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Expansão portuária demanda medidas para proteger baleias na costa brasileira

Cientistas apontam medidas para reduzir os impactos sobre as populações crescentes dos animais, vítimas de atropelamentos, encalhes e redes de pesca

Aldem Bourscheit ·
14 de fevereiro de 2022 · 3 anos atrás

O Brasil tem 175 portos públicos e privados de cargas, 76 em rios e 99 voltados para o Oceano Atlântico. Tais estruturas são a espinha dorsal das exportações nacionais. Investimentos de R$ 150 bilhões anunciados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para os próximos 15 anos podem catapultar o número de terminais e a circulação de embarcações. Junto, crescem as ameaças de atropelamentos e de outras consequências para baleias e demais espécies marinhas.

A Jubarte e a Franca são baleias que se reproduzem e alimentam suas crias durante o inverno no litoral brasileiro. No verão, voltam às águas frias e fartas em comida da Antártica. A Jubarte frequenta sobretudo o Banco dos Abrolhos, da Bahia ao Espírito Santo. A Franca, o litoral catarinense. Suas populações cresceram com o fim da caça. Ainda ameaçadas de extinção, as Francas somam quase 600 animais. As Jubartes já são por volta de 25 mil, número semelhante ao estimado há dois séculos. 

Não há estatísticas para atropelamentos de baleias por barcos no Brasil, mas estudos apontam choques no país e no mundo desde os anos 1800. Muitos casos ocorrem longe da costa ou da fiscalização. Animais feridos por cascos e hélices podem morrer em alto mar e nunca ser encontrados. Em junho passado, uma Jubarte quase virou um barco na Baía da Guanabara (RJ). Mais baleias e mais barcos transitando inflam as chances de acidentes. 

“A ocupação desordenada da costa e o tráfego de embarcações podem comprometer a área de uso das espécies. O fato é que as populações vêm crescendo e isso pode ampliar sua área de ocorrência, podendo surgir problemas em função disso”, destacou Karina Groch, diretora de Pesquisa do Projeto Franca Austral e doutora em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Medidas são desenvolvidas e adotadas no Brasil e em outros países para reduzir choques entre os grandes mamíferos e embarcações, cuja circulação global é frenética (confira aqui). Em Imbituba (SC), desde 2009 baleias-francas são monitoradas frente ao desenvolvimento do terminal. Já no Banco dos Abrolhos, observadores durante o dia e câmeras térmicas à noite desviam barcos carregados de celulose das rotas usadas pelos animais. 

Baleias-francas, mãe e filhote, em Abrolhos, Bahia. Foto: Rosely Miranda/Wikimédia.

“As imagens captadas pelas câmeras são analisadas por um software que ‘aprendeu’ a identificar as baleias durante a noite. Observadores treinados desde 2004 identificam as situações de risco para que embarcações reduzam a velocidade e mudem de direção”, explicou Milton Marcondes, diretor de Pesquisa no Instituto Baleia Jubarte e membro do Comitê Científico da Comissão Internacional da Baleia.

Em Ilhabela, a 200 quilômetros da capital São Paulo, a entidade desenhou uma proposta para que navios se aproximem do porto com menor velocidade e por rotas seguras para as baleias. A prática voluntária precisa ser adotada pela autoridade portuária e pode ser expandida para outros terminais. O projeto é inspirado no trabalho da Great Whale Conservancy, dos Estados Unidos.

A ONG desenha trajetos para a aproximação de navios até portos em países como Chile, Grécia e México cruzando dados de parceiros locais, sobre rotas de espécies de cetáceos, e de mapas com trajetos de navios. Como são voluntárias, as medidas podem ser adotadas rapidamente e não dependem de novas leis e normas, de investimentos públicos e privados. 

“As rotas são ajustadas conforme muda a movimentação anual das baleias, por fatores como clima e estoques de alimentos. Evitar colisões é bom para os animais e também para os negócios e marketing das empresas portuárias e de navegação”, contou a ((o))eco o diretor-executivo da entidade, Michael Fishbach, desde Baixa Califórnia (México), enquanto atuava na proteção de baleias-azuis.

Outros portos no continente americano têm reduzido ameaças às baleias. Navios deixam o Canal do Panamá rumo ao Pacífico por uma via única, reduzindo as chances de colisões com os animais. Terminais em cidades estadunidenses como São Francisco e Boston mudaram o trajeto de embarcações desde a borda da plataforma continental, onde circulam maiores espécies de baleias. 

Encalhes e redes 

Apontado por especialistas como um “ano atípico”, 2021 teve recordes de avistamentos, encalhes, emalhes e mortes de baleias no litoral brasileiro. Sessenta Jubartes ficaram presas em redes de pesca e 230 encalharam no país. Mais da metade dos incidentes ocorreu nos litorais de São Paulo e de Santa Catarina. Os emalhes superaram os números da última década. Em média, menos de 3 Francas encalham por ano.

Uma baleia-jubarte morta, em Florianópolis, em abril de 2021. Corpo do animal foi rebocado. Foto: Nilson Coelho/R3 Animal.

A movimentação das populações crescentes de baleias muda de acordo com a oferta de alimento ao longo da costa, especialmente o krill. Quantidade e a distribuição desses micro camarões variam com fenômenos climáticos que aquecem ou resfriam as águas marinhas. Assim, mais baleias podem encalhar ou ficarem presas em equipamentos de pescarias enquanto buscam comida. Filhotes e jovens são as maiores vítimas. Equipamentos danificados ou levados pelos animais interrompem pescarias e prejudicam a indústria e os pescadores.  

“Alguns animais presos em redes de pesca morrem afogados em pouco tempo (baleias têm pulmões e respiram como nós). Outros podem sofrer por meses com equipamentos presos na cabeça, impedindo sua alimentação. Nadadeiras amputadas e cortes provocados por embarcações e a ingestão de lixo prolongam seu sofrimento e ameaçam populações, sobretudo as reduzidas”, destacou Milton Marcondes, do Instituto Baleia Jubarte. 

Além das grandes Francas e Jubartes, cujos adultos podem chegar respectivamente a 60 toneladas e a 40 toneladas, na costa brasileira são encontradas espécies menores e mais discretas, como as baleias de Minke e de Bryde. Conforme Marcondes, proteger esses animais também depende de um melhor licenciamento de atividades náuticas e portuárias.

“Depois de instalados, terminais e portos aumentam a poluição sonora e por combustíveis e as chances de atropelamentos, impactos muitas vezes não bem dimensionados nos estudos ambientais”, completou o pesquisador. A legislação brasileira protege os cetáceos em toda a costa e as águas sob jurisdição do país são um santuário para baleias e golfinhos, desde 2008

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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