última vez que tinham vindo aqui tinha uns 3 anos”, conta uma fonte local ouvida por ((o))eco que preferiu não se identificar. 

Mapa: Parque Estadual de Lauráceas

O pedido de anonimato reflete o medo que se tem de quem está do outro lado do rio Capivari, que marca a divisa com o estado de São Paulo. A maior parte do problema estaria justamente do lado paulista, onde estão dezenas de propriedades rurais. Em agosto veio a denúncia sobre a abertura de uma estrada e de que havia um trator dentro da unidade de conservação, na altura da Comunidade Quilombola de São João.  

Antigo gestor da unidade, o jornalista Michel Coutinho, que esteve a frente do parque entre 2011 e 2018, conta que o problema com os fazendeiros paulistas não é de hoje. “Sempre teve um problema nesse local [Comunidade São João], que fica bem na divisa. Tem um rio, de um lado é São Paulo e do outro Paraná, não tem mais nada. Do lado de São Paulo tem algumas fazendas que criam gado e búfalo. O que esses caras fazem? Para aumentar a área de pasto, eles recorrem à área pública. Eles invadem o parque com o pasto. Isso sempre teve e a gente tentava combater, ia lá fazer fiscalização, ir em cima deles pra não colocarem e quando a gente saía eles colocavam de novo. Era um jogo. Agora um morador denunciou que tem uma máquina lá, um trator de esteira abrindo estrada. Isso é novo. E a comunidade, que é pequena, é marginalizada e eles não têm para quem recorrer”, conta Michel. 

“Eu sou jurado de morte”, diz a fonte local ouvida por ((o))eco. “Quase todas as lideranças de comunidade aqui são. E se a gente não bate de frente com eles, eles tinham colocado a gente para correr há muito tempo”.

Ele conta que além das ameaças, o desrespeito dos fazendeiros com os limites do parque e das próprias comunidades também é um problema sanitários para os quilombolas. “Eles criam búfalo, que é um bicho que gosta muito de água, e eles vão nas nascentes que abastecem as comunidades. Aí quando chega o verão, acaba contaminando as nossas nascentes e a água vem suja com fezes e urina do gado e com isso acaba tendo surto de diarreia e outras doenças nas comunidades”. A fonte explica que é uma cobrança antiga dos comunitários que os fazendeiros cerquem as áreas de nascentes, mas até hoje nada foi feito.

“A gente precisa que essa ação [de fiscalização] seja constante. Essa operação foi anunciada também, é um erro do Estado quando anunciam essas ações. Quem é ilegal sempre sabe essas informações. Tanto que o cara que estava abrindo a estrada em São João levou a máquina embora antes da polícia chegar”, relata.

Local conhecido como “Aquário das Fadas”, no interior do parque. Foto: Raphael Mello

Segundo Michel, a última operação de fiscalização havia sido em agosto de 2018, quando ainda era gestor. “E eu sei que a Polícia passou lá umas duas ou três vezes depois que eu saí [2018] de lá, fazendo umas rondas”. 

A lista de ameaças inclui a extração ilegal de palmito juçara – oriundo de uma palmeira nativa da Mata Atlântica (Euterpe edulis) – e um dos principais mercados ilícitos da região, escoado principalmente através do município paulista de Barra do Turvo, localizado do outro lado do rio. “O palmito precisa de uma floresta boa para existir. E palmito bom precisa de uns 20, 15 anos, mas o cara vai lá, corta e tira. Essa cidade da Barra do Turvo vive basicamente de palmito porque tem um mercado consumidor”, explica o ex chefe. Operações anteriores já encontraram fábricas clandestinas onde é feita a preparação do produto para venda.

Além dos ‘palmiteiros’, o antigo chefe destaca também a grande extração de madeira de canela de dentro da área protegida para fazer móveis. “É madeira de lei, muito resistente. Aqui na região de Curitiba se você encontrar móveis de canela, com grandes chances é de lá”, comenta. Ele cita ainda o problema da caça realizada para venda clandestina ou como troféu.

