O condor andino (Vultur gryphus) é a maior ave voadora vivente, com envergadura de asa de 3 metros e peso de até 15 quilos. Embora bem mais leve (7 quilos), o albatroz errante (Diomedea exulans) é quem possui a maior envergadura de asa: até 3,5 metros. Pois bem, estas magníficas aves se veriam proporcionalmente reduzidas à dimensão de pombos caso ainda pairassem soberanas nos céus do planeta as duas maiores aves voadoras de que se tem notícia. E as duas são sul-americanas. Ou melhor, eram sul-americanas, pois ambas aqui viveram entre 6 e 5 milhões de anos atrás, no final do período Mioceno.
Conheça abaixo uma destas aves. A outra, um albatroz gigante, será focalizada na próxima reportagem desta série.
O condor
Há cerca de 6 milhões de anos, no que é hoje a Argentina, uma enorme ave patrulhava os céus desde a Cordilheira dos Andes até os pampas. Imagine uma ave que tivesse com um corpo em forma de condor, que pesasse tanto quanto uma pessoa, e fosse dona de uma envergadura de asa semelhante à de um pequeno avião. Imagine ainda que este pássaro tivesse um crânio de 55 cm de comprimento e um bico enorme, semelhante a uma águia, grande o suficiente para engolir um coelho inteiro.
Em 1980, quando do anúncio de sua descoberta, os paleontólogos resolveram batizar aquela gigantesca ave extinta com o nome de Argentavis magnificens, ou “magnífica ave argentina” – sempre que penso neste nome eu fico imaginando como nossos vizinhos hermanos conseguiram se superar em dar vazão ao seu reconhecido ego hiper-dimensionado.
Conhecido como o “rei dos condores”, Argentavis viveu entre 9 e 5 milhões de anos atrás. Seus restos (um crânio parcial e porções dos membros superiores e inferiores) foram achados em três locais da Argentina. A partir da análise do material, os paleontólogos estimaram que Argentavis teria, em vida, até 80 quilos, sustentados no ar por asas com envergadura total de 6 a 8 metros. A maior das girafas não ultrapassa 6,1 metros.
Argentavis era tão grande que os pesquisadores ficaram intrigados com suas capacidades de voo. A enorme envergadura de asa e seu peso teriam oferecido um severo obstáculo para permitir que alçasse voo como, por exemplo, faz a maioria dos pássaros, que decolam de um ponto qualquer no solo simplesmente batendo suas asas. No caso de Argentavis, esta parece não ter sido uma opção viável.
São problemas de ordem aerodinâmica. Conseguiria voar? Em caso afirmativo, bateria as asas como um ganso ou ascenderia aos céus sustentado por colunas de ar quente, como fazem condores e urubus?
“A anatomia dessas aves é muito semelhante à do condor, portanto, pode-se supor que as penas das asas teriam um metro de comprimento. Com tais magnitudes, certamente é difícil conceber que eles pudessem decolar simplesmente devido ao bater as asas, já que no ponto de partida deveriam estar ao menos a três metros de altura para poder executar uma batida completa. Além disso, seus membros posteriores não parecem ter sido bem configurados para uma corrida que lhes permitisse atingir velocidade suficiente para a decolagem,” argumentam paleontólogos (Vizcaíno, Palmqvist, Fariña. 2000).
Chegou-se à conclusão que, para decolar, Argentavis deveria ou se precipitar no ar a partir de um penhasco ou, caso estivesse no solo, correr contra o vento, pois esta seria a única alternativa aerodinamicamente factível que permitiria a uma ave daquelas dimensões alçar voo.
Não é interessante quantas informações e inferências pode-se tirar a partir do estudo de alguns fragmentos de ossos fossilizados?
Há muito mais: A aplicação de alguns princípios aerodinâmicos básicos permite gerar informações sobre a capacidade e o estilo de voo do Argentavis. Como os pássaros são mais pesados que o ar em que se movem, (para poderem voar) deve haver uma força vertical de ascensão que se oponha ao peso do animal. Na aerodinâmica, essa força é conhecida como empuxo e depende da superfície das asas e da velocidade de deslocamento. Em outras palavras, a asa do pássaro deve atingir uma velocidade mínima que gere esse impulso e permita que ele voe.
Os pesquisadores argentinos fizeram os cálculos e chegaram à conclusão que a velocidade mínima de decolagem de Argentavis era 11,2 m/s, equivalente à velocidade de um corredor dos 100 metros rasos. “Em outras palavras, as asas deveriam alcançar uma velocidade de 40 km/h para tornar o voo factível,” lê-se no artigo.
Em 2007 num outro estudo, paleontólogos americanos fizeram uso da simulação computacional para obter uma imagem ainda mais clara das habilidades de voo daquela criatura extinta. Foi necessário estimar o poder de voo de Argentavis com base na massa estimada de seus músculos de voo. Nas aves viventes, a proporção da massa corporal dedicada aos músculos do voo é constante, com os principais músculos envolvidos no voo representando cerca de 15,5% da massa corporal total. Partindo desta massa muscular, os pesquisadores usaram dados relativos às taxas metabólicas e à potência de decolagem das aves modernas para estimar as características do voo de Argentavis.
O modelo de análise também incorporou as dimensões da asa, mas como nenhum espécime de Argentavis possui um esqueleto completo da asa, os pesquisadores ampliaram as dimensões do esqueleto de Teratornis merriami, uma ave de rapina extinta que viveu na América do Norte nos últimos 2 milhões de anos, e é o parente mais próximo conhecido de Argentavis. Embora tivesse um quinto da massa corporal de Argentavis e sua envergadura de asa fosse a metade, ainda assim T. merriami era uma ave enorme, 33% mais pesada que um condor.
No final de uma porção de cálculos, chegou-se à estimativa que Argentavis teria uma envergadura de asa de 7 metros, e que a área de suas asas seria de 8 metros quadrados. Usando suas estimativas de massa corporal aliadas a tais dimensões, os autores concluíram que Argentavis seria incapaz de sustentar o voo simplesmente batendo suas asas. Ao que parece, Argentavis planava, como fazem condores, urubus e abutres.
Com um corpo construído para planar, pode-se esperar que Argentavis tenha passado seu tempo acendendo por meio das colunas de ar que se elevam nas vertentes andinas. Alguns fósseis de Argentavis foram de fato encontrados no sopé dos Andes.
Outros, no entanto, foram encontrados nos pampas argentinos. Como poderia uma ave incapaz de decolar de um terreno plano sobreviver com sucesso nos pampas? Numa palavra: vento. A Patagônia e os pampas são regiões onde venta muito o ano todo. Não há motivos para imaginar que há 5 milhões de anos não ocorreria o mesmo. Logo, concluíram os pesquisadores americanos, uma vez nos pampas, Argentavis conseguiria decolar ao correr rapidamente em direção contrária ao vento, o que criaria sustentação suficiente sob suas enormes asas para que decolasse.
Estas, pelo menos são as conclusões aerodinâmicas do estudo. Mas há uma outra possibilidade. Há um ditado que diz que, de acordo com as leis da aerodinâmica, os besouros jamais poderiam voar. Apesar disto, besouros não conhecem aerodinâmica e voam assim mesmo! Quem sabe com Argentavis teria ocorrido algo semelhante?
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Muito bom!