Reportagens

Na defesa de dois pontos de esperança no litoral do Rio

Articulação visa garantir uso sustentável das ilhas das Peças e Palmas, considerados Hope Spots do planeta por sua biodiversidade, hoje impactadas pela pesca irregular e turismo desordenado

Duda Menegassi ·
28 de fevereiro de 2025

Quem vai à praia de Grumari, no extremo oeste do Rio de Janeiro, tem na paisagem do horizonte duas ilhas. A mais próxima, a cerca de 600 metros da costa, é a pequena Ilha das Peças, com extensão equivalente a dois campos de futebol. Menos de um quilômetro adiante está a irmã maior, a ilha de Palmas, com quase dez vezes o tamanho da primeira e a forma de uma pequena montanha que se ergue do mar. Ambas possuem um importante papel tanto para vida marinha, quanto para os pescadores artesanais que dependem das espécies que vivem ali, o que motivou uma articulação intersetorial para combater o turismo desordenado e a pesca irregular que hoje impactam negativamente as ilhas.

Com o objetivo de garantir a sustentabilidade da pesca e do próprio turismo, foi criado um Grupo de Trabalho, liderado pelo Projeto Ilhas do Rio, que reúne diferentes atores do território, como pescadores e agências de turismo, ao lado dos órgãos públicos das três esferas, para debater como ordenar os usos que ocorrem nas ilhas. Tanto Peças quanto Palmas estão inseridas na zona de amortecimento do Parque Natural Municipal Prainha de Grumari e Prainha e dentro da Área de Proteção Ambiental Municipal (APA) de Grumari.

“Nosso objetivo é o ordenamento que garanta o uso sustentável. Não basta estar dentro de uma zona de amortecimento de um parque ou numa APA. Como é um território marinho muito importante, nós precisamos fortalecer as diretrizes e regramentos sobre as atividades de pesca e turismo nos planos de manejo das unidades de conservação. E queremos propor isso por meio de um processo participativo, como estamos fazendo com os atores locais”, explica Mariana Clauzet, Profissional de Advocacy e Incidência Política do Projeto Ilhas do Rio.

A primeira das três oficinas previstas do GT foi realizada na última terça-feira (25) pelo Ilhas do Rio, com facilitação da Bloom Agência de Mudança e reuniu cerca de 35 pessoas. O encontro contou com a participação de representantes do ICMBio, do Instituto Estadual do Ambiente (INEA-RJ) e da Secretaria Municipal do Ambiente e Clima (SMAC), do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara, além de pescadores de Pedra de Guaratiba, Recreio e Copacabana, assim como diversas organizações da sociedade civil, institutos de pesquisa e representantes do setor do turismo de Barra de Guaratiba.

As próximas oficinas estão previstas para os meses de março e abril. Ao final, será elaborado um documento oficial com as propostas de ordenamento das ilhas, que será entregue aos órgãos ambientais – o que deve ocorrer a tempo da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que ocorre entre 9 e 13 de junho, na França – e deve subsidiar a gestão pública sobre como implementar um ordenamento efetivo da área ou até mesmo para propor novas unidades de conservação na área.

“Nessa primeira reunião fizemos uma escuta ativa de todos os atores e suas visões para o território. Na segunda oficina a ideia é sentarmos juntos para construir um desenho, mapeando os usos territoriais. E no último encontro iremos apresentar esse resultado para validarmos a proposta junto com todos os atores”, explica Mariana. A colaboração e o consenso entre todos os atores ao redor da proposta é a chave do sucesso do ordenamento, aposta a especialista em advocacy.

Um dos destaques da primeira oficina foi a proposta de criação de um canal de comunicação direta entre a comunidade e os pescadores do território com o órgão de fiscalização, para que os próprios comunitários possam contribuir no monitoramento contra infrações ambientais, como a pesca industrial.

Reunião do GT para ordenamento dos usos nas ilhas de Peças e Palmas. Foto: Caio Salles/Projeto Ilhas do Rio

A biodiversidade das Ilhas Peças e Palmas: pontos de esperança

O levantamento feito pelo projeto revelou a biodiversidade que se esconde debaixo d’água ao redor das ilhas, com pelo menos 102 espécies de peixes recifais, três delas endêmicas do Brasil, ou seja, que ocorrem apenas no país. Dentre elas, 39 são alvo da pesca, como garoupas, corvinas, sargos, robalos e xaréus. Também foram registrados polvos, lagostas estrela-do-mar, coral-cérebro e o ameaçado ouriço-lilás (Lytechinus variegatus).

Toda essa biodiversidade fizeram com que as ilhas ganhassem o título de Hope Spots, ou seja, pontos de esperança. O reconhecimento é parte da iniciativa global Mission Blue (Missão Azul) que tem como objetivo dar visibilidade internacional e apoiar a conservação de locais importantes para vida marinha. Em 2021, o título foi dado para o arquipélago das Cagarras, o segundo no Brasil com o status, ao lado de Abrolhos. Três anos depois, em 2024, a honraria foi expandida de 17 para 57 mil hectares da zona marinha e costeira carioca, e passou a incluir as ilhas Tijucas, Peças e Palmas.

O reconhecimento reforça a importância das ilhas como um corredor ecológico para mamíferos aquáticos, inclusive na rota migratória das baleias, não apenas no litoral carioca, mas entre outras áreas da zona costeira fluminense, como Arraial do Cabo e Ilha Grande.

Ilhas Tijucas

Entre as ilhas de Peças e Palmas e o arquipélago das Cagarras, estão as ilhas Tijucas, ainda não protegidas por nenhum tipo de legislação ambiental e que desempenham um papel fundamental de conectividade para a vida marinha. Composta por três ilhas – do Meio, Alfavaca e Pontuda – a área funciona como um berçário para espécies ameaçadas, com ocorrência de mais de 200 espécies de peixes, tartarugas, aves e mamíferos marinhos.  

Sem o respaldo de uma unidade de conservação para protegê-las, as ilhas sofrem com a pesca desordenada, o turismo e a poluição oriunda de emissários submarinos, do canal da Joatinga e de resíduos urbanos.

De acordo com o levantamento do Projeto Ilhas do Rio, as ilhas Tijucas são as mais impactadas no litoral do Rio de Janeiro, em especial no verão, devido ao uso intenso e desordenado no entorno das ilhas, que já fazem parte do roteiro turístico oferecido por diversas agências. 

As ilhas também estão na mira da equipe do Ilhas do Rio, já em articulação com o poder público e atores locais para promover um maior ordenamento das atividades, tanto de pesca quanto turísticas no local.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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