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Lobistas formam a maior “delegação” do Tratado de Plásticos, três vezes superior à coalizão de cientistas

Repetindo o cenário da COP29, lobistas têm presença expressiva na reunião que decide o futuro da poluição plástica no planeta

Alice Martins Morais ·
27 de novembro de 2024

Busan, Coreia do Sul –  Embora sejam as campeãs na produção de plástico de uso único, empresas petroquímicas como as norte-americanas ExxonMobil e Dow estão nas salas de discussão que decidem como o planeta vai agir para combater a poluição plástica. No total, são 220 lobistas, número três vezes maior que a Coalizão de Cientistas, e eles não estão apenas de passagem, como mero observadores do evento, mas têm um espaço formal na mesa de discussões.

O levantamento foi feito pelo Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL), que mostrou que os 220 representantes da indústria de químicos e combustíveis fósseis estão registrados como participantes oficiais. De acordo com o CIEL, os lobistas estão espalhados por associações da própria indústria, que têm lugar garantido na reunião, mas também há 16 deles que são representantes oficiais de delegações como da China, República Dominicana, Egito e Irã.

A empresa norteamericana ExxonMobil, responsável por uma produção de 6 milhões de toneladas métricas (MMT) de plástico somente em 2021, tem cinco representantes no INC-5, enquanto sua conterrânea, a Dow, está com seis – esta produziu 5,3 MMT em 2021. “Essas pessoas estão aqui para assegurar que o plástico continue sustentando essa indústria. Isso nos dá uma sentença de morte global”, acusa Daniela Duran Gonzalez, membro do CIEL e ativista judicial sênior de Upstream (intervenções ligadas à extração da matéria prima) no Tratado.

A análise se refere à quinta e última sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, na sigla em inglês) do Tratado Global contra a Poluição Plástica, que está sendo realizada até domingo (1º) em Busan, Coreia do Sul. O número de lobistas é nove vezes maior que do fórum de povos indígenas e mais do que o dobro do que a soma de todos os representantes dos países insulares, os mais afetados pelas mudanças climáticas. Supera até mesmo a delegação do país anfitrião, que traz 140 representantes; e do Grupo da América Latina e Caribe (GRULAC), com 165 delegados. 

“Assim como vimos em algumas décadas de negociações sobre o clima, quando permitimos que os setores que lucram com a destruição do nosso planeta e das nossas comunidades escrevam as regras, ou se envolvam na redação das regras, sobre como resolver essas crises, não fazemos muito progresso”, diz Graham Forbes, líder da delegação do Greenpeace no INC-5. “Não podemos ter um punhado de executivos corporativos determinando o futuro de todos nós”, complementa.

“O progresso está lento demais”, admite presidente do comitê

Os avanços da negociação deveriam ser apresentados durante plenária da tarde de hoje (27), que se arrastou por 2h30 (prevista anteriormente para durar 1h), mas nenhum dos grupos de contato conseguiu avançar significativamente e até agora não há nenhuma proposta de texto fechada para o acordo. Faltando apenas quatro dias para a reunião finalizar, o próprio presidente do INC, o embaixador equatoriano Luis Vayas Valdivieso admitiu que o “o progresso está lento demais” e fez um apelo para que os países demonstrem flexibilidade e boa vontade. O presidente demandou que até sexta-feira (29) os grupos de trabalho (grupos de contato) apresentem um esboço (draft) do texto. “O mundo está nos observando e juntos podemos entregar resultados significativos”, declarou.

Nações como a Colômbia foram enfáticas em denunciar que “um reduzido grupo parece estar bloqueando a discussão”, conforme apontou Mauricio Cabrera Leal, vice-ministro de Políticas e Regulamentação Ambiental e chefe da delegação do país. “É preocupante a dificuldade em avançar mesmo em áreas que deveriam ser mais simples de se chegar a um consenso. Infelizmente nem todas as delegações estão tendo boa vontade”, acrescentou.

“Se falharmos em entregar um Tratado vinculante e forte, estaremos assinando um pacto de destruição para nossa população”, advertiu, ovacionado por palmas, Juan Carlos Monterrey Gómez, representante especial para as mudanças climáticas do Ministério do Ambiente do Panamá, também chefe de sua delegação.

Dmitry Kornilov, Chefe Adjunto da Divisão de Convenções Internacionais da Rússia. Foto: Divulgação/UNEP

Quando parecia que a plenária estava perto de acabar, começou mais uma série de discursos dos países, inclusive com alguns conhecidos como Like-Minded, produtores de petróleo, tomando a palavra várias vezes, como a Arábia Saudita, que fez declarações três vezes, repetindo pontos que fez desde a plenária inicial, como a defesa de que as decisões devem ser todas tomadas por consenso. Já Dmitry Kornilov, Chefe Adjunto da Divisão de Convenções Internacionais da Rússia, em uma das suas falas, defendeu-se: “é inaceitável quando um grupo de Estados acusa o outro. Acreditamos que o processo de negociação é um movimento mútuo dos países, não pode ser unilateral”.

Eirik Lindebjerg, líder global de Políticas de Plásticos do WWF, corrobora para o argumento de que é preciso garantir que uma parcela de países não atrapalhe a negociação. “A busca incessante por consenso só pode resultar em um tratado voluntário fraco, focado no gerenciamento de resíduos, que daria uma sentença de morte à vida neste planeta e às gerações futuras”, acredita.

Diante das repetições e do prolongamento da plenária, o Fórum dos Povos Indígenas sobre Plásticos (IIPFP) pediu também espaço. Após insistências, ao final o microfone foi concedido. O IIPFP é considerado uma ONG Observadora e, portanto, não têm direito a intervenções formais. “O pouco espaço que temos [no INC-5] é intencional. Passaram os países petroleiros na nossa frente hoje. Temos que trabalhar mais duro que todos os demais para termos nossas vozes ouvidas”, afirmou Lisa Bellanger, indígena dos Estados Unidos e liderança do IIPFP, em entrevista ao ((o))eco. 

isa Bellanger, indígena dos Estados Unidos e liderança do IIPFP, no centro, cercada por outros membros do Fórum. Créditos: Divulgação/UNEP

Mais de 1,5 mil em Busan marcharam em prol de um Tratado robusto.

Não tendo espaço formal nas salas de negociações, a sociedade civil tem buscado chamar a atenção em outros ambientes. No sábado (23), antes mesmo de iniciar o INC-5, o movimento Break Free From Plastic reuniu 1,5 mil pessoas de todas as idades em uma mobilização no Parque Olímpico de Busan, protestando por um Tratado de Plásticos robusto. “Estamos fazendo campanhas antes mesmo do INC-5 e nosso objetivo é que nossa voz seja ouvida pelo Governo da Coreia e pelo mundo. Vamos continuar fazendo isso até que eles respondam seriamente. E já estamos vendo resultado. Neste mês, foi a primeira vez que o Ministro do Meio Ambiente mencionou a necessidade de haver uma redução da produção de plásticos”, comemora Sammy Yu, que organizou a ação.

Já no domingo (24), uma petição assinada por mais de três milhões de pessoas foi entregue, liderada pelo WWF, Greenpeace e Break Free From Plastic, pedindo um tratado forte e ambicioso para reduzir a produção de plástico e proteger a saúde e o ambiente. O documento foi entregue para delegações da Ruanda e dos Estados Unidos.

  • Alice Martins Morais

    Jornalista freelancer e especialista em Comunicação Científica. Sua cobertura foca especialmente em temas relacionados ao Meio Ambiente, Ciência e Amazônia.

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