Em meio a tantos retrocessos em curso na política ambiental brasileira, o programa de ICMS Ecológico do estado do Rio de Janeiro ganhou musculatura este ano com o fortalecimento dos critérios qualitativos que definem o valor a ser repassado a cada município e o lançamento de um serviço web para tornar seus dados mais acessíveis ao público. O Observatório do ICMS Ecológico do Estado do Rio de Janeiro foi lançado em setembro último pela Secretaria Estadual do Ambiente e Sustentabilidade (Seas/RJ), procurando enfrentar de alguma forma o grave problema da baixa transparência generalizada nas prefeituras a respeito do que estão fazendo com o dinheiro recebido.
Criado em 2007 pela Lei 5.100, o ICMS Ecológico tornou-se o principal indutor de boas práticas na gestão ambiental dos municípios fluminenses e está repassando este ano R$ 229 milhões a 88 dos 92 municípios fluminenses. É o maior valor já distribuído desde que o programa iniciou em 2009 a transferência às prefeituras de 2,5% do montante destinado aos municípios no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O Rio é um dos 17 estados que instituíram legalmente o ICMS Ecológico, destinado a compensar as cidades pelas unidades de conservação existentes em seus territórios e incentivar o aprimoramento da gestão ambiental na esfera local.
No Rio de Janeiro, a parcela de 2,5% é repartida entre os municípios consoante a pontuação obtida no Índice Final de Conservação Ambiental (IFCA). O índice é calculado com base no desempenho do município em suas políticas de áreas protegidas, gestão dos resíduos sólidos e coleta e tratamento de esgoto. Quanto maior o IFCA de um município, mais recursos ele recebe. O IFCA é calculado e publicado pela Fundação Ceperj com base em análises realizadas pela Seas/RJ e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Um conjunto arrojado de modificações foi introduzido no mecanismo pelo Decreto Estadual nº 46.884/2019, publicado em 19 de dezembro de 2019. A principal novidade do decreto foi a criação do Índice de Qualidade do Sistema Municipal de Meio Ambiente (IQSMMA), voltado a incentivar a implementação e atualização dos planos da mata atlântica, de saneamento básico, resíduos sólidos e educação ambiental, o licenciamento ambiental municipal e legislação específica de repasse do ICMS Ecológico aos fundos municipais de meio ambiente.
Em Niterói, por exemplo, o quarto município mais bem posicionado no ranking do IFCA fluminense, 20% do repasse do ICMS Ecológico passou a ser destinado ao Fundo Municipal de Conservação Ambiental a partir de 2014, conforme decreto publicado no ano anterior. Já a prefeitura de Sapucaia, 12ª no IFCA, passou a transferir 100% do que recebe do mecanismo ao Fundo Municipal de Meio Ambiente a partir da edição de um decreto em 2016.
A pontuação das prefeituras no IQSMMA pode lhe valer bonificação extra de até 10% em cada um dos seis índices que compõem o cálculo do IFCA – os dois relacionados às áreas protegidas (um é especifico para as municipais), o de mananciais, o referentes à destinação dos resíduos sólidos, o de remediação de lixões e o que pontua o tratamento de esgoto. Também houve modificações nos critérios de pontuação dos índices de áreas protegidas, tratamento de esgoto e destino de resíduos sólidos, todas premiando o desempenho qualitativo dos gestores locais.
O Decreto Estadual 46.884/2019 promoveu uma série de mudanças na metodologia que orienta o cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental (IFCA), que baliza a repartição dos recursos do ICMS Ecológico entre os municípios fluminenses. Além da criação do Índice de Qualidade do Sistema Municipal de Meio Ambiente (IQSMMA), o decreto alterou critérios de avaliação e pontuação nos subíndices que formam o IFCA.
A principais inovações introduzidas no instrumento a partir de 2020 foram as seguintes:
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- Criação do Índice de Qualidade do Sistema Municipal de Meio Ambiente (IQSMMA);
- Aumento da pontuação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs);
- Redução da pontuação das áreas de proteção Ambiental (APAs), que são uma categoria menos restritiva de unidade de conservação;
- O critério “grau de implementação” passou a incluir programas e projetos que estimulam a produção científica sobre UCs e seu uso público;
- Aumento no repasse de verbas a cidades que incluem cooperativas de catadores na coleta seletiva, integrem consórcios para o destino do lixo a aterros sanitários licenciados e promovem a remediação (descontaminação) de seus lixões;
- Exigência de relatório de eficiência para cada estação de tratamento de esgoto (ETE) existente no município.
