“Essa nau mensageira, ou talvez a expedição seguinte, em 1501, foi a primeira a carregar amostras do primeiro dos tesouros florestais do Brasil. Tratava-se de uma madeira corante chamada ibirapitanga – árvore vermelha – pelos tupis, que com ela coloriam suas fibras de algodão. Os portugueses a chamavam de pau-brasil, provavelmente a partir de brasa”, descreve o historiador Warren Dean em seu livro “A ferro e fogo”, que narra a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. O primeiro objeto de cobiça dos portugueses, como conta Dean, foi justamente o pau-brasil. A corrida pela árvore, que mais tarde deu nome ao país, e tantas outras de valor comercial, pôs a baixo de forma impiedosa a floresta costeira, hoje reduzida a 12% da sua cobertura original. Parece improvável que alguma testemunha tenha escapado a mais de cinco séculos de cobiça e exploração. E ainda assim, em meio ao dossel da Mata Atlântica no sul da Bahia, pesquisadores acabaram de descobrir e registrar um pau-brasil de idade estimada em mais de 600 anos. Com 7,13 metros de circunferência, é a maior do país. Não à toa, afinal ela teve tempo para crescer em paz.
A existência deste gigante era só uma lenda entre os moradores do assentamento do Movimento dos Sem Teto chamado coincidentemente de Pau-Brasil, e localizado no município de Itamaraju, no sul da Bahia. Lá, os moradores vivem do cacau, que é plantado em sistema agroflorestal, conhecido como cabruca. Ou seja, as árvores – principalmente as maiores – são mantidas de pé para dar sombra e abrigo aos pés de cacau. Foi exatamente pela presença de outros gigantes no local que o botânico Ricardo Cardim e o empresário Alex Vicintin foram parar no assentamento pela primeira vez, em 2018. Lá, documentaram o que julgaram ser o maior pau-brasil até então, conhecido pelos moradores do assentamento como “Rei”, com cerca de 4 metros de circunferência.
Os dois estão por detrás do projeto Grandes Árvores da Mata Atlântica, que resultou no livro Remanescentes da Mata Atlântica, assinado por Ricardo Cardim e publicado em 2018. Nas páginas desse primeiro livro está o “Rei”, ainda não destituído de sua coroa e reconhecido então como o maior pau-brasil do país. Nas visitas ao assentamento, entretanto, Ricardo e Alex ouviram a lenda de que existiria outro pau-brasil gigante na região.
Alex Vicintin conta que contratou então o guia deles na comunidade, Uanderson Matos, para descobrir o paradeiro dessa árvore, desconhecida pelos próprios moradores do assentamento, exceto um, testemunha de que a lenda era verdadeira. No final de novembro, Vicintin já se preparava para embarcar para o assentamento quando recebeu a mensagem do guia – “achamos” –, acompanhada de algumas fotos.
“A descoberta é deles [moradores do assentamento]. A gente foi lá simplesmente, registrou e mostrou para os jornalistas. Nós fomos o meio. A descoberta e o mérito, é tudo deles. É uma área bem remota dentro do assentamento, com muitas montanhas. É uma área em que eles já não plantam mais cacau e é uma mata mais primária mesmo, que não foi muito mexida nem para plantar cacau”, explica Vicintin, que é dono do viveiro Fábrica de Árvores, financiador do projeto.
O empresário conta que eles estão acostumados a documentar árvores gigantes, porém mesmo assim, esse exemplar os surpreendeu com suas “rugas” e feição envelhecida. “É uma árvore anciã”, reforça.
“Nós não somos cientistas da área, nossa pesquisa é de remanescentes da Mata Atlântica, então usamos medições de outros cientistas. E usamos como parâmetro o fato de que o outro pau-brasil [o Rei], que possui a metade da grossura, tem idade estimada por especialistas em 500 anos. Esse, então, a gente chuta por baixo que tenha uns 600 anos. A gente sabe que essa árvore estava aqui quando Cabral chegou, isso a gente tem certeza”.
O botânico Ricardo Cardim, idealizador do projeto, comenta que é incrível encontrar uma sobrevivente desta espécie vegetal que foi tão fortemente explorada durante cinco séculos. “Porque o pau-brasil, desde que os portugueses aportaram aqui, foi o alvo principal do desmatamento na Mata Atlântica. Ele foi saqueado durante os séculos 16, 17 e 18. No século 19, inventaram a cor vermelha artificial, mas aí descobrem que o pau-brasil é bom para fazer arco de violino e ele continua sendo desmatado. O que chegou ao século 20, 21, é quase nada”, diz Cardim.
Ele reforça ainda que em seu trabalho de pesquisa sobre os gigantes da Mata Atlântica, não encontrou nem mesmo menção a uma árvore de pau-brasil tão grande quanto esta. “Na minha opinião, é o maior pau-brasil já visto e registrado no Brasil”, aponta.
