Reportagens

Pau-brasil com mais de 600 anos é descoberto no sul da Bahia

Testemunha da devastação da Mata Atlântica, a árvore anciã foi encontrada no sul da Bahia, dentro de um assentamento, e possui mais de 7 metros de diâmetro

Duda Menegassi ·
8 de dezembro de 2020 · 4 anos atrás
O pau-brasil de mais de 600 anos rodeado pelo guia, Uanderson, à esquerda, e Alex e Ricardo, à direita. Foto: Cássio Vasconcelos

“Essa nau mensageira, ou talvez a expedição seguinte, em 1501, foi a primeira a carregar amostras do primeiro dos tesouros florestais do Brasil. Tratava-se de uma madeira corante chamada ibirapitanga – árvore vermelha – pelos tupis, que com ela coloriam suas fibras de algodão. Os portugueses a chamavam de pau-brasil, provavelmente a partir de brasa”, descreve o historiador Warren Dean em seu livro “A ferro e fogo”, que narra a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. O primeiro objeto de cobiça dos portugueses, como conta Dean, foi justamente o pau-brasil. A corrida pela árvore, que mais tarde deu nome ao país, e tantas outras de valor comercial, pôs a baixo de forma impiedosa a floresta costeira, hoje reduzida a 12% da sua cobertura original. Parece improvável que alguma testemunha tenha escapado a mais de cinco séculos de cobiça e exploração. E ainda assim, em meio ao dossel da Mata Atlântica no sul da Bahia, pesquisadores acabaram de descobrir e registrar um pau-brasil de idade estimada em mais de 600 anos. Com 7,13 metros de circunferência, é a maior do país. Não à toa, afinal ela teve tempo para crescer em paz.

A existência deste gigante era só uma lenda entre os moradores do assentamento do Movimento dos Sem Teto chamado coincidentemente de Pau-Brasil, e localizado no município de Itamaraju, no sul da Bahia. Lá, os moradores vivem do cacau, que é plantado em sistema agroflorestal, conhecido como cabruca. Ou seja, as árvores – principalmente as maiores – são mantidas de pé para dar sombra e abrigo aos pés de cacau. Foi exatamente pela presença de outros gigantes no local que o botânico Ricardo Cardim e o empresário Alex Vicintin foram parar no assentamento pela primeira vez, em 2018. Lá, documentaram o que julgaram ser o maior pau-brasil até então, conhecido pelos moradores do assentamento como “Rei”, com cerca de 4 metros de circunferência.

Os dois estão por detrás do projeto Grandes Árvores da Mata Atlântica, que resultou no livro Remanescentes da Mata Atlântica, assinado por Ricardo Cardim e publicado em 2018. Nas páginas desse primeiro livro está o “Rei”, ainda não destituído de sua coroa e reconhecido então como o maior pau-brasil do país. Nas visitas ao assentamento, entretanto, Ricardo e Alex ouviram a lenda de que existiria outro pau-brasil gigante na região.

Alex Vicintin conta que contratou então o guia deles na comunidade, Uanderson Matos, para descobrir o paradeiro dessa árvore, desconhecida pelos próprios moradores do assentamento, exceto um, testemunha de que a lenda era verdadeira. No final de novembro, Vicintin já se preparava para embarcar para o assentamento quando recebeu a mensagem do guia – “achamos” –, acompanhada de algumas fotos.

“A descoberta é deles [moradores do assentamento]. A gente foi lá simplesmente, registrou e mostrou para os jornalistas. Nós fomos o meio. A descoberta e o mérito, é tudo deles. É uma área bem remota dentro do assentamento, com muitas montanhas. É uma área em que eles já não plantam mais cacau e é uma mata mais primária mesmo, que não foi muito mexida nem para plantar cacau”, explica Vicintin, que é dono do viveiro Fábrica de Árvores, financiador do projeto.

O empresário conta que eles estão acostumados a documentar árvores gigantes, porém mesmo assim, esse exemplar os surpreendeu com suas “rugas” e feição envelhecida. “É uma árvore anciã”, reforça.

Eis o gigante. Indivíduo é o maior pau-brasil já documentado no país. Foto: Cassio Vasconcelos

“Nós não somos cientistas da área, nossa pesquisa é de remanescentes da Mata Atlântica, então usamos medições de outros cientistas. E usamos como parâmetro o fato de que o outro pau-brasil [o Rei], que possui a metade da grossura, tem idade estimada por especialistas em 500 anos. Esse, então, a gente chuta por baixo que tenha uns 600 anos. A gente sabe que essa árvore estava aqui quando Cabral chegou, isso a gente tem certeza”.

O botânico Ricardo Cardim, idealizador do projeto, comenta que é incrível encontrar uma sobrevivente desta espécie vegetal que foi tão fortemente explorada durante cinco séculos. “Porque o pau-brasil, desde que os portugueses aportaram aqui, foi o alvo principal do desmatamento na Mata Atlântica. Ele foi saqueado durante os séculos 16, 17 e 18. No século 19, inventaram a cor vermelha artificial, mas aí descobrem que o pau-brasil é bom para fazer arco de violino e ele continua sendo desmatado. O que chegou ao século 20, 21, é quase nada”, diz Cardim.

Ele reforça ainda que em seu trabalho de pesquisa sobre os gigantes da Mata Atlântica, não encontrou nem mesmo menção a uma árvore de pau-brasil tão grande quanto esta. “Na minha opinião, é o maior pau-brasil já visto e registrado no Brasil”, aponta.

