O desmatamento em Unidades de Conservação da Amazônia Legal, áreas protegidas nas quais, por lei, não poderiam ocorrer derrubada da floresta, cresceu 35% entre agosto de 2018 e julho de 2019 (saltando de 767 km² para 1.035 km²), segundo dados preliminares do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), disponibilizados na última quinta-feira (21). A taxa de crescimento do desmatamento nessas unidades foi maior do que a registrada em todo o bioma amazônico (29,5%).
A perda total de florestas dentro de Unidades de Conservação representa 10% do total desmatado em toda Amazônia Legal, cuja cifra chegou a cerca de 10 mil km². Se consideradas somente as UCs federais, nas quais a fiscalização é de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a derrubada da floresta cresceu 84% no mesmo período, quando comparada com o volume dos 12 meses anteriores.
Segundo dados do INPE, considerando todas as UCs, a unidade mais comprometida dos últimos 12 meses foi a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, com incremento de 30% no desmatamento (de 333,62 km² para 435,95 km² de floresta perdida).
Gerida pelo governo do Pará, esta UC faz parte do mosaico da Terra do Meio, e está localizada em uma área de grande ocupação humana e existência de estradas, como a BR -163. Ao todo, segundo levantamento do Instituto Socioambiental, esta UC já teve 36% de sua área florestal convertida para outros usos, como pecuária e mineração.
De acordo com dados do Sistema de Indicação do Desmatamento por Radar da Bacia do Xingu (Sirad -x), somente entre maio e junho de 2019, a unidade perdeu o equivalente a 200 árvores por minuto.
Segundo Sistema TerraBrasilis, plataforma do INPE onde as informações do desmatamento são disponibilizadas, ocupam a segunda e terceira posições do ranking de UCs mais desmatadas a Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e a Reserva Extrativista Jaci-Paraná (RO).
Somente no período analisado, Jamanxim registrou desmatamento de 100,7 km². Foi na região onde está esta UC que, no começo de agosto, houve o Dia do Fogo, que ajudou a impulsionar as queimadas no bioma. A Resex Jaci-Paraná perdeu 94,2 km². Ambas as unidades já tiveram cerca de 10% de sua área total destruída.
As três unidades de conservação apontadas pelo INPE como líderes no ranking de degradação estão na área do chamado Arco do Desmatamento, região que historicamente sofre com extração ilegal de madeira e invasão de terras (a chamada grilagem), e que agora ganhou novos elementos de pressão: a flexibilização das ações de fiscalização e a possibilidade de revisão de limites.
Desvalorização das UCs
Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro mantém um discurso contrário à extensão das áreas protegidas no país. Em maio deste ano, ele afirmou em um programa de TV que pretende rever os limites da Estação Ecológica de Tamoios, na Baía da Guanabara, para transformá-la em uma “Cancún brasileira”. Foi nesta UC que Bolsonaro foi multado pelo Ibama em 2012 por pescar ilegalmente.
Mas além de Tamoios, o governo já havia sinalizado que iria rever o Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, o transformando em APA – a categoria mais branda de unidade de conservação. O Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná, e a Floresta Nacional do Jamanxin, que figura no ranking do INPE, também estão sendo estudados.
Ainda em maio, o titular da pasta de Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a afirmar que pretende revisar todas as 334 unidades de conservação federais, desde o Parque Nacional de Itatiaia, criado em 1934, ao Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul, uma das últimas unidades criadas pelo governo federal, em 2018. Na ocasião, o ministro afirmou que as unidades brasileiras foram feitas “sem critério técnico” e que um grupo de estudo está sendo montado no Ministério para rever tais áreas.
Como a extinção de unidades de conservação ou revisão de limites só pode ser feita por meio de projetos de lei submetidos ao Legislativo, Bolsonaro e sua equipe tem repetido o discurso contra o que chama de “aparelhamento” da legislação ambiental. Em julho passado, o presidente anunciou que já tem se articulado com governadores para a revisão das UCs no país.
Esta mensagem de enfraquecimento da importância das unidades, somado à queda nos recursos destinados aos órgãos de fiscalização, são fatores que, segundo especialistas, contribuíram para a explosão no desmatamento em UCs.
Pouco dinheiro, muito a fazer
A pasta ambiental federal conta historicamente com orçamentos anuais entre os mais baixos da Esplanada dos Ministérios. Desde 2013, seu orçamento caiu mais de R$ 1,3 bilhão, revelou um balanço feito em 2018 pelas ongs WWF-Brasil e Contas Abertas.
Somente este ano, segundo levantamento feito pelo Estadão em setembro, o orçamento liberado para ações de fiscalização de desmatamento (R$ 102 milhões), realizadas pelo Ibama, sofreu um bloqueio de 15%. Para 2020, o dinheiro será ainda mais curto: conforme o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), estão previstos R$ 76,8 milhões para este fim. No ICMBio, o corte será ainda maior. Para a Gestão das Unidades de Conservação, o PLOA 2020 prevê R$107 milhões. A LOA 2018 previa R$ 208 milhões e foram empregados, até setembro, R$ 175,6 milhões.
“A redução do orçamento do ICMbio, que vem desde o governo Dilma, se agravou no governo Temer e afunda agora neste governo […] Os sinais do atual governo, de que não interessa unidades de conservação, que ameaça rever limites e reduz a fiscalização, faz com que o patrimônio geral das UCs esteja bastante vulnerável. Não surpreende que as UCs estejam sofrendo mais agora”, explica Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Além dos 10% de perda florestal na Amazônia dentro de UCs, levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (IPAM) sobre os dados do INPE mostrou que outros 35% do desmatamento ocorrem em terras públicas (27% em áreas não destinadas e 9% em áreas sem informação).
“Isso é grilagem de terras”, afirma o diretor-executivo do IPAM, André Guimarães. “Essas florestas são públicas, ou seja, é patrimônio de todos os brasileiros, que é dilapidado ilegalmente para ficar na mão de alguns poucos”, diz.
Segundo Adalberto Veríssimo, do Imazon, as medidas de contenção do desmatamento são conhecidas, mas é preciso que haja empenho do governo para colocá-las em prática.
“Tem que apertar a fiscalização, proteger as unidades de conservação. Tem que abrir a discussão do que se fazer com as florestas não destinadas, fazer moratórias para que não haja nenhuma ocupação nessas áreas. E, óbvio, manter os protocolos já existentes, como a moratória da soja. O menu do que fazer está claro, a gente sabe o que fazer e como fazer. Não faz muito sentido discutir uma nova economia, zoneamento, porque isso vai levar muito tempo e, até lá, deixamos a Amazônia ser desmatada?”, diz.
Até o momento, o Ministério do Meio Ambiente não divulgou quais serão as medidas concretas a serem tomadas para reverter o quadro de aumento histórico do desmatamento na Amazônia.
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Grande jornalista, Cristiane! Parabéns!
Os desgovernos dormemmmmmmmmmmmmzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz……………………………………………..