As florestas tropicais abrigam mais de 53 mil espécies de árvores, o que representa 96% da diversidade de árvores do mundo. Estas florestas hiperdiversas estão ameaçadas pelas altas taxas de desmatamento causadas principalmente pela expansão agropecuária. Quando um pasto ou uma área de cultivo agrícola são abandonados, eles podem ser rapidamente colonizados por espécies dispersas a partir de florestas remanescentes próximas, formando assim as chamadas florestas secundárias. Mas teriam tais florestas secundárias a mesma diversidade de espécies anterior ao desmatamento? Mais além, a composição das espécies seria a mesma que no passado?
Um grande estudo internacional realizado por 86 pesquisadores de 62 instituições de 13 países, entre elas 14 instituições de pesquisa brasileiras, acaba de sair publicado revista científica Science Advances, dando conta do papel das florestas secundárias na conservação da diversidade de árvores tropicais.
Os pesquisadores inventariaram as árvores de 1.800 parcelas em florestas tropicais localizadas em 56 áreas de estudo de 10 países da América Latina. Eles compararam os dados de campo das florestas secundárias de diferentes idades com o dados das florestas primárias bem conservadas adjacentes. O estudo mostrou que o número de espécies nos fragmentos de florestas regenerados se recupera em poucas décadas, mas que a composição de espécies pode demorar séculos para se assemelhar às florestas primárias originais ‒ ou mesmo nunca se recuperar.
“Nós sabemos que o desmatamento leva a perdas de diversidade. Isto acontece quando uma área de floresta primária é derrubada para dar lugar à monocultura da soja ou a um pasto de capim braquiária, por exemplo. Sempre que isto ocorre, a gente transforma em cinzas uma tesouro com milhares de espécies que a natureza levou milhões de anos para criar,” explica Pedro Brancalion, um dos pesquisadores brasileiros envolvidos no artigo.
Mas a floresta volta a crescer em áreas de cultivo ou pastagem que por qualquer motivo foram abandonadas. Exemplos são o esgotamento da fertilidade do solo para o crescimento de pastagem, que é o que mais acontece na Amazônia, ou então por se tratar de um terreno declivoso na Mata Atlântica, onde a mecanização dos cultivos é inviável. Nestes casos, a área devoluta pode voltar a ser colonizada pelas árvores nativas e formar florestas secundárias.
“A recolonização da área abandonada pode ocorrer por diversas formas. Depois de quatro ou cinco anos de queimadas sucessivas, com a fertilidade do solo exaurida, o terreno é abandonado. Mas ainda restam sementes intactas no solo, tocos de árvores que rebrotam, raízes que rebrotam. Estes propágulos de espécies nativas podem regenerar. Além disto, os morcegos e aves que habitam as áreas próximas ajudam na dispersão das sementes da floresta primária para a área em regeneração,” explica Brancalion, que é especialista em restauração florestal e trabalha no Laboratório de Silvicultura Tropical da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) da Universidade de São Paulo.
“O que se procurou entender neste amplo estudo foi descobrir se o processo de regeneração em florestas tropicais leva ao retorno de uma diversidade de espécies de árvores similar àquela existente antes do desmatamento? E se a composição das espécies na área regenerada é a mesma que ocorria no passado?”
De acordo com o pesquisador, a regeneração da mata não é um processo abrupto. É um processo contínuo que pode levar décadas ou séculos, e ser influenciada por múltiplos fatores. “A regeneração é muito mais bem sucedida numa paisagem que foi desmatada há cinco anos, como é o que mais ocorre na Amazônia, do que, por exemplo, na recuperação de um trecho de Mata Atlântica que foi derrubado em Pernambuco há 500 anos.”
“Nos maiores remanescentes de Mata Atlântica, como os que ficam na Serra do Mar, no estado de São Paulo, os animais que vivem na floresta primária aceleram o processo de regeneração ao dispersar sementes de árvores nativas. Num pasto, onde sobram sementes e tocos de árvores, a regeneração é mais fácil. Já em culturas intensivas de soja ou cana, por exemplo, onde não sobrou nenhum resquício da antiga floresta, a regeneração é bem mais difícil – talvez mesmo impossível.”
