A poluição plástica, que sufoca terra, mar e ar, vem sendo tratada em diversos países dentro de suas respectivas legislações, com novas propostas e buscas de soluções para enquadrar a indústria, empresas e gerar novas respostas no mercado. O último grande evento a tratar do assunto ocorreu em Portugal, em julho: a Conferência dos Oceanos, que teve como resultado um compromisso global, de intenções, para enfrentar os principais desafios que acometem o oceano. E a poluição por plástico está entre as principais. No documento Compromisso de Lisboa, a circularidade do material é apontada como única solução para o combate ao problema.
O Brasil tem uma equação enorme por resolver nesta conta e tem uma responsabilidade grande. O país é o maior poluidor plástico da América Latina, “contribuindo” anualmente com 325 mil toneladas de plástico que vai parar nos mares.
A produção nacional é alta e segue aumentando. Principalmente a do plástico de uso único, usado na sua maioria para a fabricação de embalagens e outros itens descartáveis: são 2,95 milhões de toneladas produzidas por ano, o que seria equivalente a produção de 500 bilhões de unidades de itens de uso único no Brasil, como talheres e copos.
“É um volume muito grande e ingerenciável de resíduos que se geram a partir disso”, diz Lara Iwanicki, coordenadora de campanhas da Oceana Brasil, que lançou em dezembro de 2019 o relatório Oceano Livre de Plástico – Desafios para reduzir a poluição marinha no Brasil.
Em março, foi aprovada na Assembleia da ONU para Meio Ambiente (UNEA-5) a resolução pelo fim da poluição plástica. O documento estabelece um acordo internacional juridicamente vinculante até 2024. As discussões para os textos devem começar ainda este ano e envolver todo o ciclo de vida do plástico, desde produção, design até o descarte. Para atingir tamanha resposta global, as soluções são múltiplas.
Planos de resíduos sólidos
Está em discussão no Brasil o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o Planares, um instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, com discussões em audiência públicas no Congresso e alguns pontos ainda polêmicos.
Uma das alternativas é a proposta da Aliança Resíduo Zero Brasil, movimento que diferentes instituições e ONGs participam, com um Projeto de Lei que regulamenta a circularidade do plástico de uso único ou descartável, no Brasil. A primeira reunião já ocorreu no Senado, organizada pela Comissão de Meio Ambiente. A proposta trata desde o início da produção, de formas de criar embalagens e produtos que sejam viáveis para reciclagem e com maior durabilidade.
“O caminho para resolver isso de verdade é na raiz do problema, que é a produção. Quando falamos em soluções, estão relacionadas à redução da produção desses itens de uso único, descartáveis. Esse é o primeiro princípio da economia circular. A reciclagem continua sendo importante, vai seguir acontecendo, mas nunca vai dar conta de acompanhar o volume e a velocidade de produção que é colocado no mercado. O investimento que está sendo feito na produção não é o mesmo que é feito na gestão de resíduos.”, explica Lara Iwanicki, que esteve na audiência da CMA no Senado e apresentou os dados do relatório da Oceana.
6,67 milhões de toneladas é a produção nacional de plásticos
2,95 milhões de toneladas é a produção nacional de plásticos de uso único
2,95 milhões de toneladas é a produção nacional de plásticos de uso único
500 bilhões de unidades é o consumo anual de itens de uso único
325 mil toneladas é a contribuição do Brasil para a poluição marinha por plásticos POR ANO
70% do resíduo encontrado em limpezas de praias no Brasil é plástico
2,95 milhões de toneladas é a produção nacional de plásticos de uso único
2,95 milhões de toneladas é a produção nacional de plásticos de uso único
500 bilhões de unidades é o consumo anual de itens de uso único
325 mil toneladas é a contribuição do Brasil para a poluição marinha por plásticos POR ANO
70% do resíduo encontrado em limpezas de praias no Brasil é plástico
*Dados Relatório Um Oceano Livre de Plástico
Reciclável não quer dizer que seja reciclado
O plástico descartável se acumula nas cooperativas, quando chega. Sem solução e destino, o material acaba trazendo problemas para os trabalhadores de materiais recicláveis.
Um dos motivos da dificuldade de escoamento e destinação correta é que justamente embalagens são produzidas com plásticos que não são reciclados, ou com uma mescla de materiais que não permite que sejam reaproveitados. O destino é um só: aterro na melhor das hipóteses. Ou, em boa parte da realidade brasileira, lixões.
Ronei Alves, do Movimento Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis, atuante ator nas discussões por uma nova economia do plástico, contou em entrevista ao podcast Vozes do Planeta sobre os empecilhos.” O fato é que na sua grande maioria os plásticos não têm ‘reciclabilidade’. O que quer dizer isso? Estamos fabricando uma infinidade de plásticos que não são recicláveis. Isso acaba atrapalhando o a reciclagem em si de materiais que podem voltar para o ciclo produtivo e que não voltam”.
