Reportagens

Malha de corredores transformará a conservação do Pantanal

Conectar a vegetação em paisagens naturais é fundamental para resguardar a biodiversidade, economias e culturas humanas

Aldem Bourscheit ·
20 de março de 2024

Implantar a legislação florestal brasileira nos estados pantaneiros reforçará a conservação do bioma por meio de sua interligação com outras regiões do Brasil e até de países vizinhos. A iniciativa é encabeçada por governos, academia, ongs e setor privado.

Os corredores ecológicos ganharam farto espaço na lei do Pantanal do Mato Grosso do Sul, em campo desde fevereiro. Na sua regulamentação, um decreto deste março sugere que a posição de reservas legais e de licenças para desmates ajudem a compor essas “rodovias verdes”.

“A legislação traz uma inovadora rede de corredores de biodiversidade, cuja vegetação nativa não poderá ser substituída por espécies exóticas”, diz Walfrido Tomás, doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Embrapa Pantanal, em Corumbá (MS).

Secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Mato Grosso do Sul, Artur Falcette explica que os corredores serão incorporados à avaliação de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), que servem à regularização ambiental de fazendas.

“Essa análise deixa de ser isolada para ajustar a posição das Reservas Legais junto a de propriedades vizinhas. É um ‘olhar de território’ para formar corredores em conjunto com as Áreas de Preservação Permanente (APPs)”, descreve. Essas áreas devem ser mantidas com vegetação em margens de rios e de nascentes e outras regiões sensíveis. 

Exemplos de corredores no Pantanal da Nhecolândia (acima), entre os rios Negro e Taquari, e na Bacia do Alto Paraguai. Em amarelo são remanescentes de vegetação nativa com ao menos 2 mil ha. Imagens: Embrapa Pantanal/Divulgação

Os corredores pantaneiros foram projetados pela Embrapa Pantanal em parceria com o WWF-Brasil. Inteligência Artificial ajudou a traçar as melhores rotas, sempre em faixas de ao menos 500 m de largura. Isso facilitará o vai-e-vém de animais de grande a pequeno porte por áreas públicas e privadas. 

Como a projeção abraça o Pantanal e porções de Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado na Bacia do Alto Rio Paraguai, além de parcelas no Paraguai e Bolívia, recuperar áreas degradadas não é uma carta fora do baralho. “Os corredores ajudarão a identificar áreas prioritárias para recomposição, sobretudo fora do Pantanal”, conta Walfrido Tomás. 

Com grande maioria do território em fazendas e menos de 5% da área em unidades de conservação federais, estaduais e municipais, o Pantanal ainda é o bioma mais íntegro do país – com 85% conservados – graças ao cenário econômico focado na pecuária extensiva em pastagens nativas. Todavia, nascentes e Cerrado em seu entorno estão muito degradados e desmatados.

Enquanto o desmatamento na Amazônia cai vertiginosamente desde o ano passado, a destruição do Cerrado bate repetitivos recordes e deve chegar a 12 mil km2 este ano, avalia o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), sobretudo entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 

Rota similar

Consultado por ((o))eco, o Mato Grosso promete seguir seu vizinho ao sul e estruturar uma legislação para o bioma, com corredores de biodiversidade. A normativa será parte do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE), que deve ser concluído pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG) no segundo semestre.

“O corredor permite a definição das áreas de reserva legal, bem como das áreas que podem ser abertas com autorização. Além disso, consiste em um mapa referencial para o CAR e o licenciamento e inclui o direcionamento para as áreas que serão preservadas e/ou revegetadas”, diz a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema/MT).

O Pantanal é o mais preservado dos biomas brasileiros. Foto: Vitya Maly / GoodFon / Creative Commons

Mas, a política estadual dá sinais contrários à conservação pantaneira. Projetos aprovados ou tramitando na Assembleia Legislativa mato-grossense emperram a criação de unidades de conservação, permitem a realocação de Reservas Legais numa mesma fazenda para acomodar agropecuária e até a mineração nessas áreas protegidas.

“O ZSEE não trabalha com mineração, tampouco estabelece reservas legais. Além disso, está proibida a mineração no Pantanal, conforme a Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, que estabelece a Política de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Mato Grosso”, lembra a Assessoria de Imprensa da Sema/MT.

Recursos executivos

Um avanço na proteção do Pantanal destacado pelas fontes ouvidas pela reportagem foi a criação do Fundo Clima Pantanal pelo Mato Grosso do Sul. Estimativas iniciais indicam que ele poderá reverter até R$ 50 milhões para implantar a lei estadual, ainda este ano.

“Os corredores serão um dos fatores determinantes para o recebimento de recursos de fontes como pagamentos de serviços ambientais”, avalia o secretário Artur Falcette. Ele conversou com ((o))eco retornando da Bélgica, onde o governo estadual busca mais fundos para proteger o bioma.

