Reportagens

Estudo aponta relação entre cobertura florestal e ocorrência de aves na Mata Atlântica

Pesquisadores reforçam que é necessário rever a legislação para garantir a real defesa da biodiversidade, não apenas de aves, e que situação é ainda mais crítica para espécies endêmicas

Duda Menegassi ·
19 de outubro de 2020 · 4 anos atrás
A ave tempera-viola (Saltator maximus) é uma das que ocorre com maior regularidade em áreas com mais florestas. Foto: José Morante

O desmatamento, fragmentação e o empobrecimento das florestas pode ser uma combinação fatal para a ocorrência de diversas espécies de aves – assim como para outros animais – e um estudo analisou qual seria a porcentagem média necessária de cobertura florestal para garantir uma melhor cenário de biodiversidade na avifauna local. Segundo a pesquisa, que investigou 68 espécies de aves na Mata Atlântica do sul da Bahia, a principal variável que impacta a presença ou não de uma ave num fragmento é o quanto existe de floresta na paisagem ao redor. Para manter uma avifauna diversa, o fragmento florestal precisaria estar inserido numa paisagem com no mínimo 54% de cobertura florestal. A pesquisa levanta a discussão sobre a necessidade de rever políticas públicas como as porcentagens de reserva legal do Código Florestal e também a importância de investir em iniciativas de restauração florestal.

O artigo foi publicado no final de setembro no periódico Landscape Ecology e analisou os fatores da paisagem e dos fragmentos florestais que mais impactam na ocupação de aves. Para análise, foram selecionados 40 fragmentos distintos da Mata Atlântica localizados a pelo menos 1km de distância um do outro e distribuídos no sul da Bahia. Das 184 espécies registradas nesses fragmentos, o estudo selecionou aquelas que ocorriam em pelo menos 25% dos locais para garantir a confiabilidade da comparação.

“E a principal variável que impacta a presença ou não de uma espécie num fragmento é o quanto existe de floresta na paisagem ao redor”, resume o pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz, José Carlos Morante-Filho, autor do artigo junto com Maíra Benchimol e Deborah Faria. “Eu tenho o fragmento que é o habitat das espécies e eu tenho o que está ao redor [a paisagem]. Quanto melhor a qualidade dessa matriz, ou seja, quanto mais essa matriz se assemelha a uma floresta, a tendência é que as espécies que vivem na floresta consigam utilizar essa matriz para se alimentar ou mesmo para se dispersar”, explica.

“Esse resultado fortalece o que já vinha sendo apontado por outros estudos de como o desmatamento tem um efeito extremamente danoso para as aves e diversos outros grupos biológicos. O que é importante é que a gente conseguiu dar um valor de quanto é necessário [de floresta], pelo menos para algumas espécies”, acrescenta. Os 54%, entretanto, são uma média, há espécies com maior sensibilidade a distúrbios no ambiente e outras mais resistentes.

A a choca-de-sooretama, espécie endêmica da Mata Atlântica. Foto: Hector Bottai/CC 4.0

Dentre as espécies analisadas, três são endêmicas da Mata Atlântica: o chorozinho-de-boné (Herpsilochmus pileatus), que só ocorre nas florestas do litoral da Bahia, a choquinha-de-rabo-cintado (Myrmotherula urosticta) e a choca-de-sooretama (Thamnophilus ambiguus). Para essas aves especialistas nas florestas do bioma, o desmatamento possui consequências ainda mais severas. As três espécies são classificadas como vulneráveis ao risco de extinção pela Lista Vermelha da IUCN.

“Essas espécies endêmicas são muito mais afetadas do que aquelas mais generalistas de habitat”, pontua Morante. “Uma espécie como a choquinha-de-rabo-cintado, por exemplo, precisa acima de 60-70% de cobertura florestal na paisagem”.

Segundo ele, os resultados da pesquisa reforçam ainda que é necessário rever a legislação brasileira para garantir a defesa da biodiversidade. De acordo com o Código Florestal, as propriedades privadas na Mata Atlântica precisam manter uma reserva legal – área de vegetação nativa preservada – de 20% do terreno. “Muitas dessas paisagens são inviáveis. Manter 20% de cobertura florestal como o Código Florestal determina é insuficiente, isso não vai ajudar a salvar muitas espécies, principalmente aquelas que dependem de florestas. Esse é um ponto crítico e é um ponto que deve ser repensado”, alerta o pesquisador.

Morante acredita ainda que é necessário um maior investimento público em programas de restauração florestal e o combate mais incisivo ao desmatamento. “O sul da Bahia é uma das áreas mais ricas da Mata Atlântica em termos de biodiversidade, e durante anos consecutivos é uma das áreas que mais perde floresta segundo o levantamento da SOS Mata Atlântica [o Atlas de remanescentes da Mata Atlântica]. Em termos de perda da biodiversidade é uma zona onde a gente tende a ter altas taxas de extinções porque a gente tem pouca floresta e poucos programas de restauração”, lamenta.

O pesquisador explica que o estudo identificou também espécies que foram mais afetadas por variáveis locais, como a presença – ou não – de árvores maiores e mais grossas no fragmento. “O tucano-de-bico-preto [Ramphastos vitellinus], por exemplo, é uma espécie que tem mais chances de ocorrer em fragmentos onde há árvores mais espessas, provavelmente tanto porque quanto maior a espessura da árvore a tendência é que ela produza mais frutos, alimento do tucano, mas também porque o tucano é uma espécie que faz ninho em cavidade de árvores maiores. Ou seja, para algumas espécies não basta a gente olhar o quanto tem de floresta, a gente também precisa olhar a qualidade daquela floresta”, ressalta Morante.

Gaturamo verdadeiro (Euphonia violacea), espécie não florestal observada no estudo. Foto: José Morante

Com a perda de quantidade e qualidade de florestas a tendência é que ocorra uma substituição de espécies, explica o pesquisador, onde as mais generalistas, adaptadas a ambientes perturbados ou mesmo áreas urbanas, irão colonizar os nichos deixados vagos com a extinção das espécies mais dependentes da floresta. “Essa é uma mudança acompanhada de uma homogeneização e a tendência é que isso também leve a uma perda de função ecológica. Por exemplo, entre todas as espécies de aves têm aquelas que dispersam sementes, aquelas que polinizam plantas, aquelas que controlam populações de insetos. E essas relações e funções são muito mais íntimas e muito mais fortes entre uma espécie que evoluiu no seu ambiente, entre uma espécie florestal que evoluiu dentro da floresta. Quando eu tenho a ocupação de novas espécies nesse ambiente, como ocorre com a vinda da generalista, a tendência é que essas funções sejam reduzidas ou até mesmo perdidas, porque eu tenho espécies de aves, mas muitas vezes não executando o mesmo papel funcional. E isso gera quase um extermínio do fragmento florestal no longo prazo porque as funções ecológicas não estarão sendo desenvolvidas”, conclui José Morante.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 2

  1. Maciel diz:

    Estou tentando iniciar um projeto de preservação e recuperação de matas, mais até o momento não tenho conseguido apoio de alguém que possa me ajudar. , sou volutario e criador do programa caminho verde , presiso de ajuda para tornar nosso planeta melhor .,


  2. Maciel Cerqueira diz:

    Bom dia a todos. , sou de angico mairi Bahia, espero que as pessoas comecem a olhar para os desmatamentos pequenos em suas propriedades, pois eles também ajudam a acabar com a vida de muitas aves,