Em meio às notícias de mais um recorde no número de queimadas registradas na Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE) – que atingiu a maior cifra dos últimos 10 anos no acumulado de janeiro a setembro – o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) deu posse ao novo diretor do Instituto, Clézio De Nardin. A solenidade aconteceu na sede do instituto, em São José dos Campos (SP). Durante o evento e em coletiva de imprensa ao final da tarde, o ministro Marcos Pontes e o novo diretor minimizaram as críticas feitas por membros do governo Bolsonaro ao trabalho do Instituto.
Em sua apresentação durante a solenidade de posse, De Nardin disse encarar tais críticas com “naturalidade”. Ele também defendeu uma “maior aproximação” das instituições governamentais que atuam em áreas correlatas ou complementares para aprimoramento dos trabalhos do Instituto ao longo de sua gestão.
“O INPE tem recebido bastante destaque recentemente por informações prestadas ao Estado brasileiro. Esse destaque vem acompanhado de críticas e elogios, isso é comum no meio de onde venho. Sou um cientista da área espacial e encaro com naturalidade essa situação”, disse. “São muitas e múltiplas as faces de trabalho que ocuparão os próximos 4 anos da agenda do INPE […] mesmo com pandemia e situações adversas, com a colaboração de todos, com uma maior aproximação entre as instituições irmãs e parceiras, vamos conseguir”.
Ao final do dia, em coletiva de imprensa, foi a vez de Marcos Pontes comentar as acusações feitas por diferentes membros do governo aos dados de desmatamento e queimadas divulgados pelo Instituto.
“Como todo trabalho, existem questionamentos de vez em quando […] Seria muito difícil que todo mundo falasse a mesma coisa sempre e é assim que a ciência progride. A gente tem que trabalhar com as perguntas, com os questionamentos. Isso tudo a gente tem que resolver onde convergem as coisas”, declarou.
Nem o ministro nem o novo diretor, entretanto, esclareceram questões mais sensíveis levantadas pela imprensa presente na coletiva, como por exemplo, o que de concreto existe sobre as negociações por um maior orçamento para o Instituto em 2021 – já que a previsão é de um corte de 32,5% para o próximo ano. Pontes limitou -se a responder que “tem conversado” com a pasta da Economia sobre o assunto”.
Menos de 5 representantes da imprensa participaram da solenidade de posse do novo diretor e da coletiva de imprensa. O baixo número de repórteres não foi só por conta da pandemia, mas também porque o aviso de pauta não chegou a todas as redações. Estavam presentes somente jornalistas da região, que ficaram sabendo do evento por outras fontes, assim como aconteceu com ((o))eco. Segundo a assessoria do Inpe, houve um “problema técnico” no envio do e-mail.
“Clima muito otimista”
A chegada de um novo diretor ao Instituto, escolhido por critérios iniciais técnicos, a partir de lista tríplice, era esperada com ansiedade pela comunidade científica de dentro e de fora do Instituto.
Clézio De Nardin substitui o coronel da Aeronáutica Darcton Damião, que ocupava interinamente a direção do órgão desde agosto de 2019, após a saída de Ricardo Galvão, retirado do cargo por um desentendimento do pesquisador com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à divulgação de dados sobre desmatamento.
Em 13 meses de interinidade, Damião promoveu uma profunda reforma organizacional no Instituto. Segundo o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia (SindCT), a reformulação aconteceu sem a participação e à revelia dos servidores. Nesse meio tempo, o INPE também foi acusado em diferentes ocasiões de divulgar dados “mentirosos” e “imprecisos”. As acusações nunca foram comprovadas.
Além disso, o Instituto vem sofrendo com o corte recorrente de recursos. Em 2020, o orçamento destinado ao órgão foi de cerca de R$ 118 milhões, o menor valor em 14 anos. Para 2021, estão previstos R$ 79,7 milhões, uma queda de 32,5% diante do orçamento deste ano.
Por todos esses motivos, servidores encaravam a chegada de um novo diretor com esperança de que ele se mostrasse disposto a reverter o quadro que se encontra o Instituto. Segundo apurou ((o))eco, no entanto, a forma como De Nardin tem lidado com temas centrais ao órgão, como ataques a sua credibilidade, demonstra um “clima de muito otimismo” por parte do diretor, o que seria incongruente frente a real situação do Instituto.
Prodes, Deter e Queimadas
No centro dos ataques vindos de membros do governo Bolsonaro ao INPE estão os programas Prodes e Deter, que monitoram o desmatamento na Amazônia e Cerrado, e Queimadas, responsável por acompanhar o número de focos de incêndio em todo o país.
O vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, já divulgou a intenção do governo em criar uma agência paralela de monitoramento por sensoriamento remoto dentro do Ministério da Defesa, que contaria inclusive com um microssatélite próprio.
O receio de servidores do INPE é que os programas Prodes, Deter e Queimadas, desenvolvidos há quatro décadas pelo Instituto e com reconhecimento internacional, percam protagonismo.
Sobre este assunto, o ministro Marcos Pontes declarou que a proposta lançada pelo vice-presidente “ainda está no campo das ideias” e que o INPE não sofrerá interferências nesses seus programas. “Se for concretizada [a agência de monitoramento da Defesa] vai ter um caminho grande pela frente e o INPE tem ficado cada vez mais consolidado como fornecedor desses dados”, disse.
A visita de Marcos Pontes ao INPE terminou por volta das 17h, após a comitiva do ministro visitar o Laboratório de Integração e Testes (LIT), onde os procedimentos de lançamentos do satélite Amazônia -1, em fase de testes, foram apresentados.
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