Mesmo com os mercados internacionais fechando cada vez mais o cerco sobre a cadeia da pecuária na Amazônia, a maioria dos frigoríficos instalados na floresta tropical brasileira ainda falha em controlar a origem do gado que compram. E mais: se negam a dar transparência para que a sociedade civil preencha essa lacuna deixada por eles.
Em meados de 2023, 132 empresas da indústria da carne e 69 redes varejistas e supermercados foram convidados a participar de um estudo para mostrar se suas políticas garantem que a carne que comercializam não está ligada ao desmatamento na Amazônia. Nenhum dos frigoríficos quis participar e apenas 3 redes varejistas responderam à pesquisa. Nenhum desses varejistas, contudo, autorizou a divulgação dos resultados.
Os dados, divulgados nesta quarta-feira (8), são do novo ciclo de análises do Radar Verde, ferramenta que avalia a efetividade das políticas de controle ambiental de frigoríficos e varejistas no país.
O Radar Verde é desenvolvido de forma independente pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e pelo Instituto O Mundo Que Queremos (OMQQ), é o primeiro a colocar os fornecedores indiretos na equação.
“O desmatamento é uma ameaça sistêmica à economia brasileira, pois diminui as chuvas, que são essenciais para o agronegócio, para a geração de energia, o abastecimento industrial e dos lares. A pecuária bovina é a principal atividade responsável pelo desmatamento na Amazônia Legal, ocupando cerca de 90% da área desmatada, sendo que mais de 90% do desmatamento é ilegal”, diz Paulo Barreto, coordenador do Radar Verde e pesquisador associado do Imazon.
Frigoríficos
Neste ciclo de análises, os frigoríficos foram avaliados em três critérios: Grau de Transparência Pública, Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento e Grau de Controle da Cadeia.
Para verificar o Grau de Transparência Pública, o Radar Verde analisou, para cada um dos 132 frigoríficos, a existência de plataformas online das empresas e a qualidade dos dados fornecidos.
O resultado encontrado foi que 99% das empresas analisadas tiveram grau de transparência baixo ou muito baixo. Apenas 1% obteve classificação com grau de controle intermediário.
Não é pra menos, dos 132 frigoríficos analisados, apenas 38 possuíam um site em funcionamento. Os 94 restantes não possuíam página própria ou o site estava em manutenção durante o período de análise.
“A transparência é uma prestação de contas das empresas frigoríficas e varejistas para os consumidores e investidores. Saber o status do setor com relação ao controle de fornecedores é fundamental para compreendermos a evolução do Brasil na busca por eliminar o desmatamento da cadeia da pecuária”, afirma Alexandre Mansur, coordenador do Radar Verde e diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos.
Em relação ao Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento, a análise identificou que todas as empresas analisadas possuem fornecedores em áreas de risco. Dentre os frigoríficos com maior grau de exposição estão gigantes da indústria: JBS S/A, Masterboi LTDA, Minerva e Mercúrio Alimentos S/A.
Já o Grau de Controle da Cadeia seria medido através da aplicação de questionários, mas, como indicado anteriormente, nenhuma empresa respondeu à análise.
Varejistas
As redes varejistas e supermercados foram analisadas em dois critérios: Grau de Transparência Pública e Grau de Controle da Cadeia.
No Grau de Transparência Pública, 95,65% obtiveram classificação com grau de controle muito baixo, 2,89% obtiveram grau de controle baixo e apenas 1,44% obteve classificação com grau de controle intermediário.
Dos 69 varejistas, apenas 47 (68%) possuíam site ativo no período da análise. s 22 (32%) restantes não tinham informações públicas ou o site estava em manutenção
Os varejistas com os melhores resultados no Grau de Transparência Pública são: GPA, Assaí, Carrefour e Cencosud Brasil. Essas empresas foram as únicas que demonstraram controle das fazendas fornecedoras diretas, as que entregam os bois para as plantas de abate. Não há monitoramento sobre os indiretos.
Já o critério Grau de Controle da Cadeia, realizado por meio de questionário, foi possível de ser analisado em apenas três empresas: Assaí Atacadista, Carrefour e GPA, que toparam responder as perguntas, mas não autorizaram a divulgação dos resultados.
O Radar Verde
Criado em 2022, o Radar Verde é um indicador público e independente de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil que busca dar visibilidade às empresas compromissadas com a redução do desmatamento na Amazônia Legal.
Ele avalia iniciativas de frigoríficos e supermercados, em todas as etapas de sua cadeia de fornecedores, que indiquem seu grau de comprometimento com a garantia de que a carne bovina que compram e vendem não está relacionada ao desmatamento da Amazônia Legal. O índice classifica anualmente os frigoríficos e supermercados de acordo com o grau de controle e transparência sobre sua cadeia da carne.
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