“Você tem também a venda de reserva legal. Se você der um Google você vai encontrar uns 8 anúncios tentando vender reserva legal dentro do parque das Lauráceas. É crime, estelionato, está vendendo uma coisa que não possui. Nesses anos de Lauráceas, anualmente a gente quebrava um cara que aparecia lá que comprou área. Acho que peguei 4 – ou mais – durante minha gestão. Ele aparece com um documento, tenta esquentar isso num cartório ou tem um amigo dentro da estrutura, e ele fala que é detentor de uma área dentro do parque”, lembra o antigo gestor.

Uma rápida pesquisa encontrou três ofertas de terrenos “para reserva legal” que estariam localizados dentro do parque estadual, no município de Tunas do Paraná, dentro da página MFRural. Uma propriedade de 1.000 hectares na área protegida é “vendida” por R$ 3.500.000,00. “A documentação está totalmente em ordem”, alega um dos anúncios.

“A situação fundiária do parque é relativamente boa. Há apenas dois posseiros, um em cada ponta do parque e um deles já em trâmite legal [para desapropriação]”, reforça Michel, que teme que a máquina encontrada no parque possa ser o indício de um começo de grilagem de terras no parque.

A biodiversidade das Lauráceas

Anta flagrada na armadilha fotográfica dentro do parque. Foto: Projeto Conservação da Onça-Pintada na Mata Atlântica do Estado do Paraná

O Parque Estadual das Lauráceas é a maior unidade de conservação estadual paranaense de proteção integral, com 32 mil hectares de extensão. Seu território abrange um importante remanescente de Mata Atlântica onde ainda sobrevivem espécies como a onça-pintada (Panthera onca), a harpia (Harpia harpyja) e a anta (Tapirus terrestris). A veterinária Renata Pitman estuda a ocorrência do maior felino das Américas na Mata Atlântica do Paraná e desde 2019 faz o monitoramento com armadilhas fotográficas no parque paranaense junto com outros pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

“O parque é a maior unidade de conservação de proteção integral do Paraná, e faz parte de um mosaico de áreas protegidas onde se encontra o maior remanescente do Bioma Mata Atlântica. Nem o parque, nem todos os atuais remanescentes da Floresta Atlântica são suficientes para suportar uma população viável da onça pintada, e por isso precisamos criar conexões com outros biomas. O IAP (antigo Instituto Ambiental do Paraná), elaborou um mapa com áreas prioritárias para a conservação que promove essas conexões e que serve de guia em termos de onde queremos chegar num futuro próximo em termos de recuperação ambiental”, explica Pitman.

Além da onça-pintada, no parque ocorrem outras cinco espécies de felinos: a onça-parda, a jaguaritica, o gato-maracajá, o gato-mourisco e o gato-do-mato-pequeno. “Todas essas espécies de felinos também têm algum grau de ameaça, mas delas o gato-do-mato-pequeno é a mais ameaçada”, destaca a veterinária.

A pesquisadora ressalta ainda que a caça ilegal não é a única ameaça para fauna de Lauráceas. “Há cachorros e gatos domésticos no entorno, competindo por alimento e transmitindo doenças, a perda de hábitat em função da extração da vegetação nativa, grilagem de terras e  criação de gado, o uso de agrotóxicos pelas propriedades vizinhas, especialmente o chumbinho (aldicarb) que apesar de ser proibido, é vendido amplamente para o controle de ratos, e os ratos envenenados são ingeridos por várias espécies da fauna silvestre”, detalha. “Essas ameaças são intensificadas pelo descaso do governo do Estado em se fazer cumprir o Plano de Manejo dessa Unidade de Conservação”, acrescenta.

