Reportagens

Em risco de ser extinta, Fundação Zoo SP tem papel importante para conservação

A Fundação atua na conservação e reprodução de espécies ameaçadas como a arara-azul-de-lear e o mico-leão-preto, além de ações de monitoramento e pesquisa da fauna

Duda Menegassi ·
31 de agosto de 2020 · 4 anos atrás
Filhote arara-azul-de-lear. Foto: Paulo Gil/Fundação Zoo SP.

No dia 13 de agosto, o governador de São Paulo, João Doria  (PSDB-SP), enviou um Projeto de Lei no qual propõe um enxugamento geral na estrutura estadual para diminuir o déficit estimado em R$ 10,4 bilhões para o estado em 2021. As medidas incluem as extinções de 11 entidades, entre elas a Fundação Zoológico de São Paulo. Muitas vezes aos olhos do público um zoológico é reduzido à exibição de animais em cativeiro para entretenimento, mas esse na verdade é um estigma que não corresponde à realidade de muitos zoos. Tampouco é o caso da Fundação Zoológico, que existe há 62 anos e desempenha um papel importante em projetos de conservação de animais ameaçados de extinção, como a reprodução da arara-azul-de-lear e do mico-leão-preto.

O Projeto de Lei nº 529/2020 ainda está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Enquanto isso, a sociedade se mobiliza. Além de um manifesto em defesa da Fundação Zoo SP, um abaixo-assinado também está em curso, e contava com mais de 8 mil assinaturas até o fechamento desta reportagem.

Um dos maiores argumentos contra a extinção da Fundação é exatamente o seu envolvimento com inúmeras iniciativas e projetos de conservação da fauna. Criada em 1958, a Fundação tem como objetivos desenvolver pesquisas e estabelecer procedimentos e práticas que promovam a conservação da biodiversidade, além de despertar a consciência ambiental da população.

Atualmente, a Fundação Zoo SP faz parte do Programa de Manejo Ex Situ (em cativeiro) de 25 espécies ameaçadas de extinção por meio de um acordo de cooperação técnica junto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Associação de Zoológicos e a Aquários do Brasil.

“Destas 25 espécies do acordo, participamos com 16 espécies, sendo que somos coordenadores dos studbooks [ferramenta que mantêm o histórico genealógico e demográfico da espécie] para 5 espécies ameaçadas de extinção: mico-leão-de-cara-dourada, ararajuba, cágado-de-hogie, perereca pintada e jandaia sol”, conta a pesquisadora da Fundação Zoológico de São Paulo, Mara Marques. A bióloga cita ainda o trabalho na conservação de outras duas espécies de micos, o mico-leão-preto e o mico-leão-dourado, da jacutinga e até de anfíbios. “Começamos a trabalhar com a perereca-de-alcatraz, uma espécie que só existe na ilha de Alcatraz e é extremamente ameaçada”, conta.

A pesquisadora destaca também do trabalho desenvolvido com a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), ave endêmica de uma região da Caatinga brasileira e ameaçada de extinção.

“É uma espécie que sofre uma pressão muito grande de caça, são muito abatidas e traficadas. Havia uma necessidade de se trabalhar com essa espécie porque ela está desaparecendo da natureza. E havia uma grande dificuldade em reproduzí-la em cativeiro, muita dificuldade de estabelecer os protocolos e começar a trabalhar na reprodução. Algumas instituições internacionais conseguiam fazer esse manejo, mas era muito pouco. E aqui no Brasil, a espécie sendo endêmica e brasileira, a gente não se conformava em porque a gente não conseguia reproduzir essa espécie com o mesmo sucesso que tínhamos com a arara-azul [Anodorhynchus hyacinthinus] do Pantanal. Foi feito muito estudo e houve um grande esforço e nós enfim conseguimos estabelecer protocolos e o sucesso reprodutivo. E hoje acho que a gente tem a maior população de arara-azul-de-lear do mundo no cativeiro. A gente atingiu esse número e agora elas estão prontas para voltar para natureza. Esse é um caso de sucesso”, descreve Mara Marques.

Raposinha-do-campo, espécie endêmica do Cerrado, é uma das espécies com a qual trabalha a Fundação Zoo SP. Foto: Paulo Gil/Zoo SP

A Fundação participa do Plano de Ação Nacional para Conservação da Arara Azul de Lear, assim como de outras PANs do ICMBio.

Os trabalhos de conservação não ocorrem apenas dentro do zoo, mas também “in situ”, ou seja, no ambiente natural onde ocorrem as espécies. O veterinário Caio Motta coordena o Núcleo de Atividades In Situ (NAIS) do Zoo de São Paulo, criado em 2013, e destaca que essa é uma frente de trabalho pouco conhecida pela sociedade.

“As pessoas aqui no Brasil ainda conhecem pouco esse trabalho de conservação fora dos muros do zoológico. A ideia é que o zoológico é um centro de conservação da fauna aonde a gente consegue reproduzir os animais em cativeiro, geneticamente saudáveis para poder suplementar e repovoar as populações em vida livre. Mas a gente não consegue fazer conservação de fauna só reproduzindo animal em cativeiro, a gente tem que dar o próximo passo, que é fazer o monitoramento das populações em vida livre, e fazer essa ponte para de fato subsidiar a conservação dos animais aonde eles ainda estão ocorrendo na natureza. Isso começou a ser feito no Brasil há alguns anos e o Zoológico de São Paulo foi pioneiro nisso”, explica o veterinário.

O Núcleo possui atividades de pesquisa e conservação na Mata Atlântica, no Cerrado e no Pantanal e atua tanto em parceria com outros projetos, como o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado, quanto com suas próprias linhas de pesquisa, como o monitoramento das populações da ameaçada e pouco estudada raposinha-do-campo, em áreas rurais de Goiás.