Como a árvore está dentro do território do assentamento, existe a preocupação sobre manter a proteção deste ancião, agora que ele não é mais apenas uma lenda. “Pelas nossas conversas com os locais, a gente sabe que a intenção é manter aquilo de pé. É uma área privada, então continua na mão deles”, diz Vicintin.
Ele acredita que o potencial turístico do maior e mais velho pau-brasil do país pode ajudar tanto a comunidade que vive no assentamento, quanto a preservação da árvore e de toda a floresta remanescente.
“A gente discutiu muito se divulgava ou não o lugar, mas eu acho que a maior arma para preservação é a divulgação, criar trilhas para visitação que gere renda para comunidade de forma que eles não se sintam pressionados a mexer na floresta. É geração de renda a partir desse ativo que eles têm”, acrescenta o empresário, que apelidou informalmente o lugar de parque das árvores gigantes. “Não tem só pau-brasil, tem sapucaia, jequitibá… tem muita coisa gigante lá”.
Atualmente, a comunidade já está aberta ao turismo, mas a atividade não é feita de forma estruturada tampouco recebe muitos visitantes.
“É uma árvore extraordinária! Como uma árvore tão antiga, tão bonita, que está em perfeito estado – está saudável mesmo sendo uma anciã –, sobreviveu a tanta destruição, a poucos quilômetros de uma rodovia? É um milagre. Essa árvore representa não apenas um patrimônio dos brasileiros, mas também mundial e deve ser visitada pelos brasileiros, preservada e festejada”, completa Ricardo.
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Boa noite. Lendo essa reportagem, me lembrei de uma chácara que tive aqui em Aquidauana MS, próximo a BR 262.
Lá tem 3 figueiras exuberantes. Uma eu medi a circunferência a 50 cm. do solo, deu mais de 15 metros.
Nunca tinha visto isso antes.
Caso tenham interesse nas informações, WhatsApp 67 99984-8888. Dr. Plínio.
Como estão as notícias sobre esse gigante das matas e remanescente ? Gostaria de poder visitar em 2022 .
Ae diz ser essa árvore a mais velha, e em outro informativo e tbm no globosta repórter, quena época que assistia era bom, disseram que a mais velha pau BRASIL possui 1500 anos, ou será que tô blefando
Belo trabalho.
Parabéns!
Na década de 80 tive oportunidade de ver, no município de Jauru, estado de Mato Grosso, árvores que estimo ter a metade do diâmetro do pau-Brasil de Itamaraju.
Essa árvore tem múltiplos e relevantes valores: da história antes do próprio descobrimento do gigante território brasileiro, da maior árvore no menor remanescente dos biomas brasileiros, entre tantos outros, a exemplo de pesquisas científicas.
Estão de parabéns os assentados daquele privilegiado espaço territorial.
O órgão que faz a Gestão do assentamento deve fazer uma ampla articulação com outras instituições, tendo os assentados como elementos ativos, no sentido de preservar esse tesouro verde.
Uma raridade dentro de seu próprio habitate de origem e podermos um dia visitá-la e uma das coisas mais belas que ouso após este triste ano de 2020
Melhor manter sua localização em segredo pois senão o Salles e Bolsonaro vão lá e abatem com Carminha de dedo em existe.
A melhor forma de ajudar a preservar essa relíquia florestal é transforma-la em ícone da mata brasileira, como atração turística. Seria um "point"turistico internacional, como as sequoias da california. Helcio Estrella.
Matéria sensacional no nível da árvore!
Gente que coisa mais linda!!!! Essa foi a melhor notícia de 2020!! Já pensando em estruturar o turismo de base comunitária para visitar essa anciã ❤️
É um exemplar sensacional, espero que seja protegido. Só uma correção, a árvore tem 7,13m de circunferência, não de diâmetro.
O termo está correto. Em dendrologia usa-se a medida DAP (diâmetro na altura do peito) como padrão. É algo aproximadamente a 1,30m do solo.
Pra calcular vc mede a circunferência do tronco à altura do peito e divide por pi.
Parabéns pelo texto! Rousseau ficaria orgulhoso!
TEXTO GROTESCO, RECHEADO DE TERMOS E CITAÇÕES
DIFAMATORIAS E OFENSICAS AOS NOSSOS ANTEPASSADOS!
SIMPLESMENTE DEPLORÁVEL!
Grotesca, deplorável e altamente ofensiva foi a devastação que a ganância lusitana impôs às nossas matas. O encontro de um único remanescente dessa árvore que outrora era numerosa na mata atlântica é a prova irrefutável disso!
Provavelmente você acha os portugueses só queriam proteger a flora brasileira…….. Ora, tenha dó