“Esses problemas ambientais acontecem porque a unidade não está lá presente. É um grande maciço de floresta, é uma área que tem anta, onça-pintada, tamanduá, é uma floresta linda, mas a gestão não está sendo feita e quando a terra está abandonada, você tem ilícito”, resume Michel.

Turismo: uma oportunidade inexplorada

A rica avifauna do parque revela o potencial do turismo de observação de aves. Foto: Raphael Mello

Um parque, por definição, é uma unidade de conservação voltada para o uso público, em outras palavras, para a visitação. Criado em 1979,  Parque Estadual das Lauráceas, entretanto, nunca abriu as portas para o público. Atrativos não faltam: cavernas, cachoeiras, trilhas. Falta vontade política. Segundo Michel, que enquanto ainda era chefe chegou a abrir e sinalizar trilhas, instalar placas e áreas de camping, também há grande potencial para observação de fauna e de aves. “Mas o estado do Paraná e o IAT não pensam em abrir esse parque, está fechado desde sempre e eles vão te dizer que é muito grande ou muito longe, mas isso demonstra, para mim, só uma incapacidade de lidar”, aponta.

Um bom exemplo do potencial turístico que reside adormecido em Lauráceas pode ser visto no vizinho paulista, o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), que recebe em média 40 mil visitantes por ano e movimenta a economia dos municípios de Iporanga e Apiaí.

“Lauráceas cumpre seu papel ecológico. Dentro da Mata Atlântica, é um dos maiores locais protegidos, por isso que atrai onça, harpia, anta. E você tem essas cinco comunidades lá que podem se beneficiar do turismo no parque com guias, projetos, observação de aves, de fauna, camping, ciclismo, e que não têm acesso a uma outra opção de geração de renda e desenvolvimento, estão lá entregues à própria sorte, quando você poderia desenvolver economicamente e trazer essas pessoas como parceiros da unidade. O grande problema de Lauráceas é que o número de bandidos dentro do parque é maior do que o de pessoas de bem. E a gente deveria fazer o contrário, colocar mais pessoas de bem, fomentar isso com a comunidade, com guias, pousadas… é a vocação natural”, conclui Michel.

O turismo pode ser uma solução para estimular os jovens a permanecerem nas comunidades e para melhorar a qualidade de vida dos que moram ali. Atualmente, a falta de opção para renda deixa poucas opções para os comunitários: trabalhar para os próprios fazendeiros que os ameaçam (por diárias de 30-35 reais), buscar trabalho em Curitiba (a cerca de 150 km de Adrianópolis) ou recorrer aos ilícitos, como a venda de palmito, de madeira e a caça.

“Na maioria das comunidades, os jovens não estão ficando porque não tem trabalho, a maioria vai vender mão-de-obra na cidade”, comenta a fonte local ouvida por ((o))eco. “Se a gente tivesse a estrutura e o parque fosse aberto a visitação, meu deus do céu, as comunidades sobreviveriam do turismo. Daria aquele boom financeiro, traria renda para as comunidades”.

“O principal problema da conservação no Brasil é tirar as pessoas, quando elas são o principal agente, seja contra ou a favor da conservação. Então é usar essa energia. Você tem uma juventude nessas comunidades que não tem uma alternativa, eles vão ou pro palmito ou vão pra cidade, vão migrar. Mas é tanta coisa legal que eles podem fazer, estando do lado de um super potencial de atrativo, pode ter iniciação científica, economia, turismo, tudo isso o parque carece, carece dessa mão-de-obra. Por que não trabalhar junto?”, questiona Michel.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 2

  1. Fabio diz:

    O procedimento padrão ao se encontrar gado dentro de um parque deve ser o abate imediato, sem possibilidade de indenização ao proprietário. Os urubus ficam felizes e o respeito às divisas aumenta imediatamente


  2. Paulo diz:

    Cadê o Patriotismo do Governador , do secretário e gerentes do IAT. Está escrito na Constituição Brasileira e do Estado do Paraná.

    Tudo balela, papo furado.