Reportagens

No Canadá, ecoa antiga demanda pela criação do Parque Nacional do Albardão

Em congresso internacional de áreas marinhas protegidas, ambientalistas buscam apoio para criação de unidade de conservação proposta há 15 anos

Michael Esquer ·
7 de fevereiro de 2023 · 1 anos atrás

Proposta pela primeira vez há pelo menos 15 anos, a demanda pela criação do Parque Nacional (Parna) do Albardão, uma unidade de conservação (UC) marinha em Santa Vitória do Palmar (RS), chegou este mês em Vancouver, no Canadá. No 5º Congresso Internacional de Áreas Marinhas Protegidas (IMPAC 5), organizações ambientalistas defendem a importância do Parna e pedem o apoio de especialistas à demanda da criação da área protegida em território brasileiro.   

Para o coordenador brasileiro do projeto Un Solo Mar, José Truda Palazzo Jr., a criação do Parna do Albardão (RS), assim como a ampliação do Parna Marinho dos Abrolhos (BA) – outra demanda que está reivindicando apoios no IMPAC 5 –, está entre as urgências que podem assegurar que o Brasil consiga ampliar áreas protegidas sobre 30% de sua área marinha até 2030, compromisso que foi firmado na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), referendado na última Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas (COP15). 

“Ajudarão o Brasil a atingir a nova meta não só com aumento de área, mas também de representatividade ecossistêmica, que é parte da meta”, diz a ((o))eco o atual coordenador brasileiro da iniciativa que fomenta a conservação de áreas marinhas protegidas no sudoeste do Oceano Atlântico, entre Brasil e Uruguai. 

Ele, que participa do evento no Canadá representando também o Instituto Baleia Jubarte (IBJ), conta que a proposta de criação do Parna do Albardão já teve o endosso de participantes. “Tem algumas centenas de assinaturas e estamos acertando o apoio de várias organizações não governamentais (ONGs)”, comenta Palazzo. 

A ideia é que as assinaturas sejam protocoladas no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) depois do evento, de forma a coincidir com a consulta pública sobre a criação do Parna, que deve acontecer em breve. “Estamos com um stand aqui, explicando a proposta. Realizamos uma palestra semana passada em um side-event (evento paralelo) do Fórum do Mar Patagônico, que apoia a proposta desde o início”, conta o coordenador brasileiro do Un Solo Mar. 

A busca do apoio formal à proposta pelos participantes do evento ocorre por que estes são, em sua grande maioria, profissionais e especialistas em áreas marinhas protegidas. “Para demonstrar um interesse internacional na proposta”, comenta o representante do IBJ no Canadá.

O processo que deu início aos estudos técnicos que iriam definir a melhor categoria da UC e quais os seus limites foi instaurado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2008. A definição oficial da proposta, porém, aconteceu apenas em outubro do ano passado, ou seja, quase 15 anos depois. E após o trabalho colaborativo que contou com a participação de ONGs. 

O projeto Un Solo Mar, no entanto, preferiu não atuar no sentido de que a proposta seguisse tramitando. Isso por conta do temor de que ela sofresse um revés ainda durante os últimos meses da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Agora, com a nova gestão, o processo passa a andar novamente, já para a fase de audiência pública”, relata Palazzo. 

O coordenador brasileiro do Un Solo Mar conta que a priorização da agenda ambiental na Amazônia pelo novo governo é um fato, mas defende também que a agenda positiva na conservação marinha é um lembrete importante ao MMA, e que deve ser feito com o envio das assinaturas recolhidas no IMPAC 5. 

“Há um imenso potencial de agenda positiva na conservação marinha, principalmente se seguirmos criando UCs em áreas-chave e buscarmos cooperação internacional para a sua implementação e gestão”, conclui Palazzo. 

Albardão, tesouro da biodiversidade

A região do Albardão está situada em uma região de importância biológica extremamente alta, segundo a última atualização do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade na zona costeira e marinha. Essa porção do território brasileiro, porém, apareceu nesse mapa pela primeira vez no início dos anos 2000, após ter tido a sua importância defendida pelos técnicos do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema).

Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade na zona costeira e marinha. Foto: MMA

Há quase duas décadas, é essa a associação que articula o interesse na criação do Parna, cujo objetivo é apenas um: “Proteger esses tesouros de biodiversidade que se encontram na região do Albardão”, conta a ((o))eco o oceanólogo Kleber Grübel da Silva, técnico executor de projetos no Nema

A importância da região, diz ele, foi constatada há cerca de 35 anos, durante monitoramento feito pelo Nema na região costeira do Rio Grande do Sul. Aves, mamíferos, tartarugas marinhas, tubarões entre outros animais compõem o mosaico inestimável de espécies, das quais muitas estão vulneráveis ou ameaçadas ao risco de extinção, e que encontrariam na UC uma importante ferramenta de conservação. 

Entre essas espécies ameaçadas presentes na região estão: a toninha (Pontoporia blainvillei), a raia-viola (Rhinobatos horkelli), o cação-martelo (Sphyrna lewini), o cação-anjo (Squatina occulta e S. guggenheim), o cação-listrado (Mustelus fasciatus), o lagartinho-da-praia (Liolaemus occipitalis); e o sapo-boi (Ceratophrys ornata).

A região do Albardão ainda possui dunas que foram caracterizadas como geossítio pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos, em 2008, mesmo ano no qual o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CN-RBMA) também indicou a criação do Parna do Albardão.

Toninha. Foto: Reprodução/((o))eco

“Em 2008, a partir dessas articulações, foi aberto um processo no ICMBio para o estudo para a criação dessa unidade de conservação”, relembra Silva.

Além do apoio do IBJ e outras ONGs, o que alavancou esse processo que teve a proposta técnica concluída apenas no ano passado, conta o técnico executor de projetos no Nema, foi a parceria com o Un Solo Mar, através da qual a proposta do Parna do Albardão passou a contar com uma articulação mais forte, desde 2020. 

“O processo foi terminado, entrou no sistema de informação do ICMBio como uma proposta pronta, onde ela foi analisada por várias diretorias e chegou na coordenação de criação de unidades de conservação”, conta Silva. Nesse momento, diz ele, a proposta consolidada pela iniciativa das ONGs com o ICMBio ainda aguarda os próximos passos, como a realização da consulta pública. 

Benefícios ecossistêmicos e socioeconômicos

Conforme documento elaborado pelo Un Solo Mar, Nema e IBJ, a proposta de criação do Parna do Albardão prevê uma área de 1,6 milhão de hectares, da qual 1,5 milhão de hectares correspondem às áreas marinhas e apenas 21 mil hectares à áreas terrestres. E do total de área terrestre, 95% já são áreas de preservação permanente (APPs). “Portanto, a criação do Parque nos limites propostos não prejudicará atividades econômicas legais na área terrestre de Santa Vitória do Palmar”, diz trecho do documento ao qual ((o))eco teve acesso. 

Limites propostos para o Parna do Albardão, no contexto local. Foto: Reprodução/Proposta de Criação do Parque Nacional do Albardão
Limites propostos para o Parna do Albardão, no contexto regional. Foto: Reprodução/Proposta de Criação do Parque Nacional do Albardão

De acordo com o documento elaborado pelas ONGs, uma parte significativa da área proposta para o Parna já se encontra sob normas restritivas para a pesca. Análise do Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (PREPS) mencionada pelas organizações ainda aponta que a área do Parna “não é significativa para a maior parte do esforço de pesca atual na região sul do Brasil”. 

“Esta região servirá como uma área marinha protegida capaz de garantir a produtividade e os estoques pesqueiros comerciais no entorno, garantindo a viabilidade das pescarias na região adjacente”, argumenta Silva. 

Com a criação do Parna do Albardão, a expectativa é que a região Sul do País também seja colocada no mapa da conservação marinha internacional e, consequentemente, tenha no turismo ecológico outras possibilidades de negócios sustentáveis, que possam gerar emprego e renda localmente. 

“A ideia é criar uma ilha de prosperidade, onde as atividades sustentáveis como turismo, esportes de aventura e outras atividades sustentáveis amigáveis possam se desenvolver no entorno desta unidade de conservação”, conclui o técnico executor de projetos no Nema.

Vista da praia, na região do Albardão. Foto: Daniele Bragança.
  • Michael Esquer

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com passagem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

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