O Pantanal é um dos grandes abrigos mundiais de vida selvagem. Foto: Marcos Vergueiro / Secom/MT

Consultor jurídico do Corredores de Vida, um dos 40 projetos no país para restauração e conectividade ambiental do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), Rafael Lofti avalia que o fundo do Mato Grosso do Sul foi um “pulo do gato” para resguardar o bioma.

“É um instrumento que integra economia e conservação e facilita a entrada de recursos nacionais e internacionais para dar escala a essas iniciativas. A biodiversidade é nossa maior riqueza”, destaca o advogado especializado em Gestão e Direito Ambiental.

Nessa seara, o Ministério do Planejamento autorizou o governo sul-mato-grossense a emprestar o equivalente a R$ 1 bilhão de bancos internacionais para investir em “resiliência climática e segurança viária” de rodovias e proteção do Pantanal, mostra o Diário Oficial da União em 18 de março.

Trata-se de mais um movimento do Executivo estadual voltado à conservação e uso sustentável do bioma após os recordes de desmatamento registrados nos últimos anos, como noticiou ((o))eco.

Conectar é preciso

Os corredores de biodiversidade reforçarão a proteção da biodiversidade, ajudarão a manter pantaneiros na região e reduzirão os riscos de novos grandes incêndios. Em reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente este mês, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, reconheceu que essas tragédias não estão descartadas.

“Esse ano tudo leva a crer que a gente vai ter uma repetição da crise. O Pantanal não encheu. Vamos ter que repensar uma série de situações. Tem o papel das mudanças climáticas, o papel de uma série de obras de infraestrutura que a gente precisa obviamente sentar na mesa e, com muita transparência, discutir”, disse.

Árvore calcinada por incêndio florestal do ano passado na região de Porto Jofre (MT), no Pantanal. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Felizmente a lei brasileira abre alas aos corredores ecológicos. Eles são previstos na norma federal de parques e outras unidades de conservação, de 2000, para interligar mosaicos de reservas ecológicas e reforçar Reservas da Biosfera, reconhecidas pelas Nações Unidas para associar conservação e desenvolvimento sustentável.

“Implantar efetivamente o código florestal de 2012 reforçará a conectividade das paisagens. Essa legislação trouxe o embrião para o regramento da conservação e do uso sustentável do Pantanal”, destacou Rafael Lofti, consultor jurídico do Ipê.

Uma das maiores iniciativas da entidade não-governamental é a recomposição da vegetação natural do Pontal do Paranapanema. No oeste de São Paulo e junto ao Mato Grosso do Sul e Paraná, a região foi duramente desmatada desde os anos 1950, pelo agronegócio e urbanização. 

“A fragmentação é um grande vetor da extinção de espécies. Recuperar paisagens mantém o fluxo gênico de fauna e flora e preserva também atividades rurais que dependem dos ambientes conservados”, destaca Lofti. Mais de 7 milhões de árvores já foram plantadas pelo Ipê no Pontal.

Costura florestal

As leis dos estados pantaneiros estão finalmente regulando o uso da “área de uso restrito” do Pantanal, uma região que pode ser destruída se for alvo de atividades econômicas descoladas de seus limites naturais, como os ciclos anuais de cheias e vazantes. 

Nessa direção, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul avançam na implantação da lei florestal em vigor há 12 anos, avalia Roberta Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal (OCF). “Falta 7% das inscrições no CAR em ambos os estados, que têm baixo passivo de Reservas Legais e de Áreas de Preservação Permanente”, diz. 

Ao mesmo tempo, ela avalia que certas regiões ainda são usadas “de forma mais intensa do que se deveria” e que outras medidas associadas aos corredores ecológicos reforçariam a proteção e a resiliência do Pantanal, como aumentar o território abrigado em unidades de conservação. 

“Sem conectividade, crescem custos e desafios para conservar. Esses esforços têm que ser públicos e privados. Tem que respeitar a legislação florestal, regularizar propriedades rurais e restaurar a vegetação nativa. Isso é uma solução para as crises do clima e da biodiversidade”, ressalta Giudice.

Espécies de grande porte como o cervo-do-pantanal são ainda mais beneficiadas pelos corredores de biodiversidade. Foto: Marcos Vergueiro / Secom/MT
  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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Comentários 2

  1. Cláudio C. Maretti diz:

    Muito bom!
    Parabéns!
    Obrigado!
    Lembrando do Plano Estratégico (Marco) Global de Biodiversidade Kunming-Montreal para 2030, cuja Meta 3 fala em 30% de proteção de todos os ecossistemas em sistemas de areas protegidas e conservadas eficazes, equitativas, integradas em suas regiões e bem conectadas.


    1. Walfrido Tomas diz:

      Fico feliz em ter liderado a elaboração do mapa dos corredores e ter conseguido emplacar como política pública nos dois estados (MT e MS). Foi tudo feito numa parceria entre a EMBRAPA Pantanal e a WWF Brasil. Acho que não há nada semelhante no país, mas poderia ser expandido pelo menos para áreas prioritárias e entorno de UCs.