Reportagens

Encontro das chamas ameaça parque com maior concentração de onças-pintadas do mundo

Mais de 1,6 milhão de hectares já foram consumidos pelo fogo no Pantanal apenas nos últimos dois meses e chamas avançam sobre refúgios da biodiversidade

Duda Menegassi ·
8 de setembro de 2020 · 4 anos atrás
O avanço das queimadas no Pantanal ameaça refúgios da fauna. Foto: Ailton Lara

O Pantanal está em chamas e o fogo que já comprometeu áreas importantes para conservação da arara-azul ainda avança e agora chega ao local com a maior ocorrência por km² de onças-pintadas do mundo. Os 108 mil hectares do Parque Estadual do Encontro das Águas estão sob ameaça de um outro encontro – o das chamas. Uma frente do fogo avança pela rodovia Transpantaneira, ao norte do parque, enquanto a outra vem do vizinho Mato Grosso do Sul, ao sul. O combate feito pela Operação Pantanal II conta com cinco aeronaves e com equipes do Corpo de Bombeiros, do ICMBio, Ibama e da Secretaria de Meio Ambiente do Estado, e um efetivo atual de 122 profissionais, além do apoio voluntário de moradores e guias de turismo engajados na defesa do Pantanal contra a força dos incêndios que vêm devastando o bioma.

O último boletim sobre a Operação, feito na noite de segunda-feira (07), informa que as equipes seguem empenhadas no combate aos incêndios florestais que estão ativos na região do Sesc Porto Cercado, onde está a Reserva Particular do Patrimônio Natural Sesc Pantanal, e na região da Estrada Transpantaneira. Segundo o boletim, haverá um incremento de mais duas guarnições com 45 brigadistas equipadas com viaturas e materiais de combate para reforçar as ações de intervenção no parque, onde o combate será priorizado na região leste. As equipes foram enviadas na noite de ontem ao local para dar início ao combate.

“O proprietário da Fazenda São João disponibilizou ainda maquinários, pipas e tratores para emprego no combate e controle do incêndio dentro do Parque Estadual Encontro das Águas. Também será feito o teste do uso do retardante em uma área estratégica do parque”, descreve o boletim com relação à estratégia de combate na área protegida.

Parque Estadual do Encontro das Águas registra a maior concentração de onças-pintadas do mundo. Foto: Ailton Lara

O Parque Estadual Encontro das Águas está localizado no Mato Grosso, próximo a divisa com o Mato Grosso do Sul, a 102 km de Cuiabá, entre os municípios de Barão de Melgaço e Poconé.

“Esse fogo vem queimando há muito tempo no Mato Grosso do Sul e o rio Piquiri divide os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e quando esse fogo pulou o rio, já pegou o parque, e começou a queimar o parque. Agora esse fogo vai se encontrar com o fogo da Transpantaneira também. Esse fogo vai se encontrar. E já está queimando”, conta o guia de ecoturismo Ailton Lara, dono de uma pousada em Porto Jofre, município onde está localizada a unidade de conservação.

Voluntários da AECOPAN se mobilizam no combate aos incêndios no Pantanal. Foto: Ailton Lara

Ele conta que os guias e operadores de turismo da região se organizaram através da AECOPAN (Associação de Ecoturismo do Pantanal Norte) para mobilizar frentes voluntárias de combate aos incêndios no parque e arredores. Segundo Ailton, há cerca de um mês o grupo de brigadistas voluntários já tinha ido a campo impedir o fogo de entrar na área protegida que representa não apenas um importante santuário para biodiversidade, mas também significa a fonte de renda para quem trabalha principalmente com a observação de onça-pintada (Panthera onca). A maior concentração da espécie acostumada com a presença humana está justamente dentro do parque.

“Já tem um mês que eu estou alertando. Dá dó de ver o parque em chamas assim, dá pena. É a primeira vez que eu vejo um fogo dessa magnitude. É um fogo muito forte. Você apaga ele, mas tem o fogo subterrâneo e têm as fagulhas que vão a 200 metros ou mais queimando. É complicado. O fogo está descontrolado, o que tem que fazer é prevenir que ele atinja algumas áreas do parque. Um hectare que proteger ali já é um ganho danado”, aponta o guia de ecoturismo.

“Esse parque tem uma riqueza biológica muito grande, é onde mais tem onça-pintada no planeta, e além da parte biológica tem a parte econômica também”, acrescenta.

Combate aéreo ao incêndio no Parque Estadual Encontro das Águas. Foto: Mario Friedlander/AECOPAN

Segundo os dados do Programa de Queimadas, realizado pelo Inpe, até esta segunda-feira (07/09), o ano de 2020 já contabilizava 12.042 focos de calor no bioma, um número que já é 20% superior ao contabilizado ao longo de 2019 inteiro (10.025 focos). De 01 de janeiro até 07 de setembro, em 2009, o Pantanal contabilizou apenas 3.476 focos de calor. O número atual é 246% superior ao mesmo período do ano passado.

O mês de agosto de 2020, com 5.935 focos, foi o maior registro para o período desde 2005 e marca um aumento de 251% em relação a agosto de 2019, quando foram detectados 1.690 focos.

Em setembro, até o momento são 1.889 focos de calor registrados em apenas 7 dias, mais do que a metade do que foi contabilizado no mês de setembro inteiro no ano de 2019 (2.887 focos).

A extensão das queimadas

De acordo com o monitoramento realizado pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), o Pantanal já teve 2,3 milhões de hectares atingidos pelo fogo em 2020, entre 1º de janeiro e 7 de setembro, o equivalente a duas vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. Somente nos últimos dois meses – julho e agosto – foram 1.654.000 hectares impactados pelas chamas no bioma.

No estado do Mato Grosso, 1,2 milhão de hectares do bioma pantaneiro foram consumidos pelo fogo desde o início do ano. No vizinho, Mato Grosso do Sul, foram atingidos outros 1,08 milhão de hectares. Os dados do LASA, batizado de ALARMES, são fruto de um monitoramento pioneiro desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda em fase inicial de validação, e apresentam uma margem de erro de 20%.

Monitoramento feito pelo LASA, em destaque, a região do parque, delimitado em branco. Elaborado por Júlia Rodrigues e Liz Barreto/LASA UFRJ

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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