Reportagens

Governo agonizante reduz a proteção de espécies que podem sumir do mapa

Medidas publicadas no ocaso da extrema-direita no poder afagam interesses comerciais, dão margem a caçadas e ampliam os riscos à extinção de animais e plantas silvestres

Aldem Bourscheit ·
20 de dezembro de 2022 · 2 anos atrás

Faltando uma dezena de dias para seu fim, o atual governo segue publicando medidas contra o patrimônio natural dos brasileiros. Uma delas aumentou o risco de extinção de animais e plantas nativos. Especialistas ouvidos por ((o))eco avaliam a situação e apostam que a medida será incluída no “revogaço” previsto para o início de 2023, quando o novo governo entra em cena.

Para Tânia de Souza, diretora-executiva da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), tais atos são bancados por negacionistas da ciência ou por quem acredita que seguirá governando a partir do próximo ano. Também são tentativas de beneficiar setores anti-ambientais e de tumultuar a transição entre os ocupantes do Palácio do Planalto. 

“Isso gera novas expectativas de impunidade e aumenta a lista de medidas a serem revogadas ou refeitas pelo novo governo. Estão plantando problemas para a próxima administração”, destaca a servidora do Ministério do Meio Ambiente.

Nessa linha, um suposto programa de conservação criado no último dia 14 está tirando o sono de conservacionistas. Afinal, a portaria assinada pelo ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) revogou regras protetoras vigorando desde 2014 e abriu lacunas sobre o uso de espécies em rota de extinção. Isso deixa atos públicos menos transparentes e privilegia interesses comerciais na exploração da biodiversidade, aponta o Instituto Talanoa.

“A norma atinge políticas e ações de conservação e deixa inúmeros pontos abertos para regulamentações que podem afrouxar ainda mais a proteção da biodiversidade. O Conserva+ [nome do programa] tem que ser revogado imediatamente”, destaca Ana Paula Prates, doutora em Ecologia Marinha pela Universidade de Brasília (UnB) e diretora de Políticas Públicas no Talanoa.

Além disso, a portaria abre a porteira para caçadas de animais nativos. Expressões como “manejo”, “uso sustentável” e “redução de conflitos” usadas em seu Artigo 14 estariam mascarando a possibilidade de que variadas espécies, no caso não ameaçadas de extinção, sejam alvo do tiroteio. A medida é alinhada a projetos tramitando no Congresso que liberam a caça esportiva no país.

“O artigo tem brechas inclusive para que seja autorizada a criação de determinadas espécies em áreas específicas para manejo econômico, ou seja, o estabelecimento de fazendas de caça. Isso terá grandes implicações jurídicas e no manejo de fauna no país”, avalia o biólogo Paulo Pizzi, presidente do Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais. A entidade integra uma campanha nacional contra a matança de animais silvestres. 

O possível aval às caçadas também bate de frente com os princípios da “administração pública” e da “legalidade”, pois o Ministério do Meio Ambiente não poderia agir contra a proteção da biodiversidade permitindo, mesmo que forma velada, a liberação da prática. Caçar animais nativos é legalmente proibido no Brasil e fere a Constituição Federal, avaliam as fontes ouvidas por ((o))eco.

Também foi publicada nos últimos dias uma nova lista nacional de animais e de plantas que podem sumir do mapa. A medida recupera algumas omissões de relações anteriores, como desprezar espécies de tubarões. Todavia, as atualizações passam a valer daqui a 180 dias, ou seja, até junho de 2023. Corrigir falhas como essa depende mais de esforço técnico do que de revogar normativas.

“Listas de espécies ameaçadas não podem ser simplesmente canceladas, têm que ser mantidas e revisadas com qualidade e prazo adequados pela rede de servidores e de cientistas, que segue ativa”, avalia Tânia de Souza, da Ascema. 

A situação é ainda mais preocupante porque as normas para espécies que podem ser extintas foram publicadas driblando estudos e técnicos dos órgãos ambientais federais. Isso agrava a pindaíba da gestão ambiental brasileira e o escanteio de servidores não alinhados com o desmonte de políticas e órgãos públicos patrocinado pelo atual governo, desde janeiro de 2019. 

“Esses ataques à gestão ambiental por meio de normas infralegais se somam ao pacote de destruição operacionalizado nos últimos quatro anos por Jair Bolsonaro (…). Tais medidas ocorrem no apagar das luzes do desgoverno e durante a Convenção de Biodiversidade da ONU [a COP15, encerrada em 19 de Dezembro, no Canadá]”, denuncia a Ascema.

Os derradeiros atos deste governo envolvem, como mostrou ((o))eco, um calote em bolsas de pesquisas de mestrado e de doutorado, bem como a liberação da retirada de madeira em terras indígenas, inclusive por pessoas e empresas estranhas a esses territórios.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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Comentários 1

  1. Paulo diz:

    Bom dia
    Não esqueçam no texto ,a palavra “espécie alvo”. Pura armação deste bando de politiqueiros que tem ódio da biodiversidade.