Reportagens

MPF começa a multar frigoríficos que descumprem normas do TAC da Carne

Punição era requerida pelo setor e por organizações há vários anos. Acordo por pecuária livre de desmatamento completa 15 anos no Pará

Cristiane Prizibisczki ·
23 de agosto de 2024

O Ministério Público Federal (MPF) anunciou nesta quinta-feira (22) que deu início a ações na Justiça contra frigoríficos que descumprirem as regras do TAC da Carne, acordo firmado com empresas do setor instaladas no bioma Amazônico e que visa o fim das ilegalidades na cadeia. Até o momento, R$ 16 milhões em multas já foram aplicadas contra quatro frigoríficos do Pará, estado que completa 15 anos de adesão ao Termo.

Segundo o Ministério Público Federal, esta é uma forma de tornar o processo mais transparente e justo às empresas que se comprometem a seguir as regras do acordo. Frigoríficos que respeitam a legislação ganham incentivos, enquanto os demais são alvos de ações e fiscalizações, diz o MPF.

A aplicação de algum tipo de sanção às empresas não cumpridoras do TAC era requerida pelo próprio setor e por organizações que trabalham por uma pecuária sustentável na Amazônia. Em dezembro de 2022, o MPF chegou a divulgar a intenção de assim o fazer, mas as punições só começaram a ser concretizadas agora.

Segundo o Procurador da República Ricardo Negrini, um dos responsáveis pela execução  do TAC da Carne, essa demora é resultado do próprio processo de implantação do Acordo e dificuldades técnicas e logísticas encontradas no caminho.

“Primeiro que demorou muito para a gente conseguir fazer as auditorias. O TAC começou em 2009 e a primeira auditoria só foi possível realizar em 2018, então não tinha como a gente dizer quem estava cumprindo e quem não estava. Nesse período, a gente tinha dificuldade técnica, logística, o acesso à informação era muito mais difícil do que é hoje […] também tinha a questão de que as regras para o cumprimento do TAC eram muito divergentes”, explicou Negrini, a ((o))eco.

Protocolo de Monitoramento

Uma das novidades apresentadas nesta quinta-feira pelo MPF, em evento realizado em Belém (PA), foi justamente a atualização das regras do Termo, que agora estão bem mais simples e objetivas, além de estarem unificadas para todos os estados da Amazônia Legal.

Antes, cada estado da Amazônia que é signatário do Acordo – seis dos nove que compõem o bioma e que possuem os maiores volumes de gado comercializado – tinha seu próprio entendimento e formas de aplicação das regras do TAC. 

Para que mais empresas do setor se sintam estimuladas a participar, os detalhes técnicos sobre como as obrigações devem ser implementadas e geridas foram, então, concentrados em um documento chamado Protocolo de Monitoramento, desenvolvido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), dentro do Programa Boi na Linha, e aprimorado pelo Comitê de Apoio ao TAC (CAT), criado no final de 2021 para ajudar o MFP na tarefa de trazer para a legalidade as empresas da carne na Amazônia.

Evento no MP do Pará fez balanço dos 15 anos do TAC da carne. Foto: Foto: Comunicação/MPF.

Atualmente, a pecuária é o maior vetor de desmatamento da floresta tropical. De todo gado comercializado no Brasil, 46% pisa sobre solo Amazônico, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cerca de 90% das áreas abertas na floresta tropical nas últimas quatro décadas foram convertidas em pasto para o gado e, segundo estudo do Imazon e do Projeto Amazônia 2030, mais de 90% da destruição aconteceu de forma ilegal.

Segundo Lisandro Inakake, engenheiro agrônomo e coordenador sênior do Programa Boi na Linha, do Imaflora, o novo protocolo foi construído após muito diálogo com as outras organizações e instituições que compõem a Câmara Técnica do Comitê de Apoio ao TAC (CAT) – Amigos da Terra (AdT), Imazon, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade de Wisconsin – e a Câmara Social – formada pela Associação de Criadores do Pará (Acripará), União Nacional da Indústria e Empresas da Carne (Uniec) e NicePlanet.

“A parte técnica é o Imaflora quem conduz, mas submetemos os materiais para a Câmara Técnica do CAT, que fez aportes, sugestões […]. Depois levamos para a Câmara Social, que questionou, avaliou a viabilidade e fez a análise de impacto. A construção do protocolo aconteceu dentro desse espaço. A ideia é expandir a Câmaras Sociais para todos os estados, para que esses processos de consulta aconteçam com todos”, explica Inakake.

Frigoríficos na linha

Na ação contra os quatro frigoríficos do Pará que são signatários do TAC, mas não atenderam seus compromissos, o Ministério Público pediu para que a Justiça Federal obrigue as empresas a cumprirem os termos do acordo, sob pena de multa e outras punições.

Se as empresas não pagarem as multas, o MPF pede que a Justiça determine a penhora dos estabelecimentos comerciais e a expropriação de bens das companhias.

Em relação aos frigoríficos que têm atuação comercial relevante e que não assinaram TAC, desde 2018 o MPF vem pedindo que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) fiscalizem essas empresas, para verificação do cumprimento da legislação.

