Desde o início do novo governo, na última semana, a palavra “transversalidade” vem sendo repetida por diferentes membros da gestão Lula (PT) quando o assunto é o trato que será dado à pauta ambiental. Do vice-presidente Geraldo Alckmin (que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), aos ministros Rui Costa (Casa Civil), Carlos Fávaro (Agricultura), Fernando Haddad (Fazenda), Flávio Dino (Justiça), e a própria Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), todos incorporaram o assunto em seus discursos de posse.
“A transversalidade não é mais um desejo, um sonho, é uma realidade, descrita nas estruturas organizacionais de todas as novas pastas da Esplanada”, disse a ministra do Meio Ambiente.
O conceito de transversalidade – aquilo que atravessa, cruza – aplicado à política ambiental foi esboçado pela primeira vez no início dos anos 2000, pela pesquisadora e servidora pública Roberta Graf, em sua tese de doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp). No trabalho, a “Política Ambiental Transversal” era apresentada como a “internalização da sustentabilidade sócio-ambiental no conjunto das políticas públicas”.
“A política ambiental transversal é a inserção (internalização) dos critérios ou prioridades socioambientais / ecológicos em todas as políticas públicas, principalmente as econômicas, de produção – industrial, agrícola, etc – de desenvolvimento, de planejamento”, explicou Graf, a ((o))eco.
Os primeiros sinais de como a agenda foi colocada em prática pelo atual governo Lula foram dados com a publicação da Medida Provisória 1.154/2023, que estabelece a organização básica das 31 pastas e seis órgãos da Presidência da República com status de Ministério. Além da MP, os 31 decretos que detalham como cada Ministério vai funcionar ajudam nesse processo.
Na estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por exemplo, aparece a nova competência de apoio a conflitos envolvendo indígenas. O texto do decreto relacionado à pasta também cria a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal, departamento subordinado ao órgão.
No novo Ministério da Igualdade Racial foi incluída a competência para tratar de políticas relacionadas a povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. No Ministério do Desenvolvimento, foi criada uma Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, e na Advocacia Geral da União, uma Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente.
Ministério da Cultura (Decreto 11.336/2023) – Recebeu a função de dar “assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Incra nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural das comunidades dos quilombos”.
Ministério da Justiça e Segurança Pública (Decreto 11.348/2023) – Aparecem novas competências, como a de dar apoio a conflitos indígenas. Polícia Federal, que é vinculada à pasta, ganhou uma Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente.
Ministério da Igualdade Racial (Decreto 11.346/2023) – Recebeu nova competência: a de tratar de políticas relacionadas a povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais.
Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (Decreto 11.338/2023) – será responsável pelo reconhecimento de territórios quilombolas e outros territórios tradicionais. Incra ficará neste ministério.
Ministério dos Povos Indígenas (Decreto 11.355/2023) – Novo ministério, que traz uma Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, responsável pela implementação da política sobre o tema (PNGATI) e por temas como Justiça Climática. Funai ficará vinculada a este ministério.
Ministério das Relações Exteriores (Decreto 11.357/2023) – retoma a Secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente, extinta pelo Governo Bolsonaro e cria os seguintes departamentos: Departamento de Clima; Departamento de Energia; e Departamento de Meio Ambiente.
Ministério da Fazenda (Decreto 11.344/2023) – Ganhou as Subsecretarias de Financiamento ao Desenvolvimento Sustentável, Subsecretaria de Política Agrícola e Negócios Agroambientais e a Subsecretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável. A este ministério caberá a responsabilidade de gerir os mecanismos financeiros de interface nacional e internacional relacionados ao meio ambiente, como o Fundo Verde do Clima.
Ministério da Ciência e Tecnologia (Decreto 11.334/2023) – ganhou uma Subsecretaria de Ciência e Tecnologia para a Amazônia e um Departamento para o Clima e Sustentabilidade dentro da Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos (já existente).
Ministério de Minas e Energia (Decreto 11.350/2023) – ganhou uma assessoria especial de meio ambiente no Gabinete do Ministro e uma Secretaria de Planejamento e Transição Energética
Advocacia Geral da União (Decreto 11.328/2023) – ganhou uma Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente.
Fonte: Política por Inteiro – Instituto Talanoa
Sugestão antiga
A ideia de que a agenda ambiental deve ser tratada com transversalidade no ambiente público não é nova para Marina Silva. Desde 2003, quando assumiu pela primeira vez o comando da pasta ambiental, ela defende a proposta: em seu discurso de posse, naquele ano, o termo foi citado quatro vezes.
No vídeo abaixo, de 2010, ela também detalha como o tema foi sugerido para Lula como uma das quatro diretrizes a serem seguidas em sua primeira gestão à frente do Ministério.
O crédito sobre a criação do conceito não foi dado à servidora Roberta Graf na época, erro que foi corrigido na última quarta-feira (04), no discurso de posse de Marina Silva.
O fato é que a ministra, ao longo de sua primeira permanência à frente da pasta ambiental, não conseguiu garantir que o meio ambiente fosse tratado como pilar para a construção de projetos e políticas de todo o governo.
Na verdade, esta visão a isolou, como lembra a jornalista Cristina Amorim, que cobre questões climáticas e ambientais há 20 anos. “Mover todas as peças em torno da transversalidade real da pauta ambiental vai exigir da Marina de hoje a força e a habilidade políticas que faltaram quinze anos atrás. Também coloca à prova o apoio de Lula ao novo MMA. De pouco vale ampliar o espaço para a ministra se os mesmos erros de outrora se repetirem no presente”, defendeu ela, em artigo publicado na última sexta-feira, na revista Piauí.
Como mostrou a análise feita pelo Projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa – no box acima – os primeiros passos para a concretização da transversalidade foram dados. O que vai ser preciso monitorar agora, será a forma como ela de fato será retirada do papel, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto.
“Tratando da transversalidade na política do clima, por exemplo, a meu ver, ela requer que todos os ministros sejam ministros climáticos. Para tanto, precisamos de compromissos e planos de cada um deles e isso ainda está por vir. Vimos departamentos climáticos sendo espalhados em diferentes pastas, o que é positivo, mas ainda precisamos saber quem serão as lideranças e que nível de compromisso será aplicado”, disse, em entrevista a ((o))eco.
Segundo ela, também será preciso ainda definir efetivamente as estruturas de coordenação federativa e ministerial, como é o caso do Conselho Nacional de Mudança do Clima, que aparece em decreto, mas ainda não ganhou vida.
“Mecanismos de coordenação são fundamentais para a chamada transversalidade decolar”, finaliza.
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Essa ideia de transversalidade (e não só quanto a ambiente e clima) implica pensar o governo federal como administração conjunta e unificada de um país, em lugar de um aglomerado de departamentos independentes um do outro. Pensando nisso, me vem à mente a ideia muito similar de transdisciplinaridade ou interdisciplinaridade, presente nas diretrizes mais modernas de educação. Devemos aprender integrando diferentes disciplinas e visões de mundo; devemos conduzir umpaís na sua inteireza para buscarmos um futuro integralmente justo.