Segundo Erika Guimarães, ex-gerente de áreas protegidas da Fundação SOS Mata Atlântica, o estabelecimento de critérios de qualidade no ICMS Ecológico de Minas Gerais em 2005 estimulou prefeituras a investir dinheiro do instrumento no aprimoramento da gestão de suas UCs.
Ela também considera fundamental a cobrança da sociedade sobre os prefeitos: “O dinheiro não entra carimbado para ser investido em conservação, na agenda ambiental, na transição ecológica. Isso é uma coisa que depende de muita articulação da sociedade civil para exigir isso dos prefeitos, E isso está conectado com o tema da transparência”, comenta Erika. A SOS Mata Atlântica publicou em junho de 2019 um estudo sobre o papel do ICMS Ecológico na valorização das UCs municipais.
Variações nos repasses
A queda na arrecadação do ICMS causada pela crise econômica, que foi agravada pela pandemia da Covid-19, reduziu em 32%, para R$ 156 milhões, a previsão do valor a ser repassado aos municípios fluminenses em 2021, na comparação com 2020. É fácil, portanto, entender por que algumas cidades subiram no ranking do IFCA, mas apresentam estimativas substancialmente menores para sua parcela no ICMS Ecológico em 2021. Isto é, o bolo financeiro do instrumento ficou menor, implicando fatias mais modestas para cada cidade.
Oscilações no ranking do IFCA ou no aumento ou diminuição do repasse também podem acontecer em razão de outros fatores. A posição de uma cidade no ranking pode melhorar ou piorar em função do desempenho de outros municípios. Também afeta a pontuação a falta de documentos comprobatórios dos critérios avaliados.
Não houve pontuação, por exemplo, para sete municípios no IFCA divulgados em agosto, bússola para os repasses de 2021: Cambuci, Carmo, Italva, Itaperuna, Porciúncula, São Francisco de Itabapoana e Trajano de Moraes. Há, ainda, elementos involuntários, como a inexistência de mananciais de abastecimento na cidade, caso de Niterói, que sempre aparece com nota zero no quesito. Veja no fim do texto o ranking dos dez municípios mais bem pontuados nos seis subíndices do IFCA que será usado no ano fiscal 2021.
“Podemos afirmar que a qualidade das informações enviadas para a Secretaria faz toda a diferença no resultado da arrecadação do município. Ou seja, o município pode estar desenvolvendo um trabalho excepcional em diversos temas que podem pontuar no ICMS Ecológico, porém, caso não enviem as informações completas, o município terá seu IFCA reduzido e, consequentemente, uma arrecadação menor”, observa Barreto.
Prioridade para áreas protegidas em Niterói
Terceira maior economia do estado do Rio de Janeiro e população de 515 mil habitantes, Niterói vem se destacando desde 2017 no ICMS Ecológico fluminense por priorizar as áreas protegidas na sua política ambiental. A cidade saltou da 13ª posição em 2017 para a 5ª no ranking do programa em 2018, quando o estado lhe repassou R$ 6,3 milhões. Recebeu R$ 7,7 milhões em 2019, subindo para o quarto lugar no ranking, posição que manteve em 2020 e em 2021, que teve seu IFCA divulgado em agosto último.
O valor estimado para Niterói receber no próximo ano é R$ 5,6 milhões, 28% menos que em 2020. É uma queda expressiva, reflexo da previsão de menor arrecadação do ICMS em decorrência da crise econômica agravada pela pandemia de Covid-19. Como a retração atinge todos os municípios, Niterói permaneceu na quarta posição no ranking do IFCA.
Em torno de 60% do valor do ICMS Ecológico de Niterói em 2020 corresponde à boa pontuação registrada nos índices de áreas protegidas que compõem o cálculo do IFCA, efeito dos níveis satisfatórios de conservação e implementação de suas nove UCs – sete municipais e duas estaduais. De acordo com o Atlas das Unidades de Conservação do Município de Niterói, 56% do território de Niterói é composto por UCs e áreas ambientalmente protegidas pela legislação municipal de zoneamento.