Segundo o procurador Ricardo Negrini, como a adesão ao TAC é voluntária, frigoríficos que não assinam o acordo não estão incorrendo em nenhuma infração penal. No entanto, o MPF tem verificado, ao longo dos 15 anos de vigência do acordo, que aquelas que optaram por não aderir são, majoritariamente, empresas que não exercem o monitoramento de suas aquisições.

“Estamos abrindo ações também contra quem não assinou o TAC e onde constatamos ilegalidade. O Acordo, na verdade, acaba sendo uma proteção [aos frigoríficos que querem se regularizar], pois eles conseguem condições e prazos para evitarem sofrer uma ação em outra instância”, diz Negrini.

Gado pasta no Parque Nacional da Serra do Pardo, em São Félix do Xingu, município paraense que tem o maior rebanho bovino brasileiro. Foto: Folhapress/Folhapress

Varejistas e setor financeiro

No evento realizado em Belém, o MPF registrou que este ano enviou recomendação para que bancos promovam a desclassificação e a liquidação antecipada das operações de crédito autorizadas para propriedades localizadas em terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas na Amazônia.

A recomendação foi enviada para Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco De Lage Landen Brasil, Banco Sicredi, Bradesco, Itaú e Santander.

O MPF disse também que vai enviar recomendações a varejistas que compram produtos dos frigoríficos processados. As recomendações, uma espécie de alerta para evitar que o caso tenha que ser levado à Justiça, vão apontar para a necessidade de que esses varejistas suspendam as tratativas com as empresas processadas.

Futuro do TAC da Carne

O Pará foi o primeiro a assinar o TAC com o MPF, em 2009. Este também é o estado que está mais avançado em sua implementação. Atualmente, segundo o Imaflora, existem 81 unidades frigoríficas em solo paraense, sendo que, do total, 45 são signatárias do TAC. Elas respondem por cerca de 78% da produção total do estado, de acordo com o MPF.

Foto: Comunicação/MPF

Por muitos anos o líder em cabeças de gado na Amazônia, o Pará hoje ocupa a segunda posição no ranking. De acordo com o IBGE, em 2023 foram contabilizadas 26,7 milhões de cabeças em solo paraense.

Mato Grosso é atualmente quem possui o maior rebanho, com 34 milhões de cabeças. O estado é signatário do Acordo desde 2010, mas os avanços foram menores do que no estado vizinho.

De acordo com Pedro Burnier, diretor do programa de agropecuária do Amigos da Terra, essa discrepância entre os estados da Amazônia Legal no que diz respeito à implementação do TAC da Carne e transparência da cadeia tende a diminuir com o Protocolo de Monitoramento e as auditorias unificadas, ambos recentemente implementados.

“A tendência é essa discrepância ir diminuindo, principalmente se os estados, de alguma forma, se comprometerem a também divulgar os dados. Os próximos desafios, na verdade, acabam sendo: continuar tendo acesso aos bancos de dados para fazer uma auditoria robusta, conseguir incorporar mais frigoríficos para fazerem as auditorias e a questão dos fornecedores indiretos”, disse Burnier, a ((o))eco.

Segundo o MPF, um modelo piloto de monitoramento dos fornecedores indiretos será realizado para o estado do Pará, no próximo ciclo de auditorias unificadas, a ser concluído em fevereiro de 2025. 

Atualmente, os seis estados que participam do TAC da Carne possuem 158 plantas frigoríficas, das quais 110 são signatárias e 50 participaram do primeiro ciclo unificado de auditoria, realizado em 2023.

*A repórter viajou a Belém a convite do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 2

  1. R$26 milhões de multas para frigoríficos gigantes é, como dizem, cosquinha em sapo – não incentiva mudança nenhuma de comportamento!


  2. Agro diz:

    A decisão do Ministério Público Federal (MPF) de começar a multar frigoríficos que descumprem as normas do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne é um passo importante para garantir a integridade das cadeias produtivas e a proteção do meio ambiente. Essa medida demonstra que o compromisso assumido no TAC não pode ser tratado de forma leviana e que as empresas precisam ser responsabilizadas por práticas que impactam negativamente a sociedade, como o desmatamento ilegal e a exploração de trabalho análogo à escravidão.

    As multas são uma forma de pressionar os frigoríficos a cumprirem suas obrigações e de enviar uma mensagem clara de que a fiscalização será rigorosa. No entanto, é essencial que o processo seja transparente e que as penalidades sejam aplicadas de maneira justa, evitando tanto o excesso quanto a conivência.

    Esse movimento do MPF também reflete uma crescente demanda por maior responsabilidade socioambiental no setor agropecuário, um ponto cada vez mais observado por consumidores e investidores. Empresas que insistem em práticas irregulares acabam manchando não só sua reputação, mas também a imagem do Brasil no mercado internacional.

    Por outro lado, é crucial que o governo ofereça apoio para que esses frigoríficos possam se adequar às normas exigidas, promovendo um equilíbrio entre o cumprimento das leis e a viabilidade econômica do setor. Em última análise, a iniciativa do MPF pode ajudar a consolidar um modelo de produção mais sustentável e ético, que beneficie toda a sociedade.