“A gente faz tudo isso. É muito mais do que só exposição. Essas atividades são o que a gente faz hoje, subsidiados pela bilheteria. O zoológico hoje faz um trabalho de conservação de fauna em vida livre que é referência não só no Brasil, mas na América Latina. Hoje o Zoo São Paulo já investe mais em conservação in situ do que muitos zoológicos americanos e europeus. A minha expectativa é de que o Estado garanta o compromisso de que isso vai continuar”, reforça o veterinário.

O Projeto de Lei e o “corte” de gastos

O Secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido, ao lado do governador, João Doria. Foto: Governo de SP

De acordo com o Projeto de Lei: “a operação das atividades voltadas à visitação pública, educação ambiental e conservação do patrimônio público e dos ativos ambientais realizada em suas instalações serão transferidas à iniciativa privada, por meio de procedimento licitatório adequado. As atividades relacionadas ao desenvolvimento de pesquisas, gestão de unidades de conservação, fiscalização do Zoológico, Jardim Botânico e demais atividades públicas serão transferidas a entidades de ensino e pesquisa que compõem a Administração”.

A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) explica em nota enviada ao ((o))eco que “a arrecadação da Fundação Zoológico não atende a todas as despesas previstas com pessoal e custeio, de forma que recursos do Tesouro do Estado contribuem para atender as despesas de encargos e benefícios de pessoal”.

Em 2019, o zoológico recebeu 1.146.772 visitantes e de acordo com as informações da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, foram arrecadados R$ 33,4 milhões no ano. Já as despesas somaram R$ 39,7 milhões, sendo R$ 14,5 milhões de pessoal e encargos; R$ 24,8 milhões de custeio; e R$ 0,4 milhões de investimentos. O déficit de R$ 6,3 milhões foi pago em parte com superávit financeiro de anos anteriores (R$ 2,9 milhões) e em parte com recursos oriundos do Tesouro (R$ 3,4 milhões).

“Assim, o valor efetivo repassado do Tesouro do Estado para esta Fundação foi de R$ 3,4 milhões, o que corresponde a cerca de 0,03% do déficit que o governo quer equacionar em 2021”, ressalta a Assessoria da Fundação Zoo SP.

Sobre a concessão de parte dos serviços atualmente sob gestão da Fundação, a Secretaria pontua que “em 2019 foi estruturado um projeto de concessão das áreas de uso público do Zoológico e Jardim Botânico localizadas no Parque Estadual Fontes do Ipiranga. O objetivo é aumentar os recursos destinados a pesquisas, melhorar o atendimento ao público com novos espaços de lazer e alimentação, além de reduzir custos e despesas vinculados a operação dos parques (limpeza, manutenção de áreas verdes e prédios, atividades educativas etc). Ou seja, a concessão visa aumentar a participação da iniciativa privada em função do bem público”.

A Fundação Parque Zoológico de São Paulo está na lista de cortes proposta por Doria. Foto: Zoo SP/Facebook.

Ainda de acordo com a SIMA, o projeto de concessão já foi submetido à consulta e audiência pública, de especialistas, do Conselho Estadual do Meio Ambiente, além dos conselhos dos órgãos do patrimônio histórico cultural e ambiental e o edital será lançado no segundo semestre de 2020.

“O Governo de SP continuará com obrigação de manter os programas de conservação de fauna ameaçada de extinção, existentes no Centro de Conservação da Fauna Silvestre (CECFAU)”, explica a nota enviada pela SIMA. Sobre o Projeto de Lei, a Secretaria acrescentou que está em diálogo com a diretoria da Fundação Parque Zoológico e que “os próximos passos da reforma administrativa dependem da análise do projeto pela Assembleia Legislativa de São Paulo”.

O PL nº 529/2020 está em regime de urgência na Alesp e já recebeu mais de 600 emendas pelos parlamentares e já passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação e foi encaminhado às Comissões de Administração Pública e Relações do Trabalho, de Infraestrutura, e de Finanças, Orçamento e Planejamento.

Qual o papel do zoológico?

“A sociedade hoje não reconhece um zoológico que não faz pesquisa e conservação de fauna. É uma demanda porque a fauna precisa e é uma demanda porque a sociedade demanda. O fim do zoológico era a exposição há décadas, hoje a atividade fim do zoológico é pesquisa e conservação. A exposição é um meio. Um meio para promover educação ambiental, pra gente manter a reprodução dos animais em cativeiro, é um meio para gente ter recursos para investir em conservação, não é o fim”, destaca o veterinário Caio Motta.

A bióloga Mara Marques estima que hoje, 90% dos esforços da Fundação Zoo de São Paulo sejam focados nos programas de conservação. “O fato de termos todos esses programas de conservação, com interface no campo, trabalhando com Planos de Ação do Governo Federal, com a Secretaria de Meio ambiente [SIMA], mostra que o zoo é uma grande ferramenta de conservação”, explica a pesquisadora, que destaca também que ainda há muita desinformação.

Ela destaca que ainda há muito desconhecimento e desconfiança sobre essa face relativamente recente dos zoológicos. “[Existe muito] Desconhecimento de tudo que é gerado [no zoológico] ou que tem o potencial para gerar em termos de conservação e quando você fala em ganho do meio ambiente, você fala em ganho de outras coisas: qualidade de vida, educação, lazer. É ganha-ganha”, resume. “Essa instituição de 62 anos também é um patrimônio da população do estado de São Paulo e do Brasil”, conclui a pesquisadora.

 

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    E agora sr. Doria?

    Virá uma lambança de analfabetismo ambiental.