Como a árvore está dentro do território do assentamento, existe a preocupação sobre manter a proteção deste ancião, agora que ele não é mais apenas uma lenda. “Pelas nossas conversas com os locais, a gente sabe que a intenção é manter aquilo de pé. É uma área privada, então continua na mão deles”, diz Vicintin.

Ele acredita que o potencial turístico do maior e mais velho pau-brasil do país pode ajudar tanto a comunidade que vive no assentamento, quanto a preservação da árvore e de toda a floresta remanescente.

“A gente discutiu muito se divulgava ou não o lugar, mas eu acho que a maior arma para preservação é a divulgação, criar trilhas para visitação que gere renda para comunidade de forma que eles não se sintam pressionados a mexer na floresta. É geração de renda a partir desse ativo que eles têm”, acrescenta o empresário, que apelidou informalmente o lugar de parque das árvores gigantes. “Não tem só pau-brasil, tem sapucaia, jequitibá… tem muita coisa gigante lá”.

Atualmente, a comunidade já está aberta ao turismo, mas a atividade não é feita de forma estruturada tampouco recebe muitos visitantes.

“É uma árvore extraordinária! Como uma árvore tão antiga, tão bonita, que está em perfeito estado – está saudável mesmo sendo uma anciã –, sobreviveu a tanta destruição, a poucos quilômetros de uma rodovia? É um milagre. Essa árvore representa não apenas um patrimônio dos brasileiros, mas também mundial e deve ser visitada pelos brasileiros, preservada e festejada”, completa Ricardo.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 16

  1. Plinio Rubert Gardin diz:

    Boa noite. Lendo essa reportagem, me lembrei de uma chácara que tive aqui em Aquidauana MS, próximo a BR 262.
    Lá tem 3 figueiras exuberantes. Uma eu medi a circunferência a 50 cm. do solo, deu mais de 15 metros.
    Nunca tinha visto isso antes.
    Caso tenham interesse nas informações, WhatsApp 67 99984-8888. Dr. Plínio.


  2. Célio Jr diz:

    Como estão as notícias sobre esse gigante das matas e remanescente ? Gostaria de poder visitar em 2022 .


  3. Samuel diz:

    Ae diz ser essa árvore a mais velha, e em outro informativo e tbm no globosta repórter, quena época que assistia era bom, disseram que a mais velha pau BRASIL possui 1500 anos, ou será que tô blefando


  4. Edésio Ferreira de Miranda diz:

    Belo trabalho.
    Parabéns!

    Na década de 80 tive oportunidade de ver, no município de Jauru, estado de Mato Grosso, árvores que estimo ter a metade do diâmetro do pau-Brasil de Itamaraju.
    Essa árvore tem múltiplos e relevantes valores: da história antes do próprio descobrimento do gigante território brasileiro, da maior árvore no menor remanescente dos biomas brasileiros, entre tantos outros, a exemplo de pesquisas científicas.
    Estão de parabéns os assentados daquele privilegiado espaço territorial.
    O órgão que faz a Gestão do assentamento deve fazer uma ampla articulação com outras instituições, tendo os assentados como elementos ativos, no sentido de preservar esse tesouro verde.


  5. Roberto Baldacconi diz:

    Uma raridade dentro de seu próprio habitate de origem e podermos um dia visitá-la e uma das coisas mais belas que ouso após este triste ano de 2020


  6. Henry diz:

    Melhor manter sua localização em segredo pois senão o Salles e Bolsonaro vão lá e abatem com Carminha de dedo em existe.


  7. Helcio Estrella diz:

    A melhor forma de ajudar a preservar essa relíquia florestal é transforma-la em ícone da mata brasileira, como atração turística. Seria um "point"turistico internacional, como as sequoias da california. Helcio Estrella.


  8. Ana diz:

    Matéria sensacional no nível da árvore!


  9. Gente que coisa mais linda!!!! Essa foi a melhor notícia de 2020!! Já pensando em estruturar o turismo de base comunitária para visitar essa anciã ❤️


  10. Lailson Dantas diz:

    É um exemplar sensacional, espero que seja protegido. Só uma correção, a árvore tem 7,13m de circunferência, não de diâmetro.


    1. Priscila diz:

      O termo está correto. Em dendrologia usa-se a medida DAP (diâmetro na altura do peito) como padrão. É algo aproximadamente a 1,30m do solo.


    2. Priscila diz:

      Pra calcular vc mede a circunferência do tronco à altura do peito e divide por pi.


  11. Tom diz:

    Parabéns pelo texto! Rousseau ficaria orgulhoso!


    1. Antonio Fernandes diz:

      TEXTO GROTESCO, RECHEADO DE TERMOS E CITAÇÕES
      DIFAMATORIAS E OFENSICAS AOS NOSSOS ANTEPASSADOS!
      SIMPLESMENTE DEPLORÁVEL!


      1. Reynaldo diz:

        Grotesca, deplorável e altamente ofensiva foi a devastação que a ganância lusitana impôs às nossas matas. O encontro de um único remanescente dessa árvore que outrora era numerosa na mata atlântica é a prova irrefutável disso!


      2. Maysa diz:

        Provavelmente você acha os portugueses só queriam proteger a flora brasileira…….. Ora, tenha dó