O estudo agora publicado tem o mérito de analisar todas estas questões em uma única análise incluindo 56 sítios de floresta regenerada na América Latina, algo que nunca havia sido feito antes.
“Cerca de 80% das espécies de árvores nativas retornam na área regenerada em até 20 anos. Ou seja, em termos de número de espécies, a regeneração é muito eficiente,” afirma Brancalion.
Segundo a holandesa Danaë Rozendaal, pesquisadora da Universidade Wageningen e a líder do estudo, “ficamos impressionados ao descobrir que pode levar apenas cinco décadas para se recuperar a riqueza de espécies que normalmente é encontrada em florestas maduras bem preservadas, e que em apenas 20 anos de regeneração 80% do número de espécies já está presente. Este resultado enfatiza a importância das florestas secundárias para a conservação da biodiversidade em paisagens modificadas pelo homem.”
Tal eficiência, entretanto, não encontrou eco quando se analisou a composição das espécies de árvores na floresta. O que se viu foi que, embora o número de espécies fosse similar, sua composição nas matas regeneradas é muito diferente das matas originais. “Houve uma baixa similaridade no que tange à composição das espécies de árvores. Só 34% das espécies são, em média, as mesmas observadas na composição original da floresta,” explica Brancalion.
Portanto, pode demorar séculos até que as florestas secundárias recuperem as mesmas espécies da floresta original, se isso realmente chegar a acontecer algum dia.
De acordo com Lourens Poorter, co-autor do artigo, “ainda que as florestas secundárias jovens tenham papel importante na conservação de espécies em paisagens modificadas pelo homem, elas não abrigam muitas das espécies encontradas nas florestas maduras bem conservadas. Portanto, ambas as florestas secundárias e maduras devem ser preservadas para garantir a conservação da biodiversidade em paisagens modificadas pelo homem.”
Este estudo tem implicações diretas para políticas públicas e para a prática da restauração florestal. A regeneração natural tem sido vista como uma forma ecologicamente eficiente de se recuperar grandes extensões de florestas com menor custo do que plantios de mudas. De fato, a regeneração natural pode ser o método ideal para se atingir as metas de restaurar 350 milhões de hectares de florestas até 2030, como definido no acordo internacional Bonn Challenge e na Declaração de Florestas de Nova Iorque.
“É uma ótima notícia que a regeneração natural pode restaurar a biodiversidade de árvores relativamente rápido. No entanto, é fundamental que aconteçam também ações de restauração focadas em espécies típicas de florestas maduras junto à conservação dos remanescentes florestais para garantir a conservação das espécies de árvores tropicais no longo prazo,” afirma Brancalion.
Saiba Mais
DOI: 10.1126/sciadv.aau3114
Leia Também
Regeneração do cerrado traz de volta diversidade de mamíferos
Leia também
Regeneração do cerrado traz de volta diversidade de mamíferos
Estudo demonstra que recuperação da mata trouxe de volta velhos moradores do cerrado no norte de Minas Gerais, como o lobo-guará e a anta →
Paraná é o estado que mais regenerou Mata Atlântica
Levantamento realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo INPE traça panorama da regeneração florestal no bioma Mata Atlântica →
Floresta regenerada é esponja de carbono
Estudo de consórcio internacional que inclui cientistas brasileiros mostra que vegetação secundária na América Latina absorve 11 vezes mais CO2 do ar que matas amazônicas maduras →
Olá. Creio que o título da matéria induz à interpretação errônea de que as florestas secundárias atingem 80% de similaridade na composição com relação às matas primárias, o que não é verdade, como colocado pelo artigo. O correto seria colocar que as matas secundárias (regenerados) atingem 80% do número de espécies (ou seja, a riqueza) das matas primárias, não sendo a composição dessas matas similares.
Detalhe, não esqueçam de que a fauna é primordial para que estes processos ocorram. E para as espécies de arvores com grandes frutos, precisamos, ainda mais, da fauna nativa (tapir, caititus, queixadas, macacos, cervos, quatis, juparas, tanamídeos, cracídeos, e por aí vai…..)
Até