“O ano de 2014 foi um divisor de águas para a cidade, uma vez que, com a criação do Programa Niterói Mais Verde, houve uma priorização das unidades de conservação e investimentos em diversos outros índices que impactam o ICFA”, diz Eurico Toledo, Secretário Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade de Niterói (SMARHS).
Conservação e saneamento destacam-se em Búzios
Com 35 mil habitantes e área de 69 km2, a pequena e paradisíaca Armação dos Búzios, situada no litoral fluminense, está recebendo este ano R$ 5,9 milhões do ICMS Ecológico, o que a colocou na sétima posição no ranking do programa, à frente de Angra dos Reis e Paraty. Seu repasse em 2020 supera em quase seis vezes o de 2010.
Os principais motivos do bom posicionamento de Búzios são o aumento significativo do número de UCs e a melhoria no tratamento do esgoto da cidade. Desde 2009, a prefeitura criou seis UCs municipais, que correspondem a 52,48% do território do município. A área protegida total sobe para 76% quando a conta inclui as duas UCs estaduais lá existentes.
Evanildo Cardoso Nascimento, biólogo da Secretaria do Meio Ambiente e Pesca de Armação de Búzios (Semap), conta que também influenciaram positivamente o IFCA da cidade o aprimoramento no tratamento do esgoto, projetos de educação ambiental, ações da guarda marítima e ambiental e a erradicação de um antigo vazadouro de lixo, que passou a ser enviado a um aterro sanitário licenciado na região.
Em dezembro de 2017, a concessionária que opera a estação de tratamento de esgoto introduziu o tratamento dos efluentes em nível terciário, em que há remoção de nitrogênio e fósforo e desinfecção por radiação ultravioleta (UV).
“Temos um potencial grande de nos mantermos no topo do IFCA, só depende de realizarmos as ações voltadas para as questões de saneamento, resíduos sólidos, unidades de conservação, educação ambiental e gestão ambiental com a estruturação do órgão ambiental municipal”, assinala o biólogo.
Sapucaia lidera ranking de remediação de lixão
Banhado pelo rio Paraíba do Sul, que o separa de Além Paraíba, em Minas Gerais, Sapucaia não pontuou nos índices de resíduos sólidos nos quatro primeiros anos do ICMS Ecológico porque o lixo era depositado em um vazadouro (lixão a céu aberto). A partir de 2013, porém, sua pontuação nos índices de destinação de resíduos sólidos (IrDR) e remediação de vazadouros (IrRV) tomou uma rota ascendente por conta da licença obtida para descontaminar o lixão local e da remessa do lixo da cidade a um aterro sanitário licenciado.
Os esforços da prefeitura estão sendo recompensados. No IFCA de 2021, publicado em agosto passado, Sapucaia ascendeu para a primeira posição no IrRV e a quarta no IrDR. Esses dois índices somados representam 65% do repasse do ICMS Ecológico estimado para o município no próximo ano, R$ 3,7 milhões, que o situa no 12º lugar no IFCA.
Também favorece a cidade no IFCA a existência de coleta seletiva de recicláveis e a coleta de óleo de cozinha. “Sapucaia conta com uma cooperativa de catadores que realiza este serviço. Um dos projetos é levar a cooperativa a todos os distritos, aumentando, assim, a coleta desses resíduos. Hoje a cooperativa atua somente no centro”, explica Laíze Rafaelle Aguiar dos Santos, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Sapucaia. Ela também destaca a décima posição de Sapucaia no Índice Relativo de Tratamento de Esgoto (IrTE) de 2021. Há duas ETEs na cidade.
Outra importante fonte de recursos do ICMS Ecológico para Sapucaia é sua rede de áreas protegidas. Além do parque municipal, criado em 2004, dez áreas de proteção ambiental (APAs) foram instituídas em 2013 pelo então prefeito. “Todas as nossas unidades de conservação são geridas conforme seus planos de manejo”, diz Laíze.
Os top 10 do ICMS Ecológico do RJ
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