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Passivo de Reserva Legal no país ultrapassa 16 milhões de hectares

Governo Federal falha em monitorar e auxiliar estados na implementação do Código Florestal, diz rede de organizações. Amazônia concentra 57% do déficit do país

Cristiane Prizibisczki ·
19 de março de 2024

Passada mais de uma década da publicação do Código Florestal, proprietários rurais ainda falham na implementação da lei criada para proteger a vegetação nativa do país. Em todo o Brasil, o déficit de Reserva Legal – área de vegetação nativa que, pela norma, deveria ser preservada dentro de uma propriedade – chega a 16,3 milhões de hectares, o equivalente aos territórios da Grécia e Bélgica somados. Os números são da nova versão do Termômetro do Código Florestal, lançada no final de fevereiro.

Segundo a nova ferramenta, a maior parte deste passivo (57%) concentra-se na Amazônia. No bioma, onde a cota de Reserva Legal é de 80%, o déficit é de 9,4 milhões de hectares, o equivalente ao território do estado de Santa Catarina. 

O Cerrado, onde apenas 20% da vegetação nativa dentro de uma propriedade rural precisa ser preservada, concentra 3,9 milhões de hectares de déficit, seguido pela Mata Atlântica, com 2,5 milhões de hectares de passivo.

De acordo com análise das organizações que compõem o Observatório do Código Florestal (OCF), responsável pelo Termômetro, as grandes e médias propriedades são as maiores devedoras. É dentro delas que cerca de 90% do passivo de RL se encontra.

“Os imóveis rurais do Brasil não respondem igualmente ao passivo. Ter acesso a esses dados por categoria de tamanho de imóvel é importante porque, se o país quiser regularizar uma grande área de Reserva Legal, obviamente o mais interessante é atuar dentro das grandes propriedades”, explica Nathália Carvalho, especialista em Sensoriamento Remoto do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), uma das organizações responsáveis pelo desenvolvimento da plataforma.

Além do status de implementação da Reserva Legal do país, o Termômetro do Código Florestal também revela que o Brasil possui déficit de quase 3 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente – como beiras de cursos d’água e topos de morros.

As maiores áreas de passivo de APP estão na Mata Atlântica, onde cerca de 900 mil hectares de Áreas de Proteção Permanente não estão preservadas. A cifra representa 33% do déficit em todo o país, mas ela pode ser bem maior, alerta o OCF. 

Isto acontece porque, até hoje, não há mapeamento de alta resolução disponível em escala nacional e os de média resolução não são capazes de detectar a rede de drenagem em sua completude.

Outro dado do Termômetro que chama atenção é a quantidade de Florestas Públicas Não Destinadas que estão cadastradas como propriedades privadas. Segundo o Termômetro, são 15,3 milhões de hectares de florestas com sobreposição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sobretudo no bioma amazônico. A situação das áreas não destinadas na Amazônia foi retratada por ((o))eco no especial Floresta de Ninguém.

Acompanhamento falho

Esta é a quarta vez que o Observatório do Código Florestal se lança no esforço de compilar os dados sobre a execução da norma no país. Além de informações sobre Reserva Legal, APP, sobreposições e Cadastro Ambiental Rural, a nova versão do Termômetro também traz dados de transparência, como áreas sob embargo em diferentes categorias fundiárias e Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). Mas ainda faltam informações para que, de fato, o país possa ter um retrato fiel sobre o cumprimento da norma.

“Falta transparência de dados em relação à validação do CAR, à assinatura de termos de compromisso, à implementação de PRAs [Programa de Regularização Ambiental], a compromissos de restauração. Isso a gente não consegue acessar em Estado nenhum hoje. E é um problema para a formulação de políticas, não só em relação à implementação do Código, mas, para outras políticas também”, diz Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal.

Segundo ela, apesar de grande parte da execução do Código Florestal estar sob a responsabilidade dos estados, as falhas acontecem em várias instâncias.

“Acho que precisava de um acompanhamento mais contundente do Governo Federal sobre a implementação do Código Florestal nos estados. Precisa haver um diálogo maior, um acompanhamento melhor, tanto dos órgãos de repressão, como o Ministério Público, por exemplo, quanto dos órgãos responsáveis pelas políticas públicas, como o Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro”, diz Del Giudice.

Segundo a secretária executiva, a implementação do Código Florestal ainda precisa avançar muito para que a norma cumpra, de fato, o objetivo pelo qual foi criada: a proteção da vegetação nativa do país.

“A gente precisa acelerar imediatamente a implementação do Código, os dados demonstram claramente que não estamos caminhando”, diz Roberta Del Giudice.

Além do IPAM, o Termômetro do Código Florestal contou com a colaboração do Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto Socioambiental (ISA), Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (CSR/UFMG), Amigos da Terra- Amazônia Brasileira (AdT) e Instituto BVRio.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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