Reportagens

Estudo mostra que rejeitos da barragem de Brumadinho “mataram” o rio Paraopeba

Fundação SOS Mata Atlântica coletou e analisou amostra de água 34 pontos ao longo de 335 km, desde o Córrego do Feijão até o Alto São Francisco

Evanildo da Silveira ·
30 de abril de 2019 · 6 anos atrás
SOS Mata Atlântica analisa a qualidade da água do rio Paraopeba. Foto: Gaspar Nobrega.

As 14 milhões de toneladas de lama e rejeitos de minério liberadas com o rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, no dia 25 de fevereiro, mataram, além de pelo menos 233 pessoas, vários trechos do rio Paraopeba, um dos principais formadores do Rio São Francisco e responsável pelo abastecimento de 2,3 milhões de pessoas, inclusive da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A conclusão é de um estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica, em duas expedições, uma entre os dias 31 de janeiro e 9 de fevereiro e outra de 8 a 14 de março.

Segundo Malu Ribeiro, especialista em Recursos Hídricos da Fundação SOS Mata Atlântica, coordenadora do trabalho, na primeira expedição pelo Rio Paraopeba, foram coletadas amostras da água em 22 pontos, ao longo de um trecho de 305 km, desde o local onde ele recebe as águas – agora com rejeitos – do Córrego do Feijão, na região de Brumadinho, até o Reservatório de Retiro Baixo, entre os municípios de Felixlândia e Pompéu, em Minas Gerais. Na segunda, foram analisadas amostras de 12 locais, em 120 km entre esse último local e o Reservatório de Três Marias, no Alto São Francisco.

O professor do curso de Engenharia Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Arnaldo Carlos Muller, lembra que Rio Paraopeba, que em tupi significa “afluente raso do rio grande”, nasce a sudeste de Minas Gerais, passa pela região metropolitana de Belo Horizonte e depois segue a noroeste do Estado, passa pela represa de Retiro Baixo e desemboca na da Usina Hidrelétrica de Três, Marias, numa extensão de pouco mais de 500 km.

De acordo com Muller, o desastre de Brumadinho teve maior importância por ter ocorrido pouco tempo depois do de Mariana. “Este último teve suficiente gravidade para alertar, especialmente a mineradora Vale, para os riscos da ocorrência desses eventos”, diz. “Em Minas Gerais se diz que se uma porta é arrombada, ainda assim há que se colocar nela uma tramela. Os mineiros da Vale não se cuidaram, e novas mortes aconteceram em Brumadinho. Será que foram tomadas providências em outras barragens?”

As águas do rio Paraopeba estão impróprias para qualquer uso, diz Malu Ribeiro. Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.

De acordo com Malu, o tsunami de lama e rejeitos de minérios carreou para o Paraopeba árvores e animais mortos, restos de casas, fossas sépticas e bactérias. “Esse material tornou as águas do rio Paraopeba impróprias para qualquer uso”, diz. “Ele perdeu a condição de importante manancial de abastecimento público e usos múltiplos. Não foi um acidente, mas um dano ambiental causado por um crime, por causa da falta de ações preventivas e do cumprimento da legislação.”

Os resultados das análises da água do Rio Paraopeba são graves. Das 22 amostras coletadas na primeira expedição, 10 apresentaram condição ruim e 12, péssima. “Além disso, foram encontrados metais pesados na água, como manganês, cobre e cromo em níveis muito acima dos limites máximos definidos pela legislação”, conta Malu. As análises constataram ainda que o índice de oxigenação do rio é de 1,9, quando o mínimo necessário para haver qualidade de vida aquática é 5 e o aceitável, 8.

No caso da turbidez do rio, medida que identifica a presença de partículas em suspensão na água, o estudo mostrou que ela está 6,5 vezes maior que o normal do Paraopeba, cujo índice variava de 56 a 66. Agora está em 366. Em águas turvas e sem oxigênio não há seres vivos, por isso se diz que o rio está morto, embora ele próprio não tenha vida. Mas o problema não está só na água. Os rejeitos e a lama da barragem rompida também destruíram 112 hectares de florestas na região de Brumadinho, das quais 55 eram áreas bem preservadas.

Na segunda expedição, dos 12 pontos analisados, nove estavam em condição ruim e três, regular, o que também torna o trecho do rio Paraopeba abaixo do Reservatório de Retiro Baixo impróprio para qualquer uso humano. A turbidez, por sua vez, está de duas a seis vezes mais alta do que o que estabelece a legislação. Além disso, igualmente as concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre estão acima do que a lei permite, o que mostra que os rejeitos de minério já estão causando impacto no Alto São Francisco.

Malu Ribeiro, coordenadora do programa água da SOS, Marta Marcondes e Marcelo Naufal, em Esmeraldas. Crédito: Tiago Felix.

Apesar desses resultados, Muller, da PUC do Paraná, não concorda com a decretação da morte do Paraopeba. “A Fundação SOS Mata Atlântica viu o rio vivo, fez algum estudo antes do evento ocorrer?”, questiona. “Ele não está morto. Está ferido, e enquanto suas águas estiverem correndo, há esperança de se recuperar. Mas esse rio precisa de curativos eficientes e objetivos para que sua recuperação ocorra rapidamente, caso contrário restará um ser vivo com uma forte cicatriz, que lhe marcará permanentemente. Ainda assim, continuará vivo.”

Também para Malu, a remediação é possível e imprescindível. “Primeiro é preciso ressarcir as vítimas e retirar os rejeitos assim que cessarem às buscas por corpos humanos”, diz. “Também é necessário fazer a contenção do material, com o redesenho com curvas de nível e gradeamento, para que as chuvas não voltem a carreá-lo para o rio. O ideal é que o material seja recolocado no local de origem na mina, de forma segura, tecnicamente bem elaborada e monitorada.”

Depois, ela diz, é preciso um plano integrado de revitalização desse trecho bacia, com restauração das matas ciliares, com 100% de coleta e tratamento de esgoto em todos os municípios ribeirinhos, porque o Rio Paraopeba perdeu sua capacidade de diluir poluentes. “É prematuro falar em prazos para isso”, explica. “Basta ver a bacia do Rio Doce. Passados três anos do acidente de Mariana, os rejeitos continuam impactando a área costeira, tendo chegado até o arquipélago de Abrolhos, a cerca de 75 km da costa.”

Galeria: Expedição analisa a qualidade das águas pós rompimento de barragem

Água cor de barro. Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.
Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.
Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.
Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.
Pegadas na lama. Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica.

 

 

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Comentários 5

  1. Cuca Beludo diz:

    Como se o rio Paraopeba fosse um exemplo de conservação…

    A história é mais ou menos assim, um avião caiu no cemitério, encontraram 3 mil corpos.


  2. Cícero Lima diz:

    Apesar da seriedade do SOS Mata Atlântica os termos do Rio Paraopeba estar morto é sensacionalista e as ponderações do Muller da PUC do Paraná são mais sensatas! É momento de cobrar a reabilitação e monitorar!


  3. Ricardo diz:

    Por isso que os ambientalistas apanham.. Fazem terrorismo. O rio não "morreu". Se entrar no site da ANA, IGAM, etc da pra ver o que é verdade.


    1. joao diz:

      sou vitima da lama de mariana sr ricardo ainda estou na fila pra receber meus direitos de pescador profissional a vale nao pagou esta enrolando
      quero saber de vossa senhora se o sr vai me pagar ou vai calar esta sua boca de sacola


  4. Paulo diz:

    Mais um crime contra o patrimonio Brasileiro.