As cooperativas não recebem por acumular matérias e muito menos por fazer a separação destes materiais. A logística reversa, prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos está sendo feita com base em nota fiscal dos materiais que são vendidos, explica Ronei “O Decreto 10.936, que traz um processo de regulamentação da política nacional de resíduos sólidos, define que as cooperativas vão receber por nota fiscal de material que foi vendido. O que não é vendido, não tem como ter nota fiscal. Entretanto, nós trabalhamos para fazer a separação desses materiais. Na cidade onde tem aterro, vai para o aterro. Onde tem lixão, vão para o lixão. E tem cidades que nem isso tem. Acaba tudo indo para o oceano”.
Uma realidade agravada com a pandemia. Um novo estudo, publicado em 2022, mostra que o consumo de embalagens de delivery teve um aumento de 46% em dois anos no país.
A reciclagem é central para que a economia circular do plástico aconteça, mas também é o último recurso. Para Fernanda Daltro, gerente-executiva do Compromisso Empresarial para a Reciclagem, CEMPRE, “a cadeia da reciclagem está fragilizada e não consegue absorver o volume gerado pelo consumidor. Economia circular é também uma das bandeiras do CEMPRE atualmente e gente entende que a indústria precisa se adaptar a isso e buscar soluções internas. É preciso que toda a cadeia funciona e o redesign acontece lá no início. “
As discussões em torno ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES) são vistas de forma positiva pelo Compromisso. “São iniciativas que puxam a cadeia e que levam a esse pensamento de reutilização, de conteúdo reciclado, de valorização dos materiais recicláveis e da reciclagem em si”, diz Fernanda.
Se a reciclagem é a última etapa da necessária economia circular do plástico no Brasil, a legislação que regulamente a produção é o início.
Um grupo de organizações da sociedade civil, reunidas na Aliança Resíduo Zero Brasil, trabalham em um Projeto de Lei para a economia circular do plástico no país.
“Se observarmos a quantidade e a velocidade que nós produzimos plásticos todos os dias e injetamos no sistema, não existe nenhuma chance de a reciclagem dar conta desta questão. Portanto precisamos de uma lei específica para a economia circular”, explica o diretor da Oceana Brasil, Ademilson Zamboni.
“Por outro lado, se nos observarmos, a vontade política, o apetite para isso, o cenário não é o mais animador. A sociedade, nas suas mais diferentes formas de organização, tem que se unir e pressionar para que o Brasil enfrente de vez esse problemas, aprovando uma regulamentação nacional que reduza a produção e oferta de plástico descartável de uso único como sendo, na verdade , o primeiro tópico para uma economia circular desses produtos.”, complementa Zamboni, que diz ainda que o Brasil está na lanterna do ponto de vista regulatório e, comparação a países da América do sul e outros países que já endereçaram suas regulações.
Paraíso plastificados e a plastisfera
O ponto final do plástico de uso único é o oceano. E o oceano chega em todas as partes. A surfista brasileira de ondas gigantes e embaixadora da UNESCO, Maya Gabeira, vê isso de perto: “Viajo as vezes dois dias para chegarmos no lugar que mais gosto de surfar no mundo, que é nas ilhas Mentawai, na Indonésia, e depois de 56 horas de viagem chego em um lugar completamente remoto e cheio de plástico chega pelo oceano. E o Oceano chega em tudo. A gente acha que está indo para um paraíso, longe, onde poucas pessoas habitam, e chegando lá, vemos uma quantidade enorme. A quantidade é impressionante em todos os lugares do mundo. Esta é uma das maiores transformações que tenho visto de perto.”
Hoje existe microplástico em todas as partes do Oceano. Esta fragmentação do material em partículas, encontrado desde as águas, areias, no corpo dos animais, é a prova de que o plástico não desaparece.
O termo microplástico foi cunhado apenas em 2004, pelo cientista inglês Richard Thompson, e de lá para cá, já foi detectado em todos os ambientes. Até o mais recôndito, como o continente Antártico.
Em 2019, a cientista brasileira Ana Luzia Lacerda, participou de uma expedição na Antártica e ficou um mês embarcada coletando microplástico, em diferentes partes do continente, para entender como estes materiais podem impactar ambientes pristinos e ecologicamente sensíveis.
A sua tese de doutorado foi avaliar a poluição de microplástico, as principais fontes na região antártica, os tipos de plástico e os potenciais impactos. A viagem fez parte do projeto Ecopelagus, da Universidade Federal de Rio Grande, que integra o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).
De volta ao Brasil, no laboratório, a realidade esperada. “Infelizmente a Antártica não está à parte da poluição plástica. E as principais fontes de microplástico na Antártica são fontes locais, como a pesca ilegal não reportada, as atividades de turismo nas estações, e não exclui que tem plástico vindas de outras regiões do globo chegando por correntes marinhas e também pela atmosfera, como os nano plástico”, explica por videochamada Ana Luzia.
A pesquisadora segue os estudos agora sobre a Plastisfera, ou seja, ecossistemas criados em volta de fragmentos plásticos, e como eles impactam a vida natural.
Apesar das evidências e das amostras que coletou, ela se diz otimista que a busca por soluções, que integrem produção, redução do consumo, inovação e ciência, possam trazer resultados para uma vida com menos plástico.
*Os depoimentos para esta reportagem também podem ser ouvidos em dois programas especiais do podcast Vozes do Planeta, em parceria com Oceana Brasil e o O Eco. Também são apontadas soluções e o que diversos ouvintes fazem para uma rotina